Eu sempre gostei da capacidade que os jogos de estratégia tem de ensinar sobre a nossa História, dando vida para todas aquelas aulas sobre geopolítica, o Mundo Antigo, Grandes Guerras ou a Era Napoleônica e transportando o jogador para as batalhas épicas e emocionantes de cada um desses momentos.
Seja com os clássicos Age of Empires da saudosa Ensemble ou os modernos jogos da série Total War, da Creative Assembly, os melhores RTS para mim tem essa fascinante capacidade de apresentar culturas e ensinar sobre o nosso mundo, colocando o jogador no comando de exércitos e nações - aquela interatividade que só os jogos são capazes de proporcionar.
E ao começar a jogar Total War: Three Kingdoms foi como girar o globo para o outro lado e descobrir toda uma História não-Eurocêntrica, com a mesma sensação de estar tocando algo inédito, com uma riqueza de detalhes e personalidades que vou levar muito tempo para absorver.
O que ele faz de melhor não é o gerenciamento do império em crescimento ou a recriação de batalhas com exércitos enormes. Tudo isso você encontra em outros Total War. Three Kingdoms acrescenta drama à fórmula, com personagens históricos e lendários, e em pouco tempo o jogador se encontra torcendo por (ou contra) eles.
Não que o jogo seja novo: Three Kingdoms saiu em 2019 e agora recebe seu mais novo pacote de episódios, uma expansão robusta intitulada Fates Divided, que avança a história dos três reinos em uma década, para 200 DC, um momento crucial para os senhores da guerra rivais Yuan Sho e Cao Cao, e cabe ao jogador decidir o destino do império.
Avançar com Cao Cao ou usar as forças de Yuan Sho para detê-lo? O jogo tem toda uma tensão crescente construída ao longo dos anos e que chega ao limite em Fates Divided, especialmente porque nesse ponto da saga, cada um dos senhores da guerra conta com um grande exército e controla vastas extensões de terra. Cao Cao é o mais poderoso, com mais de 30 regiões, mas todos os outros envolvidos são forças a se respeitar, com suas próprias alianças e interesses.
Assim, quando a guerra estoura, os conflitos acontecem em várias frentes e em larga escala, o que eleva bastante o desafio mesmo dos melhores jogadores-estrategistas.
Uma das coisas mais legais em Total War é que o jogo mistura elementos de estratégia em tempo real com estratégia em turnos. Explicando de uma forma simples, é como uma mistura de Age of Empires e Civilization, com um pouco de Crusader Kings: é preciso gerenciar suas cidades, administrar as relações com outros reinos, evoluir sua sociedade e também cuidar dos interesses dos seus nobres, funcionários do governo e parentes. E, claro, preparar seu exército para os grandes conflitos que virão.
É fácil se empolgar com a conquista de territórios vizinhos, mas não demora para o jogador se ver cercado por questões diplomáticas, traições e até mesmo espionagem. Nada é tão simples e é provável que você vá recomeçar sua campanha algumas vezes até pegar o jeito. O divertido é que é possível seguir os acontecimentos históricos ou mudá-los com suas decisões, experimentando para ver o que pode acontecer.
Saga multigeracional
A trama principal gira em torno desses dois generais, mas há outras coisas acontecendo. Personagens como Liu Bei e Ma Teng tem seus próprios objetivos grandiosos em outros cantos da China e você pode ajudá-los nessas missões.
Os jogadores também vão gostar de experimentar com as mecânicas transgeracionais de Liu Yan e seu filho, Liu Zhang. Yan é um estrategista que quer criar um legado para as futuras gerações de sua família, passando o manto da liderança adiante. Com a trama de Liu Yan e Liu Zhang posicionada na fronteira oeste da China, longe do conflito de Fates Divided, mergulhar nela é como jogar um jogo diferente, afastando as complexas redes de intriga e poder da campanha principal, para uma história a parte e focada em uma única facção, com objetivos de longo prazo bastante diferentes.
Com tanta coisa acontecendo, personagens cheios de dramas pessoais e mecânicas diplomáticas complexas, Total War: Three Kingdoms - Fates Divided são cheios de textos. E por isso, é bom saber que o jogo é muito bem localizado em português, tanto na interface quanto nas legendas.
Fantasia ou "realidade"?
Embora seja bem conhecida no nicho dos jogadores de RTS, Total War é uma franquia de estratégia que ganhou bastante notoriedade nos últimos anos ao abraçar um filão diferente, a fantasia medieval, e mais especificamente, outro grande e querido nicho desse cantinho da cultura nerd: Warhammer. Com dois jogos e múltiplas expansões lançadas, Total War: Warhammer serviu de porta de entrada e talvez único contato para muita gente, ainda mais depois do ator Henry Cavill, o PC gamer mais famoso do mundo, revelar que é fã do jogo - e claro, os produtores do jogo são fãs dele, então está todo mundo em casa.
Se esse é o seu caso, tudo bem. Eu também adoro Warhammer e quanto mais gente conhecer e gostar, melhor. Mas talvez você nunca tenha experimentado um Total War histórico e esteja se perguntando se não é chato, afinal, não tem dragões ou feiticeiros. É um questionamento válido. E a resposta que eu posso dar é: Three Kingdoms, com o pacote de capítulos Fates Divided, é o melhor momento para experimentar.
A forma como Three Kingdons dá personalidade e motivação aos seus protagonistas e como Fates Divided sobe o tom do conflito fazem do jogo uma trama tão envolvente quanto as melhores temporadas de Game of Thrones, com duas diferenças: está mais para um romance histórico do que para fantasia e se todo mundo morrer no final, a culpa é do jogador e não de quem escreveu.