Ao início de sua apresentação especial sobre a arquitetura do PlayStation 5, Mark Cerny fez a seguinte declaração:
"Haverá muitas chances mais tarde durante o ano para ver os jogos de PlayStation 5."
E, ao menos ao meu ver, esta frase ajuda a resumir o conflito que parece surgir entre a Sony e um público frustrado.
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Presumivelmente, em alguns meses o PS5 estará disponível no mercado (embora, considerando certas calamidades mundiais, talvez nem isso seja uma garantia) e, a este ponto, não há muitas informações que parecem ter deixado seu público em potencial animado para o produto.
... Mesmo com este público querendo estar animado para o console.
Desde o momento em que foi revelado, toda a divulgação envolvendo o PlayStation 5 tem sido... estranha. A existência da plataforma foi revelada em abril de 2019, em uma matéria especial da revista Wired, dando destaque em especial para a retrocompatibilidade com jogos de PS4 e a velocidade de seu SSD, reduzindo o tempo de loading em Marvel's Spider-Man de 15 segundos para 0,8 segundo.
Depois disso... não muito mais. Em maio pudemos ver um vídeo do SSD do console em ação. Em outubro, pelo PlayStation Blog e a Wired, o console foi confirmado para o fim de 2020, e ganhou mais novidades sobre o controle háptico; Na CES 2020, fomos apresentados a um logo.
Depois disso, até a apresentação... nada muito maior. HáGodfall, mas ele é um jogo da Gearbox Software, não um título de um de seus estúdios first-party. O kit de desenvolvimento do console vazou por uma patente brasileira, e detalhes do suposto controle também podem ser inferidos de registros feitos pela empresa.
Mas de canais oficiais? Quase nada.
Então é possível entender porque tantas pessoas ficaram animadas com uma apresentação focada no PlayStation 5 - mesmo que o anúncio em si já nos desse uma indicação do que esperar.
E... bom, foi exatamente o que eles prometeram. Cerny explicou, com um jargão mais técnico, mais sobre os sistemas que compõem a plataforma, o que elas trazem de diferente em relação ao PS4, como isso beneficia desenvolvedores e o que podemos esperar de jogos futuros que usem destas tecnologias.
Foi, em resumo, uma apresentação da Game Developers Conference (cancelada devido ao COVID-19) que acabou ganhando um âmbito virtual - e não só em termos da "plateia" que parecia um derivado de Mystery Science Theater 3000.
E, tendo atendido e assistido diversos painéis da GDC 2019, posso dizer que estes tipos de apresentação podem ser extremamente interessantes.
Mas elas não costumam ser muito empolgantes.
E este parece ser o problema central da divulgação da Sony com o PS5: ainda não há nada de empolgante para o consumidor em potencial.
Desenvolvedores de jogos parecem estar particularmente animados em trabalhar com a plataforma, e a velocidade do SSD pode mudar fundamentalmente a forma de criar e desenvolver vários aspectos de jogos.
Mas a empresa ainda não conseguiu traduzir esta empolgação para o público geral. O que é curioso, considerando que 7 anos atrás a Sony fez algo do tipo com sucesso quando revelou o PlayStation 4.
A conferência traz alguns aspectos enfadonhos e que não envelheceram particularmente bem (só o vídeo de início me fez querer engolir minha própria língua), mas conseguiu equilibrar os aspectos técnicos da apresentação - também tocada por Mark Cerny, diga-se - com a aplicação destes conceitos em produtos novos.
Sim, muito do que foi mostrado, como Killzone: Shadow Fall, inFamous: Second Son e até o primeiro Watch Dogs estão longe do que podemos considerar clássicos do PS4, mas eles tinham como objetivo mostrar o potencial do hardware ao público - a prática para a teoria que Cerny havia descrito no início da apresentação.
No PS5, ouvimos bastante teoria, mas é a prática que acaba sendo um chamativo especial para o público.
O conceito de "hype" me traz desconfiança, particularmente por seu uso como uma arma por empresas, mas é fácil entender o seu valor: as pessoas querem ser tomadas pela endorfina, de ser brevemente exaltadas por algo incrível que lhes dê algum reforço positivo.
E, se não receberem, não há como não se ficar desapontado.
(O fato de certas pessoas só terem uma sensação do tipo por meio de anúncios de videogames é um problema a ser explorado em outro momento)
Do outro lado, a Microsoft parece ter encontrado um bom equilíbrio em relação ao Xbox Series X: O anúncio do Project Scarlett foi pontuado com um trailer mais profundo de Halo Infinite; a revelação do console em si foi feita em um grande palco, no The Game Awards 2019, e fechado com o trailer bombástico de Hellblade 2; as especificações do hardware também contaram com elementos práticos, incluindo a tela de loading e o elemento da suspensão de vários jogos diferentes em ação.
Independente de interesse pelo console, as pessoas ao menos tem uma ideia melhor do que é o Xbox Series X e o que ele oferece (ou ao menos tenta oferecer), e o mesmo não pode ser dito do PlayStation 5.
O fator COVID-19
Além dos problemas de comunicação, há também coisas fora do controle da Sony que não devem ajudar a empresa nos próximos meses.
A pandemia do coronavírus COVID-19 alterou radicalmente a vida das pessoas em todo o planeta, e é difícil saber até quando (e até que ponto) seus efeitos serão sentidos pelos próximos meses.
Em termos mais extremos, o surto mundial pode até acarretar em um atraso no lançamento do PS5, embora ainda esteja-se confiante de que o console ainda chegue no mercado até o fim de 2020.
De qualquer forma, um problema mais imediato está justamente na divulgação.
Com boa parte do mundo em quarentena, vai ser difícil criar um evento mais bombástico para revelar, enfim, o console. Até mesmo a Nintendo, que anunciou o Switch com um trailer, teve uma apresentação própria meses antes do lançamento para mostrar mais da plataforma e seus jogos.
Para ser justo, a Microsoft também vai ter uma problema similar com o cancelamento da E3, mas como dito antes, ao menos temos uma ideia mais concreta do que é o Xbox Series X.
Até que ponto isso vai importar?
Ainda assim, é difícil dizer até que ponto isso vai influenciar o interesse de compra dos consumidores. PlayStation ainda é uma marca extremamente poderosa, e mesmo algo como a simples revelação do logotipo do novo console teve uma repercussão intensa em redes sociais.
Mais do que isso, desenvolvedores que tiveram a chance de trabalhar com o PlayStation 5 ou que viram a apresentação parecem verdadeiramente animados com o potencial de criação de jogos no console.
Há também ainda muitas variáveis a serem definidas, incluindo preço, disponibilidade mundial e desempenho ativo destes dois consoles, que certamente serão diferenciais ativos entre os consumidores
A maior questão é se (e como) a Sony vai encontrar uma forma melhor de atrair o público interessado até lá.