Após mais de 30 anos como uma das séries mais tradicionais dos jogos de estratégia, Sid Meier's Civilization deve fazer uma das maiores reformulações de sua história para o próximo capítulo da série.
Usando como base os estudos de ascensão e queda de impérios, e as crises que tendem a marcar o fim de períodos históricos – e, por consequência, o início de outros –, Civilization VII promete trazer uma reinvenção do formato que a série de estratégia tem utilizado desde seu game original, no início dos anos 1990.
Ao invés de escolher um povo e atravessar desde o período "pré-histórico" até um contemporâneo/vagamente futurista, neste novo capítulo você deve traçar uma espécie de "narrativa histórica", usando as fundações de civilizações das eras anteriores para construir seu império no período atual – modelo com um pézinho no que Humankind chegou a fazer, mas desta vez com a identidade e peculiaridades de Civilization.
À convite da 2K Games, The Enemy teve a oportunidade de ir à sede da Firaxis, em Baltimore, não só para entender mais sobre essa nova proposta, como para experimentar ela na prática, jogando as três primeiras horas de uma partida.
Construindo sobre camadas
Na apresentação do jogo, o diretor criativo Ed Beach utilizou o termo "camadas", no sentido arqueológico e historiográfico, para definir o conceito fundamental de Sid Meier's Civilization VII.
Para exemplificar isso, Beach mostrou as transformações de uma região específica de Londres durante os milênios, começando pelo tempo em que ela era uma região remota do Império Romano, passando pelo período elizabetano, e posteriormente vitoriano.
Durante o passar dessas centenas de anos, a topografia da área era alterada radicalmente: muralhas eram derrubadas, rios encobertos por ruas e travessias, e prédios erguidos e demolidos.
Alguns poucos elementos se mantiveram, mas apesar de ocupar o mesmo espaço, a Londres de hoje e o território romano são lugares profundamente diferentes. E é justamente esse ambiente transitório que Civilization VII quer representar com sua sucessão de ciclos de ascensão e quedas de impérios.
De acordo com Beach, isso veio tanto como parte dos experimentos da própria Firaxis durante Civilization VI, como por vontade dos próprios jogadores.
"Algo que ouvimos da comunidade de Civ VI é que ela queria criar sua própria civilização", explicou Beach em entrevista com The Enemy. "No sentido de: 'eu gosto do bônus deste líder, mas curto esta unidade especial e o bônus desta civilização, e quero combinar todas elas'."
"Civ VI não era balanceado para funcionar desse jeito", continuou. "Assim que começamos com Civ VII isso era meio que o objetivo, fazer isso funcionar."
Para isso, uma cisão foi feita em um dos elementos antes fundamentais da franquia: em Civilization VII, o líder que você escolher será completamente independente das civilizações que poderão ser selecionadas durante a campanha.
Eterno líder
Durante meu teste, que ficou limitado à era da Antiguidade, havia a opção de escolher entre quatro líderes diferentes: Amina, Ashoka, Augusto e Hatshepsut.
Depois disso, surgiu a opção de selecionar qualquer uma das civilizações de Roma, Egito, Axum e Máuria.
Para quem quiser manter um pouco de verossimilhança histórica, é possível ver um pequeno ícone na civilização que o líder de fato habitou/dominou – como é o caso de Augusto em Roma e Egito, ou Hatshepsut no Egito ou Axum.
Mas isso é, no máximo, uma guia ou uma sugestão, e você está livre para escolher entre qualquer civilização para selecionar qualquer combinação de líder e povo, por mais aleatória que seja.
É uma quebra de padrão que a Firaxis sabe que pode causar estranheza, já que até o próprio Ed Beach teve dificuldade em se adaptar ao conceito inicialmente.
"Acho que vão rolar [dores de crescimento] porque até pessoas da própria equipe de desenvolvimento sofreram com isso, e até eu mesmo sofri até determinado ponto", explicou ao The Enemy. "Acho que o jeito certo de pensar a respeito é que Civ sempre teve coisas que nunca fizeram sentido nele. Eu jogo como os EUA em Civilization VI. O que eu estou fazendo na Antiga Mesopotâmia junto com o Egito e a Assíria, e do nada tem a América por lá? Isso não faz sentido."
"Agora, como eu estava mostrando nas trajetórias [de civilizações] pelo jogo, eu começaria a América como Roma – e de Roma traçar o caminho da civilização ocidental para a América, talvez escolhendo os normandos [entre os dois] e indo para a América depois disso."
Assim, de acordo com Beach, fazer de Benjamin Franklin o líder de Roma pode não fazer sentido inicialmente, mas ao fazer o caminho até chegar à modernidade e desbloquear os EUA, "talvez faça mais sentido do que antes".
... Ainda é Civilization
Apesar de todo o preâmbulo desse texto falando sobre toda a reinvenção dos sistemas fundamentais da série, acho importante ressaltar aqui, tendo testado o jogo por mais de três horas: em sua essência, Civilization VII ainda joga como um Civilization.
De acordo com Beach, o próprio Sid Meier diz que uma sequência de um jogo da Firaxis deve manter 33% dos mesmos sistemas, refinar 33% dos sistemas antigos, e trazer 33% de mecânicas novas, e essa filosofia parece estar em prática por aqui.
A primeira coisa notável é que o jogo conta com uma estética artística mais realista, mais em linha com Civ V do que Civ VI, por exemplo.
Os objetivos do início de uma partida de Civilization se mantém os mesmos: explorar os arredores em busca de recursos (e descobrir onde estão as outras civilizações e povos secundários); expandir seu território e começar a desenvolver suas especializações que podem definir o caminho para a vitória da campanha – seja via ciência, cultura, econômica ou militar.
Vale notar que, como a estrutura da partida mudou, e não é possível manter a mesma civilização durante o jogo inteiro, ao fim de cada era você mantém "pontos de legado" caso cumpra certos feitos e objetivos dessas quatro vertentes, que são transferidas para o povo que escolher na próxima fase – mas, como fiquei só na Antiguidade, não vi isso na prática.
Como é de praxe, cada Civ tem suas peculiaridades em sua jogabilidade turno a turno. Civilization VII, por exemplo, abandona completamente o conceito de trabalhadores e construtores dos jogos anteriores, dependendo apenas dos recursos selecionados para especializar entre área rural e urbana.
Além disso, ao estabelecer novos povoados, há uma diferenciação entre "cities" e "towns", com as primeiras sendo pólos maiores, enquanto as segundas são regiões que podem ser especializadas em determinados recursos.
(Deus sabe como isso vai ser traduzido em português do Brasil)
Cidades-estados e povos secundários também estão de volta, e trazem oportunidades interessantes se você é um jogador que curte caminhos mais voltados para a diplomacia, comércio e cultura.
Não fugindo do básico, no teste fui de Hatshepsut e Egito, que me deu mais bônus culturais (além de produção de recursos próximos ao deserto), e procurei usar deles não só para a construção de Maravilhas como também para a diplomacia, que parece ter sido mais aprofundada, chegando até a assimilar uma das cidades-estados ao meu império ao angariar pontos diplomáticos suficientes.
Por outro lado, para os jogadores mais bélicos, a diplomacia também pode ser uma ferramenta poderosa, já que é possível colocar civilizações inimigas em armadilhas potenciais, ou mesmo canalizar seu Joe Biden interno com sanções antes de partir para a guerra.
Aliás, falando em guerra, uma das unidades mais importantes desse jogo aparenta ser o comandante, já que com ele é possível fazer uma série de manobras militares especiais, seja para proteger seu território, ou derrotar seu inimigo.
Via o comandante, é possível "guardar" várias unidades de combate até soltá-las de uma única vez no campo de batalha, além de ser capaz de chamar reforços de pontos distantes do mapa.
Não só isso, a cada outra unidade derrotada, o comandante ganha experiência, e ao subir de nível o jogador pode especializá-lo em determinadas áreas, de "liderança" a "logística".
Assim como em Civ VI, os pontos do mapa tem formato hexagonal, o que também dá diferentes pontos de estratégia e movimentação para o ataque.
Crises e colapsos
Ao fim da minha sessão de jogo, tive a oportunidade de ver como é o sistema de crises que marca o final de cada Era.
Essencialmente, caso nenhuma civilização tenha atingido pontos de vitória até determinando turno da partida, o jogo começa a trazer novos problemas que tornam a manutenção do seu império cada vez mais complicado.
Isso acontece de várias formas diferentes, seja com eventos pontuais como desastres naturais ou com o surgimento de mais povos independentes formando assentamentos pelo mapa.
Não só isso, assim como em jogos como Frostpunk, em alguns momentos o jogador é confrontado com um menu de crise em que é necessário escolher uma entre várias decisões que vão, invariavelmente, causar efeitos negativos – de dificuldades de pegar recursos, até gastos maiores com unidades como os comandantes de guerra.
Infelizmente, o teste terminou antes de ver até onde este sistema pode chegar. Outro convidado me disse que nem chegou a ver muitos dos efeitos das crises por ter conseguido os pontos de vitória antes de elas se agravarem, mas não sei se – ao contrário – em determinado turno tudo entra em colapso, independente da situação de cada civilização e "jogador".
Multiplataforma
Civilization VII também marca um ponto em que a série também não é pensada para o PC em primeiro lugar, com a Firaxis planejando um lançamento simultâneo para consoles – incluindo o Nintendo Switch.
"Francamente, é extremamente excitante", disse o produtor executivo Dennis Shirk ao The Enemy. "Com Civ VI, nós trouxemos para outras plataformas mais tarde. E temos muitos jogadores por lá, muitas pessoas ainda estão curtindo Civ VI, e agora estamos lá oferecendo logo de cara."
"Também tem oferecido novos desafios para nós como uma equipe de desenvolvimento no sentido de que: 'será que este sistema, esta jogabilidade, esta interface funciona não só no PC, mas também para controles?'", continuou. "Temos excelentes parceiros, e uma excelente equipe, mas tem sido bem interessante sair não só como um jogo de PC, mas como um jogo 4X completo para todos."
Como o teste foi limitado a PCs, não posso dizer como é experiência nos consoles, mas em uma conversa posterior ao teste, os desenvolvedores da Firaxis chegaram a dizer que estão focados em traduzir a experiência de jogo da melhor maneira possível em todas as plataformas, mesmo tendo que fazer concessões em algumas delas (especialmente no Switch).
Sid Meier's Civilization VII chega em 11 de fevereiro de 2025 para PC, PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series e Nintendo Switch. Quem comprar a edição Deluxe e Founders terá acesso antecipado do jogo a partir do dia 6 de fevereiro.