Talvez Kunitsu-Gami: Path of the Goddess não seja exatamente o jogo que você está esperando, mas isso não significa, de forma alguma, que ele não seja ótimo. A Capcom apostou em um gênero que beira o esquisito, misturando elementos de estratégia e tower defense com uma ação single-player mais tradicional. A receita é temperada com visuais lindíssimos, e o resultado é delicioso.
Em Kunitsu-Gami, o jogador precisa guiar a deusa Yoshiro através de um caminho contaminado pelo mal, e simultaneamente protegê-la de ataques de demônios, chamados de Coléricos. A tarefa fica nas mãos de Soh, uma espécie de guardião espiritual que combate os inimigos com sua espada.
Mas Soh passa longe de ser o único guerreiro nessa jornada heroica, e aqui começam as particularidades do jogo. O game é separado em pouco mais de 15 fases, descontando os chefões, e cada uma delas segue o mesmo formato. Soh e Yoshiro chegam a uma vila contaminada, e iniciam os trabalhos para recuperá-la.
A ideia é simples: limpar o caminho para que Yoshiro possa avançar e alcançar um portão Torii, e assim passar para a próxima fase. A questão é que a caminhada da deusa é lenta, e você precisa acumular cristais para purificar a trilha. Durante o dia, Soh pode expurgar a maculação em alguns elementos do cenário para acumular os ditos cristais, mas eles raramente são suficientes logo de cara.
A gameplay acaba se tornando um ciclo: durante o dia, acumule o máximo de cristais possível e, ainda mais importante, libere cidadãos de “casulos” maléficos. Usando os cristais, é possível transformá-los em guerreiros de variadas classes, como arqueiro, lenhador e lanceiro. Também é possível empregar um carpinteiro para montar armadilhas e barreiras, preparando-se para a batalha noturna.
Quando o céu escurece, finalmente vem a ação. Os portões se abrem para os Coléricos, que tentarão atingir Yoshiro a qualquer custo. Controlando Soh, você posiciona os cidadãos para defender a deusa, como em um jogo de estratégia, e também participa ativamente das batalhas, como num game de ação. Ao nascer do Sol, os inimigos são queimados, e os cristais derrubados por eles podem ser usados para avançar ainda mais na trilha, ou melhorar os atributos dos cidadãos-guerreiros.
É meio esquisito, mas funciona. Cada cenário tem relevos e caminhos diferentes para os inimigos chegarem a Yoshiro, e raramente a força bruta funciona com efetividade. É necessário gerenciar seus recursos e posicionar suas tropas da melhor forma para mantê-la sã e salva.
As especificidades de cada fase vão obrigar o jogador a agir diferente em cada uma delas. Às vezes, é mais fácil enfrentar os inimigos de peito aberto e deixar apenas os mais fracos para seus lutadores; em outras, a massa de tropas é mais efetiva, e Soh tem de focar em perambular pelo cenário para curar, reposicionar e atribuir novas classes aos seus soldados — isso sem falar das fases em que Soh é obrigado a assistir de longe enquanto os cidadãos batalham sozinhos.
Tudo isso é potencializado por diferentes empunhaduras da espada do protagonista, que dão habilidades poderosas com longo cooldown; há também bônus passivos equipados por meio de talismãs, e uma progressão de habilidades que vale tanto para Soh quanto para cada classe. Todos possuem uma tela separada para melhorar seus talentos, mas não é exatamente uma árvore de habilidades — para as tropas, a progressão é sempre linear, e para Soh, é possível escolher qualquer upgrade em uma “roda”, basta ter recurso suficiente para comprá-lo.
Já é bastante coisa, mas ainda não acabou por aí. Após encerrar algumas fases, jogadores são confrontados com um chefão; Yoshiro fornece um número determinado de cristais para dar funções aos cidadãos que irão se juntar à luta, e ao entrar na arena, o jogador terá de quebrar a cabeça para entender as mecânicas de cada monstrengo. Algumas são simples e basta apelar pra força bruta, mas outras requerem bastante estratégia e podem até ser frustrantes.
Por fim, ao terminar cada fase o jogo insere mais um gênero: o de fazendinha. Cada cenário purificado precisa de reparações em construções estragadas pelos Coléricos, e o jogador gerencia os cidadãos para cumprir esses trabalhos. Não é nada muito complexo, mas fornece boas recompensas e é satisfatório ver as vilas se reerguendo.
Pode parecer muita coisa, e meio que é, mas tudo faz sentido. O game começa bem simples e vai introduzindo, aos poucos, novas mecânicas para que o jogador se acostume com tudo. Em minhas quase 20 horas de Kunitsu-Gami, não houve momentos em que me senti perdido ou sem saber o que fazer. No fim das contas, o ciclo básico de preparação de dia, batalha à noite rege todas suas ações, e o que acontece dentro de cada um vai ficando mais complexo num ritmo bem tranquilo de acompanhar.
Há também um fator bem presente de rejogabilidade: cada fase tem três missões secundárias, que dão mais equipamentos e recursos para Soh, e o próprio jogo já te empurra para o New Game+ assim que a campanha é finalizada. Para os complecionistas, só é possível platinar ou miletar Kunitsu-Gami jogando a história duas vezes.
Passar pelos mesmos cenários duas vezes pode até ser cansativo, mas uma das maiores ajudas nesse sentido é que o game é pensado para ser visualmente lindo. Tudo é artisticamente exagerado: as barras de vida são pergaminhos; os golpes especiais de Soh são danças; cada amuleto e empunhadura são muito bem desenhados; até o processo de passar de fase, purificando um portão, traz uma dança muito agradável de se assistir.
As vilas purificadas acompanham a lógica, com animais interagíveis — cachorros, gatos, porcos, cobras, faisões e mais — e a cabana de Yoshiro, que traz pergaminhos com belíssimas ilustrações e um cardápio bem variado de doces, tão lindos e apetitosos quanto as comidas dos Monster Hunter mais recentes.
Do outro lado da moeda, os inimigos são igualmente criativos e pavorosos. Algumas introduções de chefão são feitas para causar desconforto, e mesmo o design dos Coléricos mais básicos é impactante.
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Mas a beleza não compensou algumas fases que eram apenas frustrantes. Ter que enfrentar um chefão que literalmente foge de você enquanto invoca uma torrente de inimigos em direção a Yoshiro é bem desagradável, e gastar recursos para melhorar as habilidades de Soh logo antes de uma fase em que ele não consegue lutar também é frustrante — só há duas desse tipo no jogo, e ambas são bem mais longas do que deveriam.
Várias das fases são pensadas para serem quebra-cabeças táticos, e encontrar a solução para elas é bem satisfatório, mas há um ou outro caso em que a resposta parece ser apenas uma mistura de força bruta e muita paciência.
Felizmente, essas situações são minoria ao longo da campanha, que tem bem mais pontos positivos do que negativos. Possíveis atualizações futuras devem melhorar essas fases, que certamente funcionariam melhor com um ou outro ajuste de balanceamento.
O que não entra no campo das correções, mas pode mudar caso a franquia se torne um sucesso, é a profundidade da história e dos protagonistas. O game é extremamente focado no visual, e o enredo é contado por cutscenes sem falas. Durante toda a campanha, a voz de Yoshiro só é ouvida por meio do alto-falante do DualSense, quando ela pede socorro.
Claro, Soh e a deusa são entidades espirituais e faz sentido não terem grande personalidade, mas os cidadãos poderiam ser mais utilizados para imergir o jogador naquele universo. Há algumas migalhas disso, principalmente com o sempre presente carpinteiro, mas há espaço para mais.
A Capcom vive grande fase, e Kunitsu-Gami: Path of the Goddess é mais um jogo para a excelente sequência emendada pela empresa. Visualmente lindo e com uma gameplay bem fora do usual, o jogo é uma aposta que vem no momento certo para a empresa. O embalo dos sucessos abre espaço para games mais experimentais, e Kunitsu-Gami é a prova de que grandes empresas da indústria ainda conseguem pensar fora da caixa.
- Lançamento
18.07.2024
- Publicadora
Capcom
- Desenvolvedora
Capcom
- Censura
12 anos
- Gênero
Tower Defense, Ação, Estratégia
- Plataformas
PC Xbox One Xbox Series S Xbox Series X PlayStation 4 PlayStation 5