Se você se emocionou com Gris,então Nevanovo título do Nomada Studio, vai ser uma experiência nostálgica. Neva conta com o mesmo estilo de arte que consagrou seu antecessor e alguns puzzles de plataforma familiares. Mas a jornada da jovem Alba conta com elementos novos, como um sistema de combate e um companheiro de viagem que é bem mais do que só um acompanhante.

A história já começa sentimental e em tom de urgência, Alba e sua incrível loba tem que enfrentar uma força escura devastadora, que acaba por matar o animal. A protagonista então adota Neva, o filhote de lobo agora órfão.

Os capítulos são divididos em estações do ano, e como a maioria das metáforas do tipo, é meio esperado o que acontece em cada uma delas. Começando no verão, Neva é ainda muito pequena para se virar sozinha e depende de Alba para protegê-la e confortá-la em situações de perigo.

À medida que as estações passam, a loba cresce e novas mecânicas de gameplay surgem até Neva se tornar adulta e passar a ajudar no combate. Esse, que é o grande diferencial em relação a Gris, consegue ser simples, mas as variedades de inimigos e alguns chefes, faz com que o jogo tenha uma dificuldade a mais, resultando em algumas lutas épicas. Inicialmente usando apenas uma espada, Alba passa a conseguir usar Neva para imobilizar alguns inimigos e atingir alvos mais distantes, o que ajuda também em alguns puzzles.

Uma boa parte do jogo ainda é composta por elementos de plataforma, que são bem familiares e seguem o estilo já utilizado pelo estúdio. Em alguns momentos importantes, há dois caminhos a seguir para resgatar umas bolinhas brilhantes que desbloqueiam o caminho para a próxima fase. Além disso, o jogo propõe alguns desafios de pulos espelhados, plataformas invisíveis ou que mudam de posição, e obstáculos com tempo.

Sobre a arte encantadora do jogo, é incrível a escolha de cores e a mudança das estações. Começando em um verão, no qual a natureza exuberante está em seu maior potencial, o primeiro capítulo do jogo é pintado de verdes e rosas. O cenário muda rapidamente de cor ao encontrar um inimigo poderoso, escurecendo e perdendo a saturação.

Durante o outono, o laranja e o amarelo dominam, mas em alguns momentos de maior tensão, passamos por cenários vermelhos e até em preto e branco. Em Gris, as cores desempenham um papel fundamental na narrativa da história e Neva segue o mesmo direcionamento. Mais do que apenas refletir as estações do ano, elas simbolizam estados emocionais, transmitindo uma mensagem poderosa.

Algumas inspirações nos filmes do estúdio Ghibli são notáveis. A mais óbvia é a protagonista e seu lobo, lembrando o filme da Princesa Mononoke. Mas além dos personagens principais, os animais gigantes, os javalis e até mesmo a luta contra forças que destroem a natureza são bastante similares à animação. A Viagem de Chihiro também parece ter sido inspiração, mais especificamente os inimigos do jogo, que lembram muito o Sem Rosto.

E não dá para jogar Neva sem pensar em sua mensagem. Em Gris, temos uma protagonista enlutada pela perda da mãe, uma história que está sutilmente colocada no jogo e pode passar despercebida por algumas pessoas.

Já em Neva, temos a mesma sutileza em uma história sobre maternidade, o ciclo da relação mãe-filha e o quanto essa relação se modifica à medida que o tempo passa. Enquanto criança, Neva é dependente de Alba. Porém, quando adolescente, ela passa a ser mais rebelde, se afastando algumas vezes. Ao se tornar adulta, ela passa a ter mais responsabilidade e a criar uma identidade e independência, até se apaixonar e sumir por um capítulo.

Neva Game Review
Divulgação/Devolver Digital

Sem colocar uma interpretação definitiva porque o jogo deixa muito aberto ao imaginário, mas, do ponto de vista feminino, acredito em um possível significado da história. Alba parece representar o conceito de “mãe”, sendo Neva sua filha, que cresce, amadurece e se desenvolve.

Quando a pessoa se torna mãe, uma parte da individualidade se vai e ela deixa de ser ela mesma, tornando-se a figura da “mãe”. Essa é uma representação metafórica da transição da individualidade para uma figura materna, que vive e se dedica aos filhos. É claro que isso não representa todas as mães do mundo, e não passa de uma interpretação pessoal, mas não deixa de ser um significado bonito.

E voltando a Princesa Mononoke, a luta e a sobrevivência em um mundo devastado por mudanças climáticas e a intervenção do homem também fazem parte da temática. Alba e Neva tem que lidar com mais do que apenas a sua relação, pois o mundo à volta delas as oprime constantemente e as força a lutar e seguir em frente. Juntas, elas conseguem derrotar os inimigos em seu caminho e até reverter a destruição do mundo ao seu redor, dando um raio de esperança que é apagado logo após o nascimento de Bruma em que o ciclo de destruição recomeça.

Neva é uma jornada bela e emocionante, cheia de cenários incríveis e personagens cativantes. A história é capaz de engajar desde o primeiro minuto, mesmo sem usar palavras e consegue evocar emoções usando cores e sons. O combate traz um diferencial interessante e nos faz engajar e aproximar da vida desses protagonistas além de ser uma evolução em relação à Gris. No geral, Neva tem todos os atributos para ser um ótimo jogo para curtir em uma tarde despreocupada: curto, não muito complexo e com uma história impactante.

 
Nota do crítico