É difícil não falar dos jogos de David Cage sem pensar na expectativa de quem vai jogar. Com seu estúdio, a Quantic Dream, o diretor francês é conhecido por trabalhar em títulos que almejam borrar a linha entre os jogos e os filmes, e acabam assimilando o que há de pior em ambos os meios. Em uma carreira de extremos, Cage tenta, em Detroit: Become Human, chegar a um meio-termo.

Pela expectativa, é importante fazer aqui a velha distinção de “história” e “gameplay”, já que, mais uma vez, Cage mantém a interação do jogador, de uma forma puramente mecânica, em segundo plano. O quinto trabalho de Cage - e o terceiro sob exclusividade do PlayStation - é o de roteiro mais coeso. É a melhor história que o desenvolvedor e sua equipe já criaram, mas o currículo do estúdio nunca brilhou muito nesse quesito.

Detroit: Become Human busca respostas para a clássica pergunta de toda obra de ficção sobre inteligência artificial: e se os robôs criassem consciência própria? A questão é colocada em um cenário com largas doses de futurismo: em 2038, andróides viram mercadoria e, apesar do sucesso comercial, e, ao substituírem boa parte da força de trabalho humana, tornam-se odiados por muita gente.

Em meio a isso, o número de robôs que desobedecem as ordens de humanos só aumenta, e pessoas começam a morrer pelas mãos das máquinas. A trama é contada do ponto de vista de três autômatos: Connor (Bryan Dechart), um robô-detetive designado pela fabricante de andróides para acompanhar as investigações da polícia destes crimes; Kara (Valorie Curry), serva de um violento pai solteiro de uma criança assustada; e Markus (Jesse Williams), o assistente de um pintor recluso que é forçado a fugir e acaba se tornando líder de uma facção de inteligências artificiais rebeldes.

Detroit: Become Human
Sony/Divulgação

Se você procura uma história, Detroit: Become Human será o jogo mais agradável de todo o currículo da Quantic Dream porque, pela primeira vez, o estúdio conseguiu bolar um roteiro coerente do começo ao fim, sem muitas extravagâncias. Ao contrário do último trabalho do estúdio, Beyond: Two Souls, o jogo tem uma trama totalmente linear, alternando-se entre o ponto de vista de Kara, Connor e Markus.

Embora seja importante notar que Cage e cia. conseguem, neste jogo, acertar o básico de uma narrativa, não fica muito melhor a partir daí. O objetivo da história é retratar uma sociedade incapaz de se ajustar ao avanço tecnológico, colocando os andróides - e, por consequência, os protagonistas -, na posição de oprimidos pelo sistema. A tensão da situação é muito clara nos arcos narrativos dos três personagens, e vai moldando as escolhas apresentadas ao jogador.

Com a difícil missão de evocar emoções com personagens que estão literalmente descobrindo a própria consciência, Detroit tem uma terrível dificuldade em fazer você se importar com cada um de seus protagonistas. Os dramas e desafios vividos por Kara, Connor e Markus são convincentes, e o desenvolvimento é interessante, mas a maneira como ele acontece é incrivelmente artificial. Não vemos, por exemplo, nenhum dos três entregar uma cena com a intensidade emocional vista na demo técnica que deu origem a Detroit - protagonizada, inclusive, pela mesma atriz que faz Kara.

Para um jogo que se apoia inteiramente na força de sua trama e, em especial, para um estúdio que almeja como legado jogos que emocionam, a falha em Detroit de cativar com seus protagonistas é uma decepção. O cenário é interessante e o fato de ele conseguir deixar o jogador interessado na história do início ao fim é uma prova de sua força.

Detroit: Become Human
Sony/Divulgação

Não ajuda também o fato de, mais uma vez, Cage usar e abusar do maior número de clichês hollywoodianos possíveis. O começo da história não deixa muito claro como as histórias dos três se interligam. Você até imagina que Connor e Markus eventulmanete vão entrar em conflito, já que um investiga as ações do outro, mas o arco de Kara parece seguir de forma paralela até uma coincidência preguiçosíssima reunir o trio nos momentos finais do jogo.

Apesar dos tropeços, Detroit: Become Human convence como história. Como jogo, o caso é outro. Cage é uma figura controversa, cuja carreira é feita de "aventuras interativas" que se destacam de forma positiva pelas escolhas que vão mudando a direção da história e, ao mesmo tempo, decepcionam no resto, com uma batalhão de quick time events em cenas de ação.

Detroit não muda em praticamente nada o estilo de jogar apresentado nos outros trabalhos da Quantic Dream há mais de uma década. As poucas concessões que Cage faz ao jogador parecem mais fruto de pressões externas do que qualquer outra coisa. Um botão permite que você fuja dos quadros fechados e gire a câmera ao redor do cenário, mostrando elementos de interação. A investigação policial - uma marca registrada das obras do francês desde Omikron - se une a análise cibernética dos avançados processadores dos robôs, criando uma espécie de "modo detetive" semelhante ao de Batman: Arkham, com direito a reconstrução de cenas.

De adventures mais recentes como as obras da Telltale e Life is Strange, vem a possibilidade de comparar suas escolhas com as de seus amigos, em uma das novidades mais interessantes de Detroit. Ao final de cada capítulo, o jogo "abre o capô" da narrativa, mostrando um diagrama com o número de escolhas que poderia ser tomado. Você pode jogar os capítulos separadamente e abrir o resto das escolhas, para ver já dentro do jogo todos os rumores que a história pode seguir.

Detroit: Become Human
Sony/Divulgação

Em Detroit: Become Human, Cage e a Quantic Dream permanecem fiéis a sua visão de como os jogos podem ser, mas todo o pacote que vem com essa visão (em especial, a recusa em dar ao jogador um papel mais ativo), aplicado pela quinta vez, já parece mais ultrapassado do que inovador. O bizarro jeito de combinar botões para realizar movimentos fica ainda mais estranho nos gráficos da atual geração, já que a ação pausa de formas muito estranhas.

Mais uma vez, o diretor francês e sua equipe apostam todas as fichas na força da história e dos personagens, acertando e errando em igual medida. Detroit: Become Human é uma história que fala de evolução e mudanças, mas seus criadores parecem eternamente parados no mesmo lugar.

Detroit: Become Human está disponível para PlayStation 4. O jogo foi testado em um PlayStation 4 padrão e um PlayStation 4 Pro. Clique no nome da plataforma para conferir o preço do jogo em sua versão digital.

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Detroit: Become Human
  • Desenvolvedora

    Quantic Dream

  • Gênero

    Aventura

Nota do crítico