Assim como em nossa sociedade, a morte ocupa um espaço peculiar nos games. De instrumento narrativo a elemento de gameplay, ela é um tema constante em inúmeros jogos. Mas ela é também um tabu – algo raramente discutido a fundo por ser considerada um tema que causa desconforto.

Desenvolvido pela produtora canadense Thunder Lotus Games, Spiritfarer vai contra essa lógica: seu tema central é a morte, e sua proposta é uma discussão positiva sobre questões como o luto e a ideia de se estar pronto para aceitá-la como parte integral da vida de todos.

"Nós queríamos a experiência de olhar para a morte de um ângulo diferente. De falar sobre ela sem ser dramático demais. Mesmo sendo um tema bem dramático e muito triste”, contou Nicolas Guérin, diretor criativo da Thunder Lotus Games, em entrevista ao The Enemy – que foi convidado a testar cerca de meia hora de um build beta do jogo.

Levando a consideração a temática por trás de Spiritfarer, dois elementos do game impactam o jogador logo de cara. O primeiro, claro, é seu visual: animações coloridas e feitas à mão que poderiam ter saído diretamente de um filme da Disney – e sobre as quais falaremos mais para frente.

Mas também chama a atenção a escolha de gênero feita pela Thunder Lotus para construir o jogo: Spiritfarer é, em sua essência, um jogo de gerenciamento de recursos – um game que se assemelha a experiências como Stardew Valley, e que dificilmente seria associado à discussão de um tema como a morte.

Spiritfarer acompanha a protagonista Stella (e o gato Daffodil, que pode ser controlado por um segundo jogador), uma “barqueira” responsável por navegar por mares místicos e levar os espíritos dos mortos para o outro lado – uma ambientação influenciada diretamente pela mitologia grega e pelo conto de Charon, o barqueiro responsável por atravessar almas para o mundo dos mortos pelos rios Styx e Acheron.

Dentro da barca de Stella, no entanto, os espíritos assumem formas de diferentes animais e criaturas que refletem características que tinham em vida, compartilhando suas histórias com a barqueira durante a jornada e fazendo diferentes pedidos enquanto se prepararem para a travessia.

Divulgação/Thunder Lotus Games

Para atender aos pedidos, a barqueira deve realizar tarefas como plantar e colher alimentos, pescar, minerar e forjar metais, cozinhar e até coletar itens especiais espalhados pelo mundo. Tudo isso enquanto customiza o barco de forma livre, adicionando novas estruturas e novos compartimentos para abrigar mais viajantes.

"Sabíamos que queríamos fazer um jogo sobre cuidar dos outros, sobre você garantir que essas pessoas estão confortáveis ​​nos seus últimos momentos", explicou Guérin. "Todas as mecânicas estão baseadas no cuidado com o outro".

Os pedidos são dos mais diversos possíveis – de fazer batatas fritas para um espírito que se recusa a comer outras coisas a colher flores para um espírito cafajeste que quer entregá-las para uma amante – e representam os passos da jornada de cada espírito conforme ele se acostuma com a ideia de atravessar para o outro lado. Ao final de cada uma dessas jornadas, o jogador deve levar o espírito para o chamado "Evergate", onde o personagem poderá fazer sua travessia e deixar a tripulação do barco permanentemente. Essa travessia também garante itens ao jogador para continuar avançar na narrativa.

Divulgação/Thunder Lotus Games

Tudo isso se traduz em um mundo rico em histórias e povoado por personagens carismáticos – vários dos quais são inspirados em pessoas conhecidas e familiares dos desenvolvedores. Ao longo da jornada e através dos pedidos destes epíritos, o game traz ao jogador o entendimento da morte como algo natural: enquanto se aproximando dos personagens e aprende mais sobre quem eles eram em vida, como morreram, e – mais importante – como eles lidam com todo o processo, a ideia é que isso proponha uma discussão saudável sobre a morte.

É sobre tentar aceitar o como isso é dramático, mas também é normal”, afirma Guérin. “Tentar encontrar consolo no fato de que essas pessoas ainda vivem em nós de alguma forma, porque elas ainda nos influenciaram de alguma forma. É isso que os espíritos nos ensinam, eles nos ajudam a crescer, sem eles não podemos fazer nada”.

Toda a experiência é embrulhada em algumas das animações mais impressionantes que já vimos em mundo tempo em um jogo: Spiritfarer é ambientado em um mundo cartunesco e com animações belíssimas, repletas de brilho e cores vibrantes que são o oposto de todo os estereótipos soturnos e melancólicos que são associados tradicionalmente à morte.

Divulgação/Thunder Lotus Games

O design cartunesco, é claro, é completamente intencional e parte da proposta do estúdio de trazer discussões positivas sobre a morte e de apresentar o jogo como algo “confortável” – segundo Guérin, a essencial de Spiritfarer é “um jogo de gerenciamento acolhedor sobre morrer”.

[O visual cartunesco] foi também uma forma de fazê-lo mais sério, o que parece esquisito. Mas é porque isso nos permitiu nos afastar do que o que vemos normalmente na mídia e em videogames, com [a morte como] algo sombrio, depressivo e triste”, disse.

As influências para o estilo são diversas, mas incluem obras do animador japonês Hayao Miyazaki, do lendário estúdio Ghibli, e de estilos artísticos como trabalhos de impressão em madeira em 2D. “Miyazaki e filmes da Ghibli nos ajudaram a ver que há sempre uma melancolia que é tocante, uma poesia que nos ajuda a entender as coisas melhor”, contou o diretor criativo.

Spiritfarer será lançado para PlayStation 4, Xbox One, Switch, PC (via Steam, Epic Games Store e GOG) e Stadia, mas ainda não tem uma data confirmada de chegada.