Star Wars Outlaws é mais do que a soma das suas partes.
Ao julgar os elementos que o compõem separadamente, ele traz muito do que a Ubisoft já implementou em termos de mecânicas, sistemas de jogo e design de mundo aberto nas últimas décadas.
Mas, unindo essas partes, a Massive Entertainment consegue, se não reinventar, pelo menos retrabalhar e ressignificar essas ideias em um novo contexto.
Mais do que isso, os personagens e ambientação de Outlaws contam com um charme especial, que transparecem uma paixão e vontade dos desenvolvedores de criar uma obra envolvente no universo de Star Wars.
Infelizmente, nem sempre esse charme consegue superar decisões de design equivocadas, com a maior delas talvez sendo o principal ponto de venda do jogo: seus mundos abertos.
Star Wars Outlaws marca o primeiro grande jogo da franquia sem o dedo pela Electronic Arts desde 2013 – em um acordo que, em retrospecto, tanto a Disney quanto a própria EA devem se arrepender.
Quem inicia essa nova fase de Star Wars nos games é a Ubisoft via principalmente a Massive Entertainment, que além de The Division recentemente adaptou outro universo cinematográfico na forma de Avatar: Frontiers of Pandora.
Um jogo que meu colega Matheus Oliveira disse, na época de lançamento, que "não poderia ser mais genérico".
Algo que não posso dizer de Outlaws como um todo – mesmo quando ele luta desesperadamente para ser isso.
O Grande Assalto
No jogo você controla Kay Vess, uma ladra de Canto Bight que, no começo da história, não poderia ser mais irrelevante para os grandes poderes da Galáxia nem se tentasse.
Isso muda radicalmente quando ela é forçada a fugir de casa e aceitar um trabalho roubando a casa de um figurão – e quando as coisas dão errado, ela é marcada para morrer e caçada por uma nova e poderosa organização criminosa conhecida como Zerek Besh.
Sem muitas opções, mas tendo alguns contatos no mundo criminoso galáctico graças à reputação de sua mãe Riko e seu mentor Bram, Kay começa a fazer trabalhos para os vários sindicatos do crime da Orla Exterior.
Mais do que isso, logo surge a oportunidade de entrar para a história do submundo voltando para Canto Bight e realizar o assalto mais audacioso da história – o que deixaria Kay não só milhões de créditos mais rica, mas também tirar seu nome da lista de procurados entre os maiores caçadores de recompensa da Galáxia.
Mas antes, é necessário formar uma equipe capaz de realizar o trabalho, o que leva Kay e o jogador para vários cantos da Orla Exterior para recrutar especialistas e os coloca não só na guerra velada dos grupos criminosos pelo controle do submundo galáctico, como também acaba trazendo alguns fantasmas do passado da protagonista.
A narrativa central de Star Wars Outlaws demora para pegar no tranco, com Kay sendo recrutada para o assalto depois de várias horas de jogo. Mas, pelo menos, ela conta com algumas reviravoltas interessantes – além de uma ou outra tão óbvia que dá para decifrar na primeira interação com o personagem.
O destaque dela, porém, é quando lida mais com as relações interpessoais dos seus personagens, particularmente entre Kay e seu parceiro/babá/assassino robótico em potencial, ND-5.
Gostei de Kay como protagonista, ainda que o jogo às vezes tenha dificuldades em equilibrar sua caracterização neste ambiente todo. Apesar de flashbacks mostrarem que ela literalmente viveu a vida toda como uma criminosa, mesmo que uma do mais baixo escalão, em vários momentos ela demonstra uma ingenuidade que são difíceis de conciliar com esse passado.
Isso sendo um jogo de Star Wars na era Disney, Kay não é uma protagonista de GTA – você não pode atirar em civis, nem atropelá-los com sua speeder – mas ela é definitivamente uma ladra, uma trapaceira e alguém que não tem problemas em resolver seus problemas na base do tiro.
Ainda que seu arco seja sobre alguém tendo que aprender a se virar na marra vivendo a pior situação possível, seu conhecimento sobre o mundo do crime – e sua atitude quanto a ele – parecem variar radicalmente dependendo do momento da narrativa.
Inesperadamente, ND-5 acabou virando um dos meus personagens favoritos, sendo essencialmente uma versão robótica de um veterano de guerra traumatizado e incapaz de fazer outra coisa além de violência.
Neste caso literalmente, já que além de ser uma unidade de combate, ele conta com uma trava de segurança que o força a atacar quem seu mestre ordenar.
As missões envolvendo seu passado nas Guerras Clônicas, e como não se esperava que um modelo do seu tipo fosse durar tanto tempo, foram pontos altos para mim.
Outros personagens do grupo, como Ank (uma Chadra-Fan amante de explosivos e com saudades do marido falecido) e Gedeek (um Rodiano adorador de droides e antigo amigo de Kay) são carismáticos, mas sinto que eles poderiam ter um pouco mais de tempo para se desenvolver e interagir com os outros membros da equipe.
De qualquer forma, todos sabemos quem é a verdadeira estrela de Star Wars Outlaws.
O GOAT
Quem viu o vídeo de primeiras impressões acima deve ter me ouvido falar que daria 4 estrelas a Star Wars Outlaws, com uma delas pura e simplesmente por causa de Nix, o fiel companheiro de Kay.
Quem viu a nota final lá embaixo (eu sei que foi a primeira coisa que você fez, não tem problema) deve ter percebido que essa quarta estrela sumiu entre a gravação do vídeo e a publicação deste texto, por motivos que vou explicar em breve.
O que não mudou é que Nix continua sendo a melhor coisa desse jogo, e quase um avatar do que representa o melhor de Star Wars Outlaws como um todo.
Funcionalmente, Nix não é muito diferente de outros companheiros e mecânicas de jogos anteriores da Ubisoft, que vão desde as águias de Assassin's Creed até (especialmente) os celulares de Watch Dogs.
Ele também cumpre a cota de seres fofos de Star Wars, que nas últimas décadas nos trouxe figuras variadas como R2-D2, Yoda, Porgs, Grogu, B2EMO e – citando videogames – até BD-1.
Mas, novamente, Star Wars Outlaws é mais do que a soma de suas partes, e não há exemplo melhor disso do que Nix.
Embora mecanicamente ele não traga nada de novo, é impressionante o quanto Nix traz em termos de versatilidade para o gameplay. O carinha é um verdadeiro canivete suíço, que pode ser usado de várias formas diferentes para resolver problemas.
- Quer passar por um inimigo sem ser visto? Coloque ele como fonte de distração.
- Quer derrubar dois inimigos rapidamente? Peça para o Nix atacar um para atordoá-lo, cuide do primeiro, depois vá pro que estiver com o rosto cheio de Nix.
- Alarme por perto? Nix pode mastigar e destruir seus circuitos, ou – ao desbloquear uma habilidade – colocar uma bomba dentro dele.
- Quer mais poder de fogo? Se houver rifles por perto, você pode pedir para Nix trazer um para você.
- Mesma coisa com itens de cura.
- Ele pode roubar itens.
- Ele pode roubar granadas.
- Ele pode EXPLODIR GRANADAS nos cintos de inimigos, caso a habilidade seja desbloqueada.
Tudo isso e muito mais, podendo ser usado de forma simples e surpreendentemente intuitiva, dando uma profundidade que o fluxo de jogo simplesmente não teria sem ele.
Sem Nix, o combate e exploração do jogo são funcionais, sendo um típico shooter em terceira pessoa com alguns adereços (é preciso mudar o tipo de munição contra orgânicos e droids, por exemplo) misturado com uma mecânica de tiro similar ao Dead Eye de Red Dead Redemption os elementos mais básicos de um immersive sim.
Mas com Nix, o gameplay ganha um dinamismo especial, e um caráter ainda mais improvisacional enquanto você e seu companheiro animal vão descobrindo soluções para problemas. A única coisa que deveria ser melhor é a integração com outros equipamentos, já que para lançar granadas você precisa abrir sua bolsa de suprimentos como um passo extra, e no fim acaba sendo muito mais rápido e eficaz partir para o tiro.
E isso conecta com o outro ponto importante sobre Nix: ele faz da Kay uma personagem melhor e mais envolvente.
A conexão entre os dois é um dos pilares centrais da experiência do jogo, e as várias interações que podem surgir durante missões, cutscenes e atividades especiais me trouxeram uma sensação de empatia bem maior do que se ele não estivesse lá.
Alguns dos meus momentos favoritos do jogo inteiro são simples minigames de refeição em que Kay e Nix podem ter juntos em barracas de comida, que mecanicamente não são nada mais do que Quick Time Events – mas que servem para mostrar mais do relacionamento dos dois, e também enriquece o mundo com pratos bem atípicos.
(A Kay curte umas comidas bem esquisitas)
Nix é a chave de tudo isso, e a Massive fez com que ele desse certo.
Aceitamos freelas
Além dos planos para o grande assalto, sua principal atividade durante Star Wars Outlaws vai ser cumprir contratos para algumas das maiores organizações criminosas da Orla Exterior.
Você pode prestar seus serviços para quatro grupos diferentes: o Sindicato Pyke; a Aurora Escarlate; o Cartel Hutt; e o Clã de Ashiga.
Cada uma dessas organizações tem poder e influência, em menor ou maior escala, nos planetas que você visitar durante o jogo.
Se tivesse que definir esse pilar do jogo em uma palavra, eu diria que é "equilíbrio". Porque você vai querer calcular o quanto vale trair ou não a confiança de um desses sindicatos criminosos.
Conforme cumpre missões para esses grupos, você vai ganhando uma boa reputação entre eles, enquanto atrapalhar suas operações tende a ter o efeito oposto.
Não há nenhum tipo de vantagem em Kay ser mal vista por esses grupos, já que não só você recebe menos oportunidades de trabalho com eles, como comerciantes ligados a essas organizações criminosas vendem produtos a preços mais caros, e há regiões inteiras dos mapas que podem ser hostis caso tenha uma reputação fraca ou ruim.
Então é sempre bom estar de bem com seu Hutt local.
O problema é que, especialmente em contratos especiais, um grupo vai querer ferrar o outro – e nestes casos um ganho de reputação com um necessita a queda com outro.
É aqui que surgem algumas das missões mais interessantes do jogo, como uma escolta de naves de carga dos Hutts que pode ser trocada para os Pyke, ou uma ex-Imperial que quer trabalhar para outra organização, e que você pode guiar para a Aurora Escarlate ou para Jabba.
Como um sistema, é bem simples e funcional, mas um pouco mais de complexidade seria bem-vinda.
Na estrutura do jogo, só é possível ou manter o acordo, ou favorecer outro grupo determinado. Opções como contraofertas ou outros jeitos de manipular as organizações, fariam esse sistema mais complexo e dar mais possibilidades para o jogador se arriscar.
Sem falar que, especialmente da segunda metade do jogo para frente, é extremamente simples recuperar o prestígio com as organizações, bastando pegar alguns serviços de contatos independentes. Assim, qualquer perda de reputação acaba sendo no máximo uma dor de cabeça temporária ao invés de algo genuinamente ameaçador.
E caso tenha curiosidade: Kay não tem motivos para se aliar à Aliança Rebelde (ou mesmo gostar dela), enquanto o Império funciona como a polícia em GTA, então não há muitas oportunidades de negócio além do ocasional suborno após tocar o terror no mundo aberto.
O mundo aberto escasso, vazio e ultrapassado.
Uma triste devoção
Star Wars Outlaws se vende como o primeiro jogo da franquia de mundo aberto.
Tirando o fato de que eu não acho que isso necessariamente seja verdade, considerando não só o histórico de MMOs como Star Wars Galaxies e The Old Republic, como também exemplos como Dantooine em KOTOR que podem ser ao menos considerado precursores disso na franquia...
A verdade é que o mundo aberto (ou mundos abertos) de Outlaws são pouquíssimo inspirados.
A ação do jogo é focada principalmente em quatro planetas: Toshara, Kijimi, Tatooine e Akiva.
Com exceção de Kijimi, todos esses planetas contam com uma área externa gigantesca fora de suas cidades principais. E essa extensão toda raramente é preenchida por algo interessante.
É genuinamente chocante o quanto você pode ir de um lado para outro de Toshara ou Tatooine e simplesmente nada acontecer, como se estivesse na tela de loading interativa mais longa do mundo.
E quando alguma coisa acontece, é algo profundamente tedioso e desagradável como o "combate" com speeders, que é composto pura e simplesmente de carregar o medidor de adrenalina/Dead Eye, ativá-lo e clicar nos inimigos, que morrem imediatamente.
É o tipo de coisa que parece ter sido colocada no jogo simplesmente porque, do contrário, o jogador não faria literalmente mais nada além de pilotar o speeder de um ponto para outro no mapa.
Chega até ser difícil descrever o nível de tristeza que eu sentia quando via um objetivo no mapa sem qualquer ponto de viagem rápida por perto.
O mundo aberto é, de longe, a parte mais fraca de Outlaws, e o mais triste é que não precisava ser assim se a Massive tivesse usado uma filosofia diferente.
Ao invés de se focar em mapas gigantescos repletos de grandes nadas, Star Wars Outlaws se beneficiaria muito de um mundo aberto menor, mas mais denso – algo na escola de Yakuza/Like a Dragon (pelo menos até Infinite Wealth, já que o Havaí é comparativamente bem grande).
Digo isso porque as cidades principais de cada um dos quatro planetas tem um pouco disso, com suas diferentes regiões, atividades e núcleos voltados para as diferentes facções.
E é nestas áreas que a ambientação de Star Wars brilha de verdade, com os vários personagens de espécies diferentes vivendo e interagindo não só uns com os outros, mas com a própria Kay, com várias missões sendo desbloqueadas só pelo simples ato de andar e conversar com as pessoas, ou encostar em uma bancada e ouvir uma conversa de bar.
Ir para a cantina de Mos Esley e acabar me envolvendo em uma negociação de cavalos espaciais com Jabba em nome de outro habitante de Canto Bight, ou entrar em um jogo de sabacc em nome do Lando Calrissian acaba sendo muito mais memorável do que atravessar meio mundo só para achar um baú com um componente para minha blaster.
Infelizmente, a perspectiva da Ubisoft de que um mundo aberto precisa ser gigante falou mais alto, e deixou não só esses mapas enormes e vazios, como também a sensação de que as áreas mais densas poderiam ser mais bem elaboradas e planejadas, já que tudo parece difícil de navegar e sem pontos de referência particularmente marcantes.
(Mos Esley não conta)
Coração no lugar certo
Ironicamente, por mais que Star Wars Outlaws seja mais do que suas partes, ele acaba me deixando dividido.
Por um lado, nele há um jogo que merece mais, por conseguir não só replicar bem o universo de Star Wars, como conseguir dar seu próprio tom a ele com seus personagens e ideias. Isso até se reflete na trilha sonora de Wilbert Roget, que adapta os sons de John Williams para criar seus próprios temas específicos, e que ainda não saíram da minha cabeça
E ainda que não faça nada de particularmente novo, o jogo ao menos consegue reformular ideias de um jeito que funciona de forma excelente.
Mesmo elementos que no começo me pareceram cansativos, como o combate espacial com a Trailblazer, conseguiram me conquistar depois de fazer os upgrades certos na nave.
Por outro lado, há várias falhas incontornáveis, que derivam principalmente de uma filosofia de mundo aberto que parece ultrapassada (maior não é necessariamente melhor) e uma estrutura de missões secundárias e terciárias que acabam caindo em um ciclo repetitivo muito grande.
E, por mais que os personagens sejam envolventes, a narrativa às vezes acaba acelerando o passo demais e não deixa espaço para um respiro maior – embora, ao mesmo tempo, tenha gostado que levei "só" 22 horas para terminar o jogo em um ritmo não tão acelerado (e sem contar o pós-jogo), ao contrário de alguns games da Ubisoft com estrutura interminável.
Minha esperança é que este seja o primeiro passo para uma nova era de Star Wars nos games, e que daqui para frente a Massive (ou quem quer que assuma uma sequência em potencial) entenda quais caminhos seguir, e quais evitar.
Porque eu gostei de acompanhar as aventuras de Kay, Nix e seus companheiros, e sinto que eles merecem algo ainda melhor – se não necessariamente maior – no futuro.
Star Wars Outlaws chega em 30 de outubro para PC, PlayStation 5 e Xbox Series.
- Lançamento
30.08.2024
- Publicadora
Ubisoft
- Desenvolvedora
Massive Entertainment