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Review: Days Gone
Pós-apocalipse moroso e bugado coloca exclusivo de PS4 abaixo de seus pares
Quando você pausa em Days Gone pelo botão Options no controle do PlayStation 4, o menu contabiliza, com letras garrafais, o número de dias que se passaram desde a tragédia que dizimou o mundo, este padrão de toda obra pós-apocalíptica. Como o jogo tem ciclos de dia e noite, o número vai aumentando à medida que você joga - e o tempo passa. 735 dias passados. 770 dias passados. 803 dias passados. 840 dias passados.
Certamente não era a intenção da desenvolvedora Bend Studio, mas esse contador ilustra muito bem uma terrível sensação deixada no decorrer do novo exclusivo de PS4: a de que o tempo de quem joga é desperdiçado em uma aventura de ritmo tedioso, arrastado e recheado de personagens genéricos.
"Genérico", talvez, seja o adjetivo mais utilizado para descrever o novo título da Sony. Primeiro de tudo, é uma história sobre zumbis, talvez um dos temas mais batidos dos games nos últimos anos. Segundo, é uma história calcada nos dramas pessoais do protagonista Deacon St. John. Não à toa, as comparações com outro exclusivo da casa, The Last of Us, surgiram pouco depois do anúncio do game, na E3 2016.
Como já escrevi em outro artigo, as autenticidades do mundo de Days Gone vão se revelando à medida que você joga, mas o título coloca tudo a perder com um roteiro completamente desprovido de ritmo.
Resumindo a história, Days Gone acompanha Deacon em meio a um mundo desolado por uma infecção viral que dizimou a humanidade, transformando boa parte das pessoas em mortos-vivos intitulados freakers (ou frenéticos, na versão em português do Brasil).
Com uma abertura in media res (que parte de um ponto no meio da narrativa, como o início de Uncharted 2), Days Gone quer logo colocar o jogador para explorar seu mapa gigante e denso. E, de fato, há muito a explorar.
Um mundo abarrotado
Muita coisa acontece no mundo de Days Gone. Enquanto Deacon tenta lidar com a perda de sua esposa, Sarah, a realidade ao seu redor se impõe: ele precisa cuidar do parceiro, Boozer, que tem o braço queimado pelos Rippers, um culto de adoradores dos frenéticos. Ao mesmo tempo, os dois vivem como mercenários a serviço de acampamentos locais, cada um com suas regras, aliados e desafetos; e por fim, ainda há a NERO, uma misteriosa agência do governo que estuda os infectados e paira o local com seus helicópteros.
Days Gone tenta compartimentar todas essas tramas em linhas de história, que são completadas à medida que você realiza missões. Dessa forma, o jogo tenta borrar a linha que separa as etapas obrigatórias para o desenrolar da narrativa de tarefas secundárias, e consegue de forma criativa: eu me vi diversas vezes realizando sidequests para melhor entender alguns momentos do jogo.
(É preciso ressaltar também que, malandramente, o Bend Studio condicionou a liberação de funções importantes, como a viagem rápida, à realização de missões secundárias como limpar ninhos de zumbis ao redor do mapa).
Trabalha a favor de Days Gone o fato de que sua jogabilidade é simples, mas competente. Não há nenhum comando no jogo que seja muito diferente do que já se viu em outros títulos de alto orçamento, especialmente no que diz respeito ao combate, cujo foco em cobertura e correria em detrimento da precisão dos tiros ecoa muito o de Uncharted (vale lembrar que o Bend Studio produziu um jogo da franquia: Golden Abyss, para o PlayStation Vita).
Lidando com o fim do mundo
Neste ponto, o Bend Studio parece querer se contentar em assimilar o que o público espera de um jogo AAA. Embora isso funcione bem de modo a familiarizar o jogador, fica sempre uma sensação pouco empolgante de que você já viu aquele combate antes, em algum lugar. Até mesmo a árvore de habilidades dividida em três ramificações padrão dos jogos de alto orçamento está lá.
Já a exploração, feita sempre com sua motocicleta, é um misto de jogo da Ubisoft com os vazios contemplativos de Red Dead Redemption - aliás, há pelo menos duas travessias de mapa ao som da trilha que parecem ter saído das páginas do game da Rockstar.
A moto também é o alicerce de uma das principais características de Days Gone: sua tentativa de ser um jogo de sobrevivência. O veículo precisa constantemente de reparos e combustível para continuar rodando, assim como itens pelo mapa rendem fabricações de armas brancas, explosivos, curativos, entre outros.
O aspecto de sobrevivência de Days Gone se esvai em poucas horas de jogo, assim que você aprende a mapear onde estão materiais de fabricação e galões de combustível.
Assim como a suposta escassez de itens, Days Gone também tenta te intimidar com um mundo que constantemente coloca ameaças diante do jogador. Seja na forma de infectados, de ladrões ou de animais, há sempre algo à espreita, querendo pegar Deacon.
O sistema de Days Gone é bem dinâmico nesse aspecto, no qual inimigos são atraídos pelo menor indício de batalha. Derrotar frenéticos geralmente atrai lobos, que comem sua carne. Um tiroteio contra bandidos certamente vai chamar a atenção de frenéticos, e animais virão para comer os corpos dos derrotados.
Até aí, nada muito difícil, enquanto a quantidade de inimigos com as quais Deacon precisa lidar é reduzida. O problema é quando eles se juntam.
As grandes aglomerações de infectados, reveladas logo no primeiro trailer de Days Gone, são seu ponto mais original e desafiador. Enfrentar uma horda é um teste de paciência e apreensão, já que, mesmo colocando armadilhas, você estará em desvantagem de uma forma ou de outra.
Dias passados
Apesar de todas as acusações de temática genérica e a suposta falta de identidade, Days Gone consegue ser um jogo divertido, mesmo sem ser memorável. Mas o título coloca até mesmo suas poucas conquistas a perder no desenrolar preguiçoso de sua história.
O roteiro de Days Gone tem o péssimo hábito de trocar o ponto da trama a ser explorado justamente em momentos crescentes na narrativa. Acabou de descobrir um segredo sobre os Rippers? Tome uma missão sobre a NERO. Está prestes a saber de uma revelação sobre o passado de Deacon? É hora de fazer alguns trabalhos triviais para acampamentos.
Essa tática, que serve bem no começo da história e é uma ferramenta eficiente de esticar as horas de jogo, torna-se péssima da metade para o final da campanha, quando seria necessário acelerar. Terminei o jogo entre 35 e 40 horas, e pelo menos umas 15 poderiam ser cortadas sem dó.
Em vários momentos a trama deu indícios de que estava caminhando para uma resolução, até cair em um ponto irrelevante - ou simplesmente abrir uma segunda metade do mapa inesperadamente. O cúmulo da quebra de ritmo da narrativa veio nos momentos finais do jogo, quando Deacon estava em plena escalada de conflito com os inimigos derradeiros e precisou fazer uma missão nada a ver para o líder do primeiro acampamento do game, um personagem que havia se tornado irrelevante há muitas horas.
Tudo isso até poderia ser relevado caso os personagens fossem minimamente interessantes, mas Days Gone falha em cativar. Deacon passa boa parte da história reagindo aos problemas diante de si, e haja filler até ele resolver agir de fato e colocar um ponto final dos conflitos da trama. O elenco ao redor de si também não ajuda: com exceção de alguns personagens próximos de Deacon, pouco é desenvolvido sobre eles (o que é um tanto paradoxal devido as horas intermináveis de jogo).
O ritmo moroso da história também afeta parte do gameplay. As hordas que citei acima são um exemplo: embora você até encontre aglomerações grandes por aí no mapa, o primeiro conflito verdadeiro contra uma horda vem quase no fim do jogo, para então liberar uma série de desafios opcionais.
Mundo pós-bugado
Outro grande problema de Days Gone é técnico. O título sofre com inúmeras quedas na taxa de quadros, em especial na transição de cenários do mapa. Isso é amenizado no PlayStation 4 Pro, mas o console padrão sofre muito - em alguns momentos o game ficou injogável por conta disso, com o frame rate indo quase a zero.
Mas os problemas não param por aí. Inimigos também pipocam aleatoriamente no mapa, ou desaparecem no cenário completamente; até mesmo as cutscenes sofrem com "teletransportes" dos personagens para as marcações de onde eles deveriam estar.
Tudo isso faz de Days Gone o jogo mais mal-acabado tecnicamente entre os exclusivos do PS4, algo surpreendente se levarmos em conta o alto padrão criado pelos estudios first-party da Sony na atual geração de consoles.
Os bugs devem ser corrigidos eventualmente, mas os problemas criativos permanecem. Days Gone vai entrar para a história do PS4 um degrau abaixo de seus companheiros exclusivos de plataforma.
- Lançamento
26.04.2019
- Publicadora
Sony Interactive Entertainment
- Desenvolvedora
Bend Studio