Como resgatar um jogo clássico que passou anos na geladeira? Visions of Mana carrega consigo inúmeras respostas para esse dilema, como o mais novo jogo de uma série de RPGs que nasceu das costelas de Final Fantasy, viveu seu auge nos anos 1990 e, ao longo dos últimos 20 anos, se viu limitada a remakes, spin-offs para portáteis, compilações e títulos gacha para celular.

Quando falamos da série principal, o jogo mais recente havia saído em 2006 para o PlayStation 2. Ou seja, era o cenário perfeito para que Visions of Mana retomasse a franquia sem amarras com o passado. Com essa folha em branco, o título parece interessado em mirar em um público com o qual os JRPGs têm grande intersecção: o de jogos como Genshin Impact e Honkai: Star Rail.

Seja no design de personagens antropomórfico, que usa e abusa de visuais diferentes para cada membro da equipe, seja no sistema de evolução de personagens turbinado por itens que conferem bônus temporários de experiência e dinheiro dignos de qualquer jogo gratuito com microtransações (que, inclusive, marcam uma decisão de design curiosa para um jogo single-player vendido a preço cheio), é evidente que a Square Enix viu na concorrência exemplos para ajudar Visions of Mana a buscar uma nova identidade.

O que não deixa de ser curioso, tendo em vista que Visions of Mana também é um jogo que tem elos visíveis com a tradição da franquia.

A base de ação que consagrou o RPG desde seus primórdios está de volta, em um formato moderno, baseado em ataques que buscam o ponto fraco dos inimigos para melhorar a chance de acertos críticos. O combate é ágil e permite que você utilize atalhos para magias e habilidades especiais. 

Também é possível trocar os membros da party livremente durante a exploração e a batalha, e controlar suas ações por meio do Ring Menu, uma lista de comandos em formato de anel que pausa a ação para permitir que você dê ordens aos outros dois membros do time controlados pelo computador. 

À primeira vista, não é nada muito diferente de versões modernas de tantos outros JRPGs como Tales Of, Ys, ou edições mais recentes de Final Fantasy. Mas quem acompanha a série sabe que esses elementos estão lá desde o começo — o Ring Menu, por exemplo, é herança da época de ouro da franquia no Super Nintendo.

Em termos de gameplay, a maior novidade fica na possibilidade de os personagens terem classes diferentes ao equiparem Elemental Vessels (recipientes elementais), que são obtidas no decorrer da história e mudam o estilo de combate da equipe. Ao equipar estes itens, não apenas as armas dos personagens mudam, como eles também ganham acesso a uma série de novas magias e habilidades que podem ser desbloqueadas com pontos de experiência.

O maior diferencial de Visions of Mana, em termos de gameplay, se dá justamente na acessibilidade. Em um gênero complicado por natureza, Visions of Mana acerta ao apresentar toda a sua parte mecânica da forma mais simples possível, das mecânicas de combate ao sistema de progressão, de modo ao gameplay nunca ser um empecilho na sua experiência. Isso coloca o jogo entre os melhores do gênero lançados em 2024 nesse quesito.

Val e Hinna, os personagens principais de Visions of Mana, RPG da Square Enix para PlayStation, Xbox e PC
Divulgação/Square Enix

Nesse esforço de simplificar a experiência do jogador, o aspecto mais prejudicado fica justamente na exploração dos mapas. Visions of Mana conta com cenários semi-abertos entre cidades, em áreas vazias nas quais o progresso geralmente é controlado por desafios impossíveis — uma área com monstros de nível 50 no início da aventura mostra claramente que você não deve ir por ali.

Outro aspecto que trava a possibilidade de vasculhar os mapas é o fato de alguns caminhos estarem atrelados à mecânicas dos Elemental Vessels — o recipiente do vento cria tufões nos quais você pode pegar carona para subir em locais inacessíveis, o da água cria bolhas que podem ser usadas como plataformas, e por aí vai.

O resultado desse afunilamento faz a aventura ser praticamente linear, já que vários caminhos estão bloqueados e os cenários nos quais é possível caminhar, especialmente nas primeiras áreas do jogo, são vazios. Não ajuda também o fato de a maioria das missões secundárias de Visions of Mana se limitarem a interações simples, como derrotar grupos de inimigos ou procurar itens no cenário.

O maior chamariz do jogo, e para onde tudo converge, está na história principal, onde Visions of Mana não foge muito dos padrões vistos em JRPGs. O jogo acompanha Val, o guardião que tem como missão levar representantes abençoados pelos elementos para se sacrificarem na Árvore de Mana, para garantir que o mundo não caia em tragédia.

Batalhe em Visions of mana, RPG da Square Enix para PlayStation, Xbox e PC
Divulgação/Square Enix

Ao lado de sua amiga de infância, Hinna, Val parte em uma jornada que, claro, conta com uma boa dose de reviravoltas, à medida que as crenças dos heróis e do mundo ao seu redor são questionadas. Apesar de o destino do planeta estar em jogo desde os momentos iniciais, Visions of Mana também dá grande foco na construção das motivações de seus heróis, mas deixa isso ser soterrado por diálogos expositivos de maneira brusca, especialmente na segunda metade.

Mesmo com grandes acontecimentos, meus momentos favoritos do jogo se deram justamente em conversas triviais que acontecem ao longo da exploração, onde Val, Hinna e os demais representantes elementais que se juntam à aventura dão suas impressões sobre o que acontece na aventura, desde momentos importantes até a detalhes do cenário.

Visions of Mana é um retorno digno de uma série há muito deixada de lado pela Square Enix (e que pode ter vida curta, já que o Ouka Studio, responsável pelo desenvolvimento, já sofre com demissões logo após entregar o game). Inspirando-se no que tem dado certo no gênero há muitos anos, o jogo também resgata o passado da franquia e entrega uma aventura honesta.

 
Visions of Mana, RPG da Square Enix para PlayStation, Xbox e PC
Divulgação/Square Enix
 
Nota do crítico