A acessibilidade deve ser considerada nos jogos digitais e no meio geek. É importante criar oportunidades para que pessoas com deficiência tenham acesso aos jogos como qualquer outra, e possam ter a experiência que o jogo quer oferecer.
Muito importante para desenvolver jogos com mais acessibilidade é fazer uma boa pesquisa e entrevistar e ouvir os usuários que vão se beneficiar disso. Jogos são tão importantes para pessoas com deficiência quanto para pessoas sem - talvez até mais, porque pessoas com deficiência têm uma tendência maior ao isolamento social e games podem ajudar.
E quais são as principais dificuldades com os games que podem ser melhoradas com um desenvolvimento mais acessível e inclusivo?
- Visuais
- Auditivas
- Motoras
- Intelectuais
São dificuldades específicas, mas que devem ser levadas em consideração como um todo para que qualquer pessoa com deficiência possa aproveitar o game.
Aprender com os jogadores é a chave. É o exemplo de Carlos Vazquez, jogador de jogos de luta que é cego e chegou à final da EVO - maior campeonato de jogos de luta - em 2013 e serviu como inspiração para que os desenvolvedores da NetherRealm Studios melhorassem a acessibilidade de Injustice para jogadores cegos depois de uma entrevista com ele.
Pessoas com deficiência visual não podem jogar algo que envolva exclusivamente a visão, por isso, às vezes a solução é criar opções com feedbacks sonoros, para que as pessoas com deficiência visual - seja ela qual for o grau - possam aproveitar da experiência.
Existe também a questão do daltonismo, que pode interferir seriamente em alguns casos. Por isso, hoje é até comum que os jogos tenham “modo daltônico/modo de daltonismo” para que as pessoas possam alterar a visualização da cor no jogo.
Para as deficiências visuais, é necessário levar em consideração a formatação e cores do texto, bem como a qualidade dos sons e possibilidade de descrição por áudio. É importante proporcionar um bom contraste entre os textos e o background.
Além disso, práticas como proporcionar controle de volumes separados por música, ambiente, textos, sons, etc. podem ajudar bastante. Além de permitir e utilizar gravação binaural.
Gravação binaural é uma técnica de gravação e reprodução sonora que, com dois microfones, é possível criar um efeito de som ambiente. Eles não são perceptíveis quando reproduzidos em alto falantes, por isso é necessário o uso de fones de ouvido. Para resumir, ouvir um áudio binaural simula a audição real pela qual as pessoas ouvem sons ao vivo.
Também é preciso ter cuidado para não fazer games com opções de acessibilidade mas, ainda assim, inacessíveis. Como Cyberpunk 2077, por exemplo, e a forma com que ele lidou com fenômenos visuais em seu lançamento. O game tem opções de daltonismo, mas foi lançado inicialmente e enviado para review sem um aviso dos perigos das animações de luz intermitentes que podem desencadear epilepsias entre outras coisas.
Já pessoas com deficiência auditiva encontram dificuldades nos jogos quando não possuem legendas ou tradução de sons e narrativas por meio de textos.
Esse é um dos motivos pelos quais as pessoas com esse tipo de deficiência dificilmente conseguem jogar alguns jogos, pois muitas coisas acontecem durante a gameplay por meio de efeitos sonoros que dão dicas e interagem com o jogador.
E em situações de jogos como FPS online, que geralmente possuem chat de voz, as pessoas com deficiência auditiva ficam excluídas por não conseguirem fazer uso desse recurso.
A ideia para esses casos é garantir que tudo seja acessível por meio de textos ou de alguma outra ferramenta que não o áudio. Legendas para os diálogos e narrativas são sempre bem-vindos.
Legendar os áudios dos jogos é essencial para esses casos. Além de, é claro, permitir o ajuste dessas legendas (letras maiores, diferentes tipos de bordas entre outros). De acordo com o gerente de acessibilidade da Ubisoft, 95% dos jogadores de Far Cry: New Dawn, que começaram com as legendas ativadas por padrão, mantiveram-as na tela o tempo todo.
Chat de texto como opção ao chat de voz também pode ser uma solução, além de incluir sinais e símbolos e opções de comunicação visual em modos multiplayer (os conhecidos ‘pings’ como Pokémon UNITE e League of Legends possuem).
A Ubisoft, por exemplo, fez uma parceria com a Descriptive Video Works para criar áudios descritos em jogos como Assassin’s Creed Valhalla e também estão trabalhando juntos para Far Cry 6.
Quando falamos em deficiência motora, elas estão normalmente associadas aos consoles em si - controles e outros aspectos - e computadores no geral.
Hoje em dia já existem inúmeros tipos de controles feitos para pessoas com deficiência motora que são bastante utilizados pela comunidade, mas acontece que eles também podem cair em uma vertente de acessibilidade novamente por causa do valor e do quão acessível é para uma pessoa tê-lo em termos de valores.
Como o Adaptive Controller da Microsoft, que funciona no PC e em consoles Xbox.
E, para deficiências intelectuais que envolvem Síndrome de Down, dislexia, TDAH, as dificuldades encontradas são relacionadas normalmente à complexidade do jogo.
Voltamos - sim - ao polêmico assunto de “diminuir a dificuldade” de Dark Souls, por exemplo. Por que a ideia para a acessibilidade para quem tem deficiência intelectual é, sim, diminuir a complexidade do game.
Para isso, pode ser necessário o uso de tutoriais, guias e lembretes do que o jogador precisa fazer e para onde precisa ir em alguns jogos.
Além disso, também é possível permitir que o jogador tenha controle sobre a velocidade dos textos, por exemplo, para ajudar.
Entendo que alguns jogos são feitos para serem realmente difíceis, mas dar a opção de mudar a dificuldade para que alguém que não consegue - ou mesmo não gosta - possa ter acesso ao jogo e viver a experiência por si só não vai mudar em nada a jogabilidade dele pra você, que vai continuar jogando como você quer - e com a dificuldade que quer.
Não é sobre fazer um jogo ‘mais fácil’ ou tirar a essência dele: é sobre incluir pessoas que gostariam de ter a experiência dele mas não podem por qualquer motivo. Entender que os jogos precisam ser acessíveis para todos é o primeiro passo. Mesmo que a proposta do jogo seja ‘ser difícil’, todas as pessoas (com deficiência ou não) deveriam poder ter acesso à ele para ter a experiência por si só.
A acessibilidade significa destruir e evitar barreiras desnecessárias que impedem que pessoas com deficiência acessem e aproveitem algum título. Dificuldade também é uma barreira para muitas pessoas - especialmente com deficiência intelectual. Então, novamente: não é sobre tornar o jogo ‘mais fácil’ mas sim sobre acessibilidade e sobre deixar com que todos aproveitem-o, independente das habilidades.
Um bom exemplo de jogo que fez a acessibilidade certa foi Mass Effect 3, da BioWare, que tem um modo que permite que o jogador se torne quase invencível e permite que ele curta a história. Isso levou Mass Effect 3 para muitos jogadores além dos usuais. Ele ofereceu uma experiência a todos os membros da sua comunidade.
Outro excelente exemplo também é o game Celeste, que também possui opção de dificuldade do jogo e permite que o jogador possa curtir a história sem se preocupar com as fases e derrotas.
A Naughty Dog também chegou a publicar estatísticas mostrando que 9,5 milhões de jogadores usaram as opções de acessibilidade em Uncharted 4 - um número gigantesco.
E a Electronic Arts abriu recentemente as patentes de suas tecnologias de acessibilidade para pessoas ou empresas que desejarem usá-las. Eles tem algumas opções incríveis como o sistema de ping do Apex Legends e tecnologias que utilizam em Madden e FIFA para torná-los mais acessíveis para pessoas com daltonismo e baixa visão.
ACESSIBILIDADE IMPORTA
Existe um site chamado Game Accessibility Guidelines que traz um manual de boas práticas para desenvolvedores de games que querem tornar seus jogos mais acessíveis e inclusivos.
Além disso, existem sites que fazem reviews e artigos específicos de games para pessoas com deficiência, como por exemplo o “Can I Play That?”, site que traz muitos reviews para saber se o jogo é acessível ou não para quem deseja jogá-lo.
Eles fazem seleção de jogos para pessoas com deficiência também, como neste artigo em que eles separaram 5 jogos de terceira pessoa para surdos (e pessoas com audição limitada), e entre os jogos, estão Gears 5 e Ratchet & Clank: Rift Apart.
Sugiro também ler este artigo sobre ser uma pessoa com autismo e TDAH e a relação com o video game. Ou este sobre hiperfixação e videogames.
E eles tem até mesmo uma seção de “Guia de Referências de Acessibilidade”, onde os desenvolvedores - ou mesmo quem estiver interessado - podem ler sobre como tornar os jogos mais acessíveis para pessoas com diversos tipos de deficiências.
Este site chamado DAGERSystem também faz reviews de acessibilidade de jogos. E existem alguns outros por aí.
A AbleGamers, uma organização sem fins lucrativos dedicada a melhorar a acessibilidade nos videogames, também tem um guia muito bacana e interessante sobre o assunto chamado “Includification - A Practical Guide to Game Acessibility”.
Além disso, eles também criaram um programa de certificação de desenvolvimento de jogos voltado para acessibilidade, conhecido como Accessible Player Experience (APX), que, inclusive, treinou desenvolvedores de estúdios grandes como Ubisoft e outras empresas AAA.
Já no site “Taming Gaming”, é possível fazer uma pesquisa avançada sobre jogos que são acessíveis, com base em diferentes tipos de configurações, como legendas, menus de navegação, visibilidade e muito mais.
Existem muitos guias e recursos que ajudam os desenvolvedores a tornar os jogos mais acessíveis, mas precisamos continuar insistindo para que eles o façam.
Além de também existirem muitos artigos que falam sobre a acessibilidade no meio de videogames. Não é falta de material de estudo.
Jogos são entretenimento. Socialização. Cultura. E para muitas pessoas com deficiência, também significam terapia, um escapismo, um alívio da dor. Incluir é necessário sim.
PS.: Peço desculpas antecipadamente caso tenha utilizado algum termo errado ou cometido qualquer equívoco nesta matéria. Qualquer coisa, podem sinalizar no meu Twitter.