Eu não sei se existe algo semelhante a Kentucky Route Zero.
Não só como um jogo de videogame. Como qualquer tipo de arte ou entretenimento no mundo.
Em sua forma mais básica, ele é um adventure point-and-click, que também traz elementos de games primordiais como Zork. Mas ao seguir sua jornada e atravessar as várias estradas e caminhos - seja no mundo “real” ou no estranho mundo dentro da rodovia Zero -, os desenvolvedores da Cardboard Computer tentam formas cada vez mais diferentes e experimentais, que vão desde uma peça de teatro até uma linha de telefone dentro do próprio mundo.
É possível identificar uma densidade enorme, e influências e referências de Samuel Beckett e Arthur Miller até a Sierra Games. Ao mesmo tempo, esta bagagem cultural não é estritamente necessária para entender e se identificar com a história do motorista Conway e o grupo que forma pelo caminho, pessoas perdidas e engolidas por endividamento, demônios pessoais, e buscas por novos sentidos após o colapso do Sonho Americano.
Há um lirismo e poesia intensos, ao mesmo tempo em que conta com um realismo cruel e melancólico, que me fazem lembrar dos livros de John Steinbeck situados na Grande Depressão.
De muitas formas ele é mais (e menos) do que um videogame tradicional, e eu deixei de parar de pensar nele enquanto nosso mundo entrava cada vez mais em colapso.
Kentucky Route Zero está sendo lançado desde 2013 de forma episódica, e mesmo incompleto já inspirou alguns jogos que aprecio como Night in the Woods e (o MVP) Disco Elysium.
Agora que chegou ao fim em 2020, espero que mais desenvolvedores o utilizem como base para outras diversas criações.