O texto a seguir está livre de spoilers específicos de Resident Evil 3 (2020), mas comenta trechos, personagens e monstros revelados em vídeos e textos oficialmente liberados pela Capcom até este momento. Caso você tenha consumido NADA sobre o game e quer manter sua experiência a mais pura possível, não recomendamos a leitura desta crítica, por enquanto. Prossiga por sua conta e risco!
Quando Resident Evil 2 (2019) foi anunciado em 2015, e o produtor Yoshiaki Hirabayashi fez a revelação vestindo a icônica camiseta escrita “We Do It!”; a imagem atrás dele mostrava o logo do game com os seguintes dizeres: “Resident Evil 2 Remake”.
Alguns anos depois - e especialmente depois do primeiro trailer oficial revelado durante a E3 2018 -, os desenvolvedores começaram a afirmar em entrevistas que o título, veja bem, não era exatamente um remake, e sim uma reimaginação.
Afinal, o jogo não seria um mero “copia e cola” do original: a nova versão do game apresentaria novidades. A proposta era dar uma modernizada nas histórias, personagens, cenários e, principalmente, nos acontecimentos mostrados no título de 1998 do primeiro PlayStation.
No fim, quando foi lançado em janeiro de 2019, Resident Evil 2 foi um sucesso estrondoso.
A mídia e o público adoraram o game, que chegou a concorrer a Jogo do Ano no The Game Awards 2019.
Muitos consideram Resident Evil 2 (2019) uma aula sobre como fazer remakes. E então, em dezembro do mesmo ano, a Capcom anunciou outra aguardada reimaginação da franquia: Resident Evil 3 (2020), uma nova versão de Resident Evil 3: Nemesis, originalmente lançado em 1999.
Quando o The Enemy foi convidado para testar o game recentemente, a área disponível na demonstração apresentou equilibradas doses de terror e ação - por isso, ao término da jogatina, o saldo foi bastante positivo.
Ao analisar a versão final do jogo, contudo… Não posso dizer que experiência foi tão positiva assim. De forma geral, o novo Resident Evil 3 eleva a palavra “reimaginação” a outro patamar, e traz melhorias significativas na jogabilidade; mas ele também pode ter tomado algumas liberdades criativas no roteiro que, certamente, vão deixar os fãs divididos.
Comparativos
É praticamente impossível não comparar os remakes de RE2 e RE3 em termos técnicos. Para que fique claro: sim, as propostas de ambos são diferentes e as equipes de produção também.
… E é justamente aí que moram os principais problemas, mas vou chegar nesta questão mais adiante.
Por ora, vale dar foco aos elementos técnicos, e em termos gráficos, RE3 está no mesmo nível de qualidade de seu antecessor, graças ao motor gráfico ultrarrealista da RE Engine.
A jogabilidade também está parecida em alguns aspectos: câmeras sobre os ombros e movimentos livres (nada de “controle tank” por aqui), além do giro em 180º novamente marcando presença. De forma geral, continua prazeroso de jogar e os armamentos permanecem fáceis de manejar - e de alternar, bastando acionar os direcionais.
A trilha sonora, assim como em RE2, traz excertos da composição clássica. As icônicas músicas do RE3 de 1999 foram rearranjadas e continuam sobressaindo nos momentos certos, aumentando a emoção e a tensão principalmente.
E por fim, claro, o game está recheado de easter eggs para os fãs mais fervorosos, desde de inserção de falas clássicas, de cenas e lugares reimaginados e, claro, acontecimentos tão marcantes quanto os do game original.
Melhorias
É importante citar algumas diferenças e melhorias na jogabilidade, principalmente envolvendo a heroína Jill Valentine, que tem a esquiva para desviar de ataques, e o mercenário Carlos Oliveira, que pode executar um soco nos inimigos e derrubá-los e, assim, desestabilizá-los momentaneamente.
Os dois, inclusive, podem manejar uma faca de combate, mas diferente de RE2, desta vez o objeto não quebra, livrando o jogador desta preocupação. E ainda falando de mecânicas, o recurso de combinar pólvoras e criar novos tipos de projéteis está de volta, tanto para Jill quanto para Carlos.
A ambientação, por sinal, também é diferente do remake de RE2, pois o novo RE3 é, ao menos inicialmente, focado em explorar a cidade e resolver enigmas (ou concluir tarefas, se preferir) que vão, por sua vez, abrindo caminho para a narrativa se desenrolar.
Diferente de RE2, que se passa principalmente em instalações fechadas e subterrâneas, a primeira metade de RE3 se passa nas catastróficas ruas e avenidas de Raccoon City.
E pessoalmente, este é o melhor trecho do game, já que a ação e o terror são bem equilibrados: as passagens de Jill pela subestação elétrica infestada pelos nojentos Drain Deimos, ou ainda pelos esgotos onde estão os terríveis Hunter γ; e Carlos se aventurando pelo hospital e lidando com os mortais Hunter β são as partes mais apavorantes - e gráficas - do game.
Um pouco depois desse ponto, o jogador passa por um breve (e infelizmente obrigatório) “modo horda”, digamos assim. É neste ponto que o equilíbrio começa a se perder e o game praticamente assume o gênero ação, deixando o terror completamente de lado e ficando mais frenético do que nunca.
Para os mais aficcionados e apegados à história de Resident Evil, as liberdades criativas e mudanças na narrativa e - especialmente -, nas localidades do game a partir desse ponto também podem mexer com a cabeça de alguns jogadores.
Existem incoerências nos diálogos e ações dos personagens, e embora os coadjuvantes e as tramas complementares da história de Jill e Carlos até tenham sua importância, o sentimento ao final de tudo é que… Há alguma coisa faltando.
Nemesis
Seria impossível escrever uma análise de RE3 sem falar do Nemesis. O monstrengo é a principal ameaça do game e suas perseguições são sempre uma aventura a parte. Mas, não é preciso temer: é possível derrubá-lo e atrasá-lo quando isso acontece (ao menos na cidade).
Enquanto Jill explora as ruas, Nemesis irá aparecer algumas vezes para tornar toda a investigação ou a solução de um enigma ainda mais desafiador. E apesar de o Tyrant (também conhecido como Mr. X) de RE2 ter sido a base para sua criação, a grande e mortal atração de RE3 possui uma inteligência artificial claramente superior.
Durante o jogo, Nemesis é capaz de: saltar para a frente de Jill caso ela se afaste demais; se pendurar em edifícios para pegá-la de surpresa e causar dano com o impacto de seu salto; utilizar um arsenal pesado para deter a heroína; quebrar paredes para causar sustos no jogador e usar seus tentáculos para atrasar a protagonista, puxando-a pelas pernas.
Essas foram apenas algumas ações presenciadas durante a jogatina, pois suspeito que ele pode aprontar ainda mais. Além disso, Nemesis persegue Jill onde quer que ela vá (com exceção de salas de save e salas de resolução de enigmas); e, vale dizer, mas seus socos e chutes são fortíssimos: a protagonista pode morrer com apenas dois ou três golpes.
Caso o jogador pense em brincar com o monstrengo, deve ficar atento: Nemesis pode ficar tão irritado se Jill driblá-lo demais que, ao urrar fortemente, deixa a heroína paralisada caso ela esteja por perto. Isso abre uma pequena janela para ele atacá-la com mais facilidade, inclusive.
Obviamente, como no original, Nemesis vai se transformando conforme Jill o enfrenta ao longo do game, e suas novas formas podem agradar os fãs que buscam um visual diferente. Mas, pessoalmente, achei as Fases 2 e 3 do monstro bastante genéricas, e suas batalhas igualmente previsíveis.
A primeira luta na Fase 2 acontece, inclusive, quando o jogo está próximo de virar a chave e abraçar a ação de vez; a Fase 3, por sua vez, é apenas no final e, apesar de ser épica à sua própria maneira, ela não repassa a emoção da mesma batalha do game original.
Diferentes abordagens
Ao fim da experiência, é difícil não analisar o novo Resident Evil 3 em comparação ao Resident Evil 2 de 2019, especialmente pela forma com que suas filosofias de design acabam se contrapondo.
É preciso ressaltar que a abordagem de RE2 é bastante voltada para o terror, seus personagens e suas diferentes facetas diante do perigo que assola Raccoon City. Muitos dos monstros encontrados no game são, afinal, humanos.
Isso fica muito claro quando a equipe de desenvolvimento comenta em entrevistas sobre todo o cuidado que tiveram ao recriar um game tão querido para os fãs. Até mesmo os zumbis receberam um tratamento especial, já que seus membros podem se desprender do corpo conforme eles levam dano.
Em RE3, obviamente a equipe de desenvolvimento também tomou cuidado ao retratar alguns pontos, sobretudo, o objetivo principal do game, que gira em torno da fuga de Jill e como ela sobrevive a esta grande ameaça que foi enviada exclusivamente para eliminá-la, Nemesis. Neste sentido, o game original já trazia a ação como um elemento mais evidente, porque a premissa era a mesma.
Nesta nova versão, porém, esse elemento foi adicionado em maior dosagem, e da segunda metade da história em diante, ele parece virar um jogo completamente diferente. Somado às mudanças no enredo, esse distanciamento entre os gêneros pode causar um certo estranhamento nos jogadores, e foi algo que me incomodou bastante durante a jogatina.
Contudo, para quem gosta de jogos de Resident Evil mais voltados para a ação e combate, tais como Resident Evil 4, 5 e 6, a reimaginação de RE3 pode ser uma boa pedida. Mecanicamente, ele continua prazeroso de jogar como o remake de RE2, mas com doses extras de ação frenética e uma repaginação completa de alguns eventos do original - o que pode (ou não) deixar fãs de longa data um tanto insatisfeitos, e ao mesmo tempo, deve apresentar um grande clássico modernizado para uma nova geração de jogadores.
- Lançamento
03.04.2020
- Publicadora
Capcom
- Desenvolvedora
Capcom