Review: Assassin’s Creed Shadows empacota uma fórmula batida de forma criativa
Primeiro jogo da série no Japão feudal oferece experiência mais diluída e acerta na história
Desde os primeiros minutos de gameplay, fica muito claro que Assassin’s Creed Shadows carrega um peso enorme. A interferência corporativa é inequívoca e evidente quando você abre o jogo e, em vez de só ter uma opção de iniciar um jogo novo, você tem que passar por uma loja disfarçada de interface contendo uma linha do tempo da saga.
Depois dessa impressão inicial nada animadora, ficou difícil não ficar pensando em quais outros pontos do jogo tinham sofrido com algum tipo de decisão de pessoas mais preocupadas em fazer dinheiro do que em fazer um jogo. Essa sensação foi se espalhando à medida que o jogo apresentava sua belíssima retratação do Japão feudal, ou quando contava a história de seus dois protagonistas, a ninja Naoe e o samurai Yasuke.
Não faltam motivos para sustentar essa intuição. A Ubisoft conta muito com o sucesso comercial de AC Shadows, já que o estúdio vem sofrendo há anos com vendas ruins de lançamentos, cancelamentos de projetos, demissões em massa e mais problemas de gestão. O estúdio precisa que esse jogo dê certo logo de cara. Precisa tanto que adiou seu lançamento duas vezes.
Todo jogo é um pouco vítima das circunstâncias nos quais ele é lançado, mas é difícil não olhar para Assassin’s Creed Shadows sem pensar o quanto a pressão em cima do seu sucesso influenciou diversas das decisões de desenvolvimento. Mas, por trás de um clima sufocante, existe sim um trabalho criativo apaixonado que se manifesta de várias maneiras, especialmente em pequenos detalhes.
Assassin’s Creed Shadows entrega o que muita gente quis desde a era de ouro da série, no início dos anos 2010, com um jogo que se passa no Japão feudal. Pela primeira vez em quase dez anos, o jogo também volta a ser estrelado por dois protagonistas controláveis: a ninja Naoe e o samurai Yasuke, que por sua vez também traz mais um ineditismo, sendo o primeiro protagonista de Assassin’s Creed baseado em uma figura histórica real.
Só que a maneira como tudo isso é apresentada ao jogador é estranha. O jogo não esconde que tem dois protagonistas desde o primeiro minuto, mas Yasuke dá as caras na primeira cena e praticamente desaparece por dez horas de gameplay, abrindo espaço para que Naoe conduza a trama e as peças da narrativa sejam posicionadas.
Nessas primeiras dez horas, Assassin’s Creed Shadows também vai fazer de tudo para tentar te convencer que não é um Assassin’s Creed. É surpreendente como a Ubisoft tira o controle da mão do jogador para contar a história de vida de Naoe, e como o seu clã e sua família são despedaçadas pela disputa de poder entre lordes (e, claro, pelo conflito maior entre assassinos e templários que permeia a saga).

E por incrível que pareça, essa mudança funciona bem.
Os desenvolvedores escolheram uma das épocas da história do Japão mais exploradas da cultura pop: o final do período Sengoku, um período sangrento de guerras e traições entre lordes que foi fundamental para o estabelecimento do Japão como um país. É um período com figuras históricas muito conhecidas e bem documentadas, como os três unificadores da nação japonesa, Oda Nobunaga, Hideyoshi Toyotomi e Tokugawa Ieyasu, mas também é cheio de figuras cuja existência é cheia de mistérios e abre espaço para interpretações com contornos mitológicos, como o próprio Yasuke ou os líderes ninjas do clã Iga, Momochi Sandayu e Fujibayashi Nagato.
Esse período histórico e suas figuras são um prato cheio para uma história de Assassin’s Creed, que aproveita nomes e eventos reais para criar uma história pessoal cativante tanto para Naoe quanto para Yasuke.

A franquia sempre viveu seus pontos mais altos quando soube criar bons personagens, e mesmo reciclando alguns temas que estão presentes desde a era Ezio Auditore, como vingança, Shadows desperta interesse justamente porque a narrativa toma o tempo necessário para construir relações, mesmo com um começo meio truncado e de pouca autonomia.
É uma mudança significativa desde a era recente da franquia, ao se transformar em um RPG, que adotava uma filosofia bem comum entre jogos do gênero produzidos no Ocidente de deixar o jogador mais solto num mundo onde a exploração parecia ser mais importante do que a história principal, algo que é muito nítido em jogos como Assassin’s Creed Odyssey ou Valhalla.
Chega a ser engraçado observar toda a reação de uma minoria raivosa da comunidade por conta da escolha dos protagonistas do jogo, pedindo por “fidelidade histórica” em uma obra de ficção para mascarar a má vontade de jogar com um protagonista negro, já que a melhor parte de Assassin’s Creed Shadows está justamente no ponto em que essa parcela do público mais diz querer: uma atenção e respeito por detalhes que raramente eu vi em um Assassin’s Creed.

Isso vai desde coisas que costumam ser o ponto alto de todo Assassin’s Creed, como as recriações digitais de símbolos desse período como o castelo de Osaka ou templos históricos como o Honno-ji, passando pela belíssima construção da região central do país, na qual o jogo se situa, que abre espaços para a contemplação nos pequenos detalhes, como em um mini-game de ritmo que mistura meditação com mantras ou até mesmo quando o seu personagem fica automaticamente descalço quando você entra em um templo ou uma casa.
Esses convites para viver o mundo e a história são os elementos mais chamativos de Shadows, pois quando você começa a colocar os sistemas básicos de jogo e as mecânicas, esse jogo não vai muito além do que Assassin’s Creed já fez nos últimos anos, com um mapa gigantesco cuja exploração está atrelada ao nível do personagem, e os pontos de experiência são distribuídos em basicamente qualquer atividade de exploração. Aqui, vale a mesma máxima das primeiras horas, com o jogo oferecendo uma versão mais diluída e envergonhada da experiência da franquia em sua era como RPG.
Todos os elementos que consagraram Origins, Odyssey e Valhalla estão ali, mas de uma forma mais comedida, com menos pontos de atenção no mapa e, por consequência, menos distrações. O jogo também segura a onda em atividades paralelas, focando boa parte dos esforços nesse sentido em um mini-game de construção de bases que é bem interessante, pois dessa vez você consegue editar o posicionamento das construções e decorar o cenário todo.

Mas essa segurada de onda pouco disfarça o que é basicamente o problema de todo Assassin’s Creed, ou até mesmo de todo jogo de ação da Ubisoft nos últimos anos: uma incapacidade de sair do básico quando se trata de interagir com os cenários. Tudo é muito lindo de se ver, mas o design das fases é simples demais, ou exige tão pouco do jogador, que acaba criando aquela péssima sensação de que você está fazendo a mesma coisa o tempo inteiro, seja quando você vai invadir uma base ou decifrar os segredos de uma ruína.
Isso poderia ser até algo passível de relevar caso fosse a primeira empreitada de Assassin’s Creed como RPG, mas esse já é o quinto jogo desta era atual da franquia, e chega a ser triste como Shadows não apresenta e nem parece preocupado em querer evoluir para além do básico nesse sentido. O mundo é lindo e bem construído. As animações de combate e movimentação, também. Mas na hora de criar níveis, as interfaces de interação são rasas.
Não é exagero dizer que esse é um dos principais motivos pelos quais tanta gente reclama de que os jogos da Ubisoft são parecidos. O problema acaba não sendo exatamente o sistema de jogo, mas o limite pequeno que se dá para exercer a criatividade dentro desse sistema. Assassin’s Creed Shadows não se preocupa em mudar esse paradigma, então, infelizmente, esse acaba sendo mais um jogo da produtora em que você tem a sensação terrível de estar jogando a mesma coisa, pela enésima vez.

Talvez o melhor ponto dessa versão minimalista da experiência de Assassin’s Creed como RPG acaba sendo o combate. O jogo recupera as regras de luta do antecessor, Assassin’s Creed Mirage, com golpe fraco, golpe forte e uma mecânica de defletir ataques, mas com um ênfase ainda maior no parry, que ganha papel principal na dinâmica das lutas, nas quais você espera o inimigo abrir uma brecha pra poder desferir ataques. Tanto Naoe quanto Yasuke também têm movimentos especiais, mas eles passam longe de te transformar em um super-herói, como aconteceu nas épocas de Cassandra ou Eivor.
Um outro mérito importante que vale a pena citar é que Yasuke e Naoe realmente entregam uma experiência diferente de gameplay, com Yasuke tendo uma interação com o mundo mais focada na força bruta, encarando inimigos de peito aberto e entrando nos lugares pela porta da frente, enquanto Naoe é focada em golpes ágeis e em pegar o inimigo de surpresa.
O mais legal é ver que essas duas abordagens funcionam dentro de um mesmo sistema. Na última vez em que Assassin’s Creed testou dois protagonistas, lá no esquecido Syndicate, Evie e Jacob pareciam viver em jogos diferentes. Aqui, você pode por exemplo tentar encarar os inimigos de frente com Naoe ou tentar escalar um prédio e fazer um salto de fé com o Yasuke. Dá pra fazer, mas claramente cada atividade funciona melhor com o personagem apropriado.

Quando se fala de performance, ao menos na versão testada, de PlayStation 5, vemos como os adiamentos valeram a pena. No nosso teste, alternando entre os modos de priorização de gráficos e desempenho, tive uma experiência com a menor incidência de problemas técnicos em um jogo da franquia desde a sua virada para o RPG. As questões foram poucas e raras, com no máximo uma torre ou um castelo de vários andares aparecendo do nada no fundo do cenário.
Já a dublagem brasileira do jogo também é um ponto positivo, especialmente na escolha do elenco, repleto de veteranos nos papéis de destaque, ainda que a localização tenha algumas decisões que, dependendo do seu gosto, podem ser um pouco questionáveis, colocando termos em japonês no meio das falas em português.
Até o ponto do seu lançamento, Assassin’s Creed Shadows parecia estar envolto em controvérsia, especialmente por conta da situação que a Ubisoft vive como um todo, mas, como é corriqueiro na internet, as polêmicas são muito menores do que elas parecem ser e ficam ainda menores quando a gente se depara com a realidade.
Depois de todas as reclamações vazias e da pressão colocada pela empresa em cima desse lançamento, o que resta em Assassin’s Creed Shadows é um bom jogo. Nada mais, nada menos. Prevaleceu o que a franquia faz de melhor: um mundo muito bonito, uma história envolvente e um jogo que, mesmo com a falta de criatividade em algumas de suas partes, nos dá uma aventura muito interessante de viver.
- Lançamento
20.03.2025
- Publicadora
Ubisoft
- Desenvolvedora
Ubisoft Quebec
- Censura
18 anos
- Gênero
Ação, RPG
- Testado em
PlayStation 5
- Plataformas