Avaliar um jogo que terá inúmeras atualizações e tem como premissa o cenário competitivo é uma missão ingrata. Quando esse game é claramente análogo a um veterano do gênero, que já está no mercado há vinte anos, a tarefa fica ainda mais complicada.
Valorant foi revelado durante a comemoração de 10 anos de League of Legends, em dezembro de 2019, e em poucos meses já estava nas mãos dos jogadores - primeiro em seu beta fechado e posteriormente no lançamento geral, no dia 2 de junho.
O impacto do game foi imediato: no primeiro dia de seu beta, milhões de espectadores acompanhavam transmissões da Twitch na esperança de conseguir acesso ao game. Organizações de esports já anunciavam alguns jogadores para compor seu elenco profissional, enquanto os próprios players já revelavam planos de se especializar no novo shooter tático.
Em uma época onde os esports já são um mercado extremamente consolidado, Valorant é um dos primeiros grandes nomes a chegar como um produto pronto para esse cenário: desde seu formato até as nuances em sua divulgação, o game nunca está desatrelado dos esportes eletrônicos e da competitividade.
Mecânicas bastante familiares
O primeiro dos elementos que ligam Valorant aos esportes eletrônicos não poderia deixar de ser seu gameplay. O jogo se afoga na fonte que Counter-Strike: Global Offensive construiu em seus quase oito anos de história, com similaridades que eram observáveis mesmo em curtos clipes de uma partida.
Com o game completo em mãos, é bem fácil perceber que elementos como a precisão das armas, o padrão pré-definido dos “sprays” e até mesmo a importância no uso de utilitários são claramente inspirados no jogo da Valve. Dito isso, a Riot Games fez um ótimo trabalho em lapidar ou adaptar as mecânicas de um jogo que já existia.
É fácil sentir o coice da Vandal, por exemplo; a animação de headshot, essencial para passar informação aos companheiros, também está presente. Destaque também para os sons ambientes, que são facilmente distinguíveis e permitem determinar a localização de um inimigo com facilidade.
Claro, a experiência não passa sem alguns defeitos: algumas armas apresentam precisão que simplesmente não faz sentido, como a escopeta Bucky antes do último patch de correção, e paredes que são “varadas” pelas balas como se fossem de papel, mesmo sendo feitas de materiais bem sólidos (alô, Bomb B do mapa Ascent).
Novamente, problemas como esse são resolvidos em atualizações constantes. A Riot parece comprometida em melhorar aos poucos o game, trazendo correções que atendem aos pedidos da comunidade com alguma frequência.
Sobre os mapas, os designers ainda precisam encontrar um ponto exato de equilíbrio: que atire a primeira pedra quem nunca se confundiu com os corredores em Haven, ou que morreu de costas com poucos segundos de round na Bind.
O equilíbrio dos cenários ainda deve ser bastante aprimorado, e é muito fácil perceber isso em partidas na Split, Ascent ou Haven.
Os três mapas possuem um “meio” muito bem definido e que não necessariamente favorece tanto assim os Defensores; para os atacantes, vale muito mais a pena tentar dominar essa única posição e instantaneamente ter controle de quase todo o map,a do que se aventurar em outros locais.
Mais uma vez, isso é algo que deve estar nos planos das próximas correções. Vale lembrar que Vertigo, último mapa a entrar para a rotação competitiva do CS:GO, passou por muitas grandes mudanças até chegar em seu estado atual, e nada impede que a Riot Games também se adapte com o tempo.
Sua própria identidade
O grande trunfo de Valorant está em seus personagens: por mais que a comparação com Overwatch seja óbvia, a jogabilidade o distancia bastante do game da Blizzard e o coloca bem mais próximo de Rainbow Six Siege, sendo quase que um meio termo entre ele e o CS:GO.
Além de acertar seus tiros, cada campeão possui uma tarefa bem clara nas partidas, e executá-las com qualidade é essencial para a vitória. O jogo fica bem mais difícil com uma Sage que não consegue jogar recuada e morre antes de poder curar seus aliados, ou com um Phoenix que não avança antes de seu time para conquistar informações e uma primeira eliminação.
Aí está a grande divergência entre Valorant e CS:GO. No jogo da Valve, qualquer jogador pode fazer qualquer função, enquanto o da Riot atrela uma responsabilidade essencial para cada um dos players.
Por um lado, isso cerceia a liberdade do jogador dentro do servidor: mudanças bruscas em suas jogadas são mais complicadas de serem feitas, já que nem sempre o seu personagem é tão versátil assim. Olhando por outro ângulo, isso fortalece os laços entre as equipes, principalmente quando se está jogando com desconhecidos.
Mesmo que seu Brimstone seja um jogador aleatório da internet, é fácil indicar a ele onde você quer que as smokes sejam feitas. Da mesma maneira, você já espera que uma Reyna jogue agressivamente e que o Cypher fique recuado.
Ainda sobre personagens, é essencial reforçar que a Riot Games fez um ótimo trabalho em criar identidades próprias para cada um deles. Phoenix, Sage, Raze e Omen são infinitamente mais carismáticos do que qualquer boneco com skin de CS:GO, ou até mesmo do que os agentes de Rainbow Six Siege.
Muito disso passa pelo excelente trabalho de dublagem feito pela equipe brasileira da desenvolvedora. O sotaque de Raze, por exemplo, é um detalhe pequeno que faz toda a diferença na construção de personagens, além do bom uso de gírias e palavrões com bastante naturalidade.
Um ambiente favorável ao jogador
Voltando ao início do texto, Valorant é, possivelmente, o primeiro grande jogo pensado única e exclusivamente para o mundo dos esports. Com dez anos de experiência nesse mercado, a Riot Games esbanja seus conhecimentos de área, construindo um ambiente bastante amigável tanto para jogadores experientes quanto os mais casuais.
Os extensos relatórios das partidas já disputadas, por exemplo, são excelentes ferramentas para que o jogador identifique pontos onde pode melhorar, além de permitir um bom acompanhamento de sua evolução.
Outros detalhes menores, como pedir que seu companheiro compre uma arma para você, ou a prévia de quanto dinheiro você terá no próximo round, servem como mecânicas que evitam erros bobos e recorrentes no CS:GO. No jogo da Valve, compras erradas e armas “sobrando” acontecem com alguma frequência.
Nas filas competitivas há uma pequena indicação de quão importante um determinado jogo foi para o seu Ranque, algo sutil que faz toda a diferença - é bem mais fácil prever quando você cairá ou subirá de elo. A ressalva fica pela comparação com League of Legends, que deixa o jogador saber exatamente quando passará para o próximo nível competitivo.
Também vale citar o bom trabalho em equilibrar as partidas ranqueadas. Ao fechar um grupo de cinco jogadores, é quase certo que você encontrará outra equipe fechada como adversária. Caso sua equipe misture vários Ranques diferentes, também é provável que o oponente tenha uma mescla similar.
Nesse aspecto, ainda há ressalvas: em elos mais altos, o balanceamento passa a ser mais complicado, tanto pela escassez de jogadores quanto pela alta probabilidade de encontrar equipes fechadas, mesmo jogando sozinho. A Riot já declarou que procura maneiras de equilibrar esses casos, falando especificamente dos Ranques altos, mas ainda não tomou nenhuma ação.
Isso sem mencionar os serviços disponibilizados pela Riot Games. Seu formato de monetização é totalmente baseado no de Fortnite, que já se provou um sucesso imenso de faturamento e público. O Passe de Batalha, somado a missões diárias e semanais, funciona muito bem como uma motivação extra para se fidelizar ao game, assim como os contratos de cada Agente.
Mesmo para quem não quiser desembolsar seu rico dinheirinho, a Riot fornece cosméticos gratuitos. Claro, não são tão variados quanto os pagos e eventualmente requerem um intenso grind, mas ainda assim são bastante atraentes.
Tecnicamente, problemas com perda de pacote e travamentos ao carregar a tela de seleção de Agentes ainda acontecem com frequência. A hitbox dos personagens também precisa ser aprimorada - no modo treino, é fácil perceber que a cabeça dos bonecos tem alguns pixels a mais do que deveria. Claro, há toda a polêmica com o anti-cheat Vanguard, que inicializa junto com o computador, independente de se abrir ou não o jogo.
Comunidade e missão da Riot
Talvez o maior dos problemas de Valorant esteja no grande público novato que o game atraiu. Toda a premissa e divulgação do shooter é bastante chamativa para quem nunca teve experiência em jogos competitivos - por um lado, isso é excelente para a Riot, por outro, isso traz à tona todos os problemas de toxicidade em jogos online.
Comportamentos nocivos estão muito longe de ser exclusivos de Valorant. Algumas horas em partidas competitivas de qualquer outro jogo são suficientes para perceber que boa parte das pessoas não está tão a fim de ser educada. CS:GO, LoL, e até mesmo o chat automático de Rocket League podem virar um show de horrores em questão de minutos.
Em Valorant isso não é diferente: vários relatos de toxicidade já surgiram na internet, principalmente no que diz respeito a machismo dentro do game. Uma quantidade considerável de mulheres já se pronunciou sobre o desconforto em jogar partidas com desconhecidos, ainda mais depois de ter sofrido qualquer tipo de abuso verbal.
Isso não é, de forma alguma, um problema que acomete apenas ao shooter da Riot Games. Entretanto, a empresa afirma convictamente de que trabalha para criar um ambiente agradável para todos os jogadores, e essa parece uma missão quase impossível, mas que a desenvolvedora se comprometeu a resolver.
Analisar logs no chat de texto é bem viável, e é algo que já acontece há algum tempo no LoL. O chat de voz, entretanto, é uma terra de ninguém em praticamente todos os jogos online, e a Riot ainda não anunciou nenhuma medida concreta para combater os jogadores tóxicos nessa instância.
O potencial de Valorant para ser o próximo grande shooter competitivo é muito claro. O game mal foi lançado e já possui uma esquematização completa de seu cenário esportivo, além de ser extremamente competente no gameplay e fazer o suficiente para se diferenciar do principal rival.
Ainda assim, faltam alguns passos relevantes para o jogo ficar ainda mais redondo: uma ferramenta para visualizar replays das partidas e um spectate mais eficiente, por exemplo, são urgentes e essenciais para complementar o serviço entregue aos jogadores - tanto a nível casual quanto profissional.
Por enquanto, o game entrega muito do que prometeu, dando um suporte à comunidade que fica apenas nos sonhos dos jogadores de CS:GO e trazendo uma experiência que, não importa o quanto os saudosistas do CS 1.6 neguem, é bem divertida e competente.
- Publicadora
Riot
- Desenvolvedora
Riot
- Gênero
FPS
- Testado em
PC