Após a recepção morna do reboot de Star Wars Battlefront e da tragédia que foi o lançamento de Battlefront II, coube a Respawn Entertainment vir ao resgate da Electronic Arts no ano passado e colocar nos trilhos a licença exclusiva de dez anos da publisher para produção de jogos da franquia Star Wars.
Com Star Wars Jedi: Fallen Order, a produtora combinou uma ótima campanha single player com uma jogabilidade envolvente e conquistou tanto a crítica especializada quanto fãs da série – sem contar o quanto deve ter acalmado os ânimos da Disney na relação com a EA.
A responsabilidade de dar sequência a esse acerto é do estúdio EA Motive e do recém-lançado Star Wars: Squadrons, um jogo que surgiu como um projeto passional de alguns membros do time da produtora canadense e que tem uma escala bem menor quando comparado a Jedi: Fallen Order. Ainda assim, não por isso é menos ambicioso.
Enquanto a Respawn trouxe aos jogadores a possibilidade de se tornar um Jedi, Squadrons foca em outra fantasia comum de fãs da série Star Wars: a de pilotar naves icônicas do universo da franquia, e participar de combates espaciais que resgatam a essência de clássicos como Star Wars: X-Wing vs. TIE Fighter e a série Rogue Squadron.
E para a alegria de todos, em especial dos entusiastas de jogos de navinha, o tiro dado pela EA Motive é certeiro: Star Wars: Squadrons combina uma jogabilidade desafiadora e empolgante com um multiplayer intenso e explosivo – e entrega até uma campanha honesta, ainda que distante de ser um dos pontos altos da série em termos de narrativa.
Ao lado de Jedi: Fallen Order, Squadrons é mais um acerto dos estúdios da EA com franquia Star Wars, e renova a esperança de que a publisher finalmente parece ter entendido o que fazer com a licença.
A Guerra Civil continua
Ambientado logo após Episódio VI - O Retorno de Jedi, Squadrons acompanha as consequências da Batalha de Endor, um dos eventos decisivos da franquia Star Wars e o momento que marca o início do declínio do Império – com a morte de Palpatine, de Darth Vader e a destruição da segunda Estrela da Morte.
A história foca no embate entre Lindon Javes, desertor do Império e comandante da Nova República, e Terisa Kerrill, comandante do Esquadrão Titã e ex-aprendiz e Javes. Ambos estão envolvidos tanto em uma vingança pessoal quanto em um conflito maior, que gira ao redor do chamado projeto Starhawk – uma iniciativa ultrassecreta da Nova República que está sendo investigada pelo Império.
É uma campanha curta – que terminamos em cerca de dez horas na dificuldade “piloto” –, e que logo deixa claro que tem como objetivo principal ser uma espécie de “tutorial narrativo”, ensinando as mecânicas centrais do game ao jogador enquanto dá a possibilidade de explorá-las em um ambiente “seguro” – e longe da ferocidade do multiplayer.
Ao longo da narrativa, o jogador assume o controle de dois pilotos customizáveis e pertencentes a esquadrões inimigos – o temido Esquadrão Titã, do Império Galáctico, e heróico Esquadrão Vanguarda, da Nova República –, e pode acompanhar o desenrolar da história a partir da perspectivas de ambas facções.
“Acompanhar”, aliás, é a palavra-chave aqui: apesar de receber missões detalhadas de seus superiores e ter objetivos primários e secundários durante os embates, a narrativa do jogo é completamente linear, e o é jogador apenas um expectador que não tem qualquer tipo de influência sobre o desenrolar da trama.
Com a exceção de algumas cutscenes, a história é praticamente toda contada entre missões, quando Squadrons leva o jogador de volta para o hangar do Império ou da República para sequências expositivas de NPCs como Javes, Kerrill e seus companheiros do Titan Squad ou do Vanguard Squad.
Além de permanecerem em um ângulo de câmera fixo, sem poder andar por aí dentro dos hangares, os personagens do jogador sequer falam durante os trechos – o que deixa um gostinho amargo de quem gostaria de estar um pouco mais envolvido dentro da trama.
Isso resulta em uma experiência rasa de narrativa e em personagens pouco desenvolvidos, ainda que alguns momentos interessantes despontem ao longo da campanha. Um deles é a possibilidade de ver a perspectiva imperial da Batalha de Endor, e como a derrota para os Rebeldes levou a autocracia a perda de lideranças e a conflitos internos entre seus comandantes.
O que compensa isso é o esforço notável que a EA Motive fez para trazer uma boa diversidade de cenários e missões dentro do modo história, apesar de sua curta duração. Ao longo da campanha, o jogador tem a oportunidade de enfrentar combates em cenários que misturam locais conhecidos da franquia, como Yavin, e ambientações inéditas, como o Zavian Abyss, uma tempestade espacial cheia de asteróides – todas, aliás, locações visualmente impressionates.
As próprias missões também são bem variadas, e incluem objetivos que vão de escoltar aliados e sabotar inimigos, a bombardeios de larga escala contra naves capitais ou sequências cinemáticas de pilotagem, como navegar por um campo minado recheado de escombros de batalhas antigas. São exatamente nestes momentos, onde o gameplay é o foco da ação, que Squadrons brilha.
Hora da decolagem
Um dos grandes méritos de Star Wars: Squadrons é equilibrar bem os aspectos de simulação e de arcade, oferecendo uma jogabilidade acessível para que qualquer um possa se divertir, mas com profundidade suficiente para que pilotos dedicados possam levar sua X-Wing ou TIE Fighter ao limite.
Isso não faz de Squadrons um jogo fácil, é claro. Ocupar o assento do piloto pela primeira vez pode ser um experiência confusa, com múltiplos sistemas para se gerenciar e um número considerável de instrumentos e botões que ocupam a interface em primeira pessoa para informar o piloto.
Ainda assim, o jogo faz um bom trabalho em explicá-los ao jogador aos poucos, e estimula aqueles que querem fazer manobras mais ousadas no espaço com um sistema de equipamentos que mudam a configuração “padrão” dos caças espaciais.
Dito isso, para veteranos do gênero, vale ressaltar que Star Wars: Squadrons não é nenhum Elite Dangerous em termos de navegação. Aqui, não é preciso se preocupar com combustível, com oxigênio, peso da nave ou mesmo com levantar e abaixar trem de pouso para a decolagem. Suas únicas responsabilidades são gerenciar a velocidade dos propulsores para navegar pelo espaço, e gerenciar a energia da nave para os três (ou dois, no caso de naves do Império sem escudos) subsistemas: aceleração, munição e escudos.
Em alguns momentos, isso pode parecer um pouco simples demais para entusiastas de simuladores mais complexos de voo – ou até limitador para os que buscam uma navegação mais precisa. Mas o fato é que o sistema é completamente funcional, e intuitivo e divertido o suficiente para habilitar o que é mais importante em Squadrons: as batalhas espaciais.
Assim como na campanha, todos os modos de jogo de Squadrons oferecerem ao jogador a possibilidade de se pilotar naves do Império ou da Nova República, ambos divididos em quatro classes diferentes: os bem balanceados caças (TIE Fighter e X-Wing), os ágeis e frágeis interceptadores (TIE Interceptor and A-Wing), os bombardeiros (TIE Bomber e Y-Wing), e as naves de suporte (TIE Reaper e U-Wing).
Todas as naves funcionam de forma similar, e contam com o mesmo sistema geral para pilotagem. Há alguns elementos de equilíbrio assimétrico: a TIE Fighter e TIE Interceptor, por exemplo, não têm escudos, mas permitem um controle mais preciso do laser e propulsores para o piloto compensar a fragilidade. Ainda assim, a experiência de se voar para a República ou para o Império é mais uma questão de imersão visual do que uma grande mudança de gameplay.
Cada uma das naves, no entanto, tem múltiplas opções de upgrades – ou “sidegrades’, como descrito pela Motive – específicos de sua classe, que podem ser desbloqueados através de gameplay e customizados pelo jogador sempre antes das partidas começarem.
Esses recursos incluem armas diferentes e sistemas de propulsores, escudos e chassis variados, que impactam tanto a performance das naves durante o voo quanto suas habilidades de combate – canhões de íon são mais rápidos para derrubar escudos, por exemplo, enquanto torpedos dão um dano maior a naves capitais, mas não podem ser disparados a curta distância.
Entender (e desbloquear) todos os diferentes equipamentos do jogo é algo que deve levar algum tempo, mas que permite uma dimensão de customização às oito naves disponíveis para dar adaptá-las ao seu estilo de voo, algo bem-vindo – em especial na hora de partir para o multiplayer.
Um ás espacial
Ainda que conte apenas com dois modos disponíveis, não há nenhuma dúvida de que o multiplayer é onde Star Wars: Squadrons se realiza completamente enquanto jogo – em especial nas chamadas Fleet Battles.
Não importa o quanto você jogue Squadrons na campanha, nos treinamentos ou mesmo partidas contra a AI, a experiência mais imersiva do título da EA Motive está nos embates contra outros jogadores de carne e osso – é aqui que sua habilidade é testada de verdade e onde a adrenalina de se pilotar um caça espacial vai ao auge.
Perseguir uma nave pilotada por outra pessoa é completamente diferente de perseguir um bot, e coloca um elemento imprevisibilidade e improvisação que é essencial para que o jogador se sinta um piloto espacial de verdade.
Você vai apanhar muito. Você vai se frustrar. Você vai bater de cara com asteróides e outras naves um punhado de vezes. Mas poucas sensações se igualam a de um drift executado, quando você consegue girar 180º e pegar seu adversário de surpresa com um torpedo bem disparado na orelha. Talvez eu tenha gritado como um wookie e não me envergonho disso.
O primeiro dos modos multiplayer são as Dog Fights, escaramuças nas qual dois times de cinco jogadores se enfrentam em uma arena espacial até um deles atinja 30 eliminações. É um modo simples e direto, ideal para uma partida descompromissada ou para treinar suas habilidades individuais contra outros jogadores de verdade – já que o trabalho em equipe até ajuda aqui, mas não é essencial para a vitória.
Já as chamadas Fleet Battles são o exato oposto disso. O modo também coloca duas equipes de cinco jogadores em um embate espacial, mas é consideravelmente mais longo e cheio de objetivos estratégicos.
A forma mais simples de defini-lo é como um cabo de guerra espacial: ambas as equipes têm como objetivo principal destruir a nave capital do inimigo. Para chegar até ela, no entanto, é necessário eliminar naves de defesa secundária e, ao mesmo tempo, abater naves inimigas controladas pela AI e pelos adversários humanos.
Esses abates rendem pontos de “moral” para a equipe, e é essa pontuação que define quem está na posição de ataque e quem está na defensiva – sendo que quem está no ataque, é claro, tem a vantagem, já que essa é a oportunidade de se aproximar da nave capital do inimigo para aniquilá-la.
Com suas diferentes fases de ataque e defesa, as Fleet Battles exigem organização entre os membros do time, o que inclui um uso inteligente das naves de suporte TIE Reaper e U-Wing para manter os companheiros de esquadrão vivos, e dos bombardeiros TIE Bomber e Y-Wing para destruir naves gigantes com mais facilidade.
As Fleet Battles, vale destacar, também oferecem a possibilidade de se trocar de nave a qualquer momento (ainda que, infelizmente, não seja possível mudar os armamentos equipados durante a partida), o que torna a experiência ainda mais dinâmica e intensa – já que é possível adaptar a estratégia em tempo real de acordo com o que está acontecendo na partida.
É um tipo de coordenação que só é possível ser completamente executada em partidas com amigos ou conhecidos, de preferência com um chat de voz ativo –, mas que é compensada com um sistema robusto de pings automáticos para se comunicar com aliados rapidamente, seja sobre a posição de um inimigo ou para pedir ajudar enquanto alguém está na sua cola.
A dúvida que fica é quanto jogadores continuarão engajados com Squadrons a longo prazo. Como revelado pela EA Motive, o novo jogo de combate espacial é considerado um título de menor escala, e um pacote fechado de conteúdo – o que você compra é o que você leva, e não há a previsão (ao menos por enquanto) de novas temporadas, novos mapas ou outros tipos de conteúdo adicional no futuro.
Por um lado, isso é ótimo para jogadores que estão saturados de passes de temporada e outros tipos de microtransações que forçam um engajamento constante com o jogo. Mas fica a incerteza de se Squadrons continuará sendo uma experiência interessante em algumas semanas ou meses, quando todos os cosméticos desbloqueáveis com gameplay já tiverem sido liberados por jogadores, ou quando o sistema de rotação do modo ranqueado, apelidado de Operações, saturar.
A Força está com Squadrons
Não há como negar que o simples fato de Star Wars: Squadrons existir já é um triunfo: mesmo sendo um projeto de pequena escala, o jogo é voltado para um gênero de nicho e que estava dormente ao longo das últimas duas décadas no universo de Star Wars. Isso não é o que tradicionalmente esperaríamos de lançamentos da Electronic Arts em pleno 2020.
Mas assim como Jedi: Fallen Order demonstrou no ano passado, Squadrons é mais uma prova de jogos focados e que sabem exatamente o que são e o que querem fazer, tendem a ser os mais hamônicos da franquia – e aqueles para os quais a EA deveria olhar com mais atenção no futuro.
Há deslizes em Squadrons, é claro – a campanha do game, em especial, deixa o gostinho amargo de tudo o que poderia ter sido do Titan e Vanguard Squad se a história fosse um pouco mais expansiva e ambiciosa.
Ainda assim, o gameplay robusto e os ótimos modos multiplayer do jogo trazem uma pespectiva renovada das possibilidades do universo de Star Wars, e são empolgantes o suficiente para engajar tanto novos jogadores quanto fãs de longa data do gênero de jogos de combate espacial.
Com sorte, Squadrons pode marcar a retomada do internesse em deste estilo de jogo– e, quem sabe, justificar o investimento da EA em um sucessor ainda mais ambicioso nos próximos anos.
- Lançamento
02.10.2020
- Publicadora
Electronic Arts
- Desenvolvedora
EA Motive