Em uma típica cena na qual John Wick está invadindo um ambiente hostil e eliminando os inimigos ao seu redor um por um, há duas coisas acontecendo.

A primeira é o que nós vemos: um homem que mais parece uma máquina acertando tiros e golpes precisos como se estivesse apenas recitando uma poesia mortal entranhada em suas veias. É letal, eficiente e acontece num piscar de olhos.

A segunda coisa é invisível aos nossos olhos. Ela rola exclusivamente dentro da cabeça de Wick, vivido impecavelmente nos filmes por Keanu Reeves, numa combinação cada vez mais inseparável de ator e personagem. Nós vemos apenas o resultado disso, mas na mente do Baba Yaga, acontece um processo estratégico no qual ele calcula cada movimento, a ordem de acontecimentos, quantas balas sobraram na arma e por onde ele deve se mover para evitar ser atingido.

John Wick Hex, jogo desenvolvido pelo talentosíssimo Mike Bithell (Thomas Was Alone, Volume), se propõe a simular esse segundo cenário. Bithell poderia muito bem ter optado por um jogo de tiro em primeira ou terceira pessoa caótico e veloz, com balas voando para todos os lados.Mas o risco disso se tornar simplesmente algo genérico ou de ser mais do que o pequeno time de desenvolvimento do jogo - composto por aproximadamente 30 pessoas - poderia fazer sem perder a qualidade, me faz pensar que a escolha por um jogo de estratégia foi não só criativa, mas certeira.

Passando-se antes dos acontecimentos do primeiro filme, Hex é simples no que se propõe mas, à semelhança do seu protagonista, certeiro em sua execução. A narrativa não é muito ousada, colocando Wick diante de uma galeria de inimigos em uma missão de resgate, mas é elevada pela presença de dois atores dos filmes. Lance Riddick e Ian McShane retornam para os seus icônicos papéis como Charon e Winston, respectivamente, e Troy Baker vive o antagonista Hex, que dá nome ao jogo.

Baker, muito conhecido dentro dos games mas um nome relativamente pequeno no mundo da atuação, se mostra mais do que capaz de contracenar com os atores veteranos da franquia, trazendo um sotaque de gangster de Nova York sem nunca entrar demais no caricato.

Keanu, infelizmente, reservou sua aparição nos games apenas para Cyberpunk 2077, mas a história não sofre tanto com isso. Wick é uma presença muito mais física do que vocal, e o jogo deixa isso claro reproduzindo-o com sua estética única, mas fiel ao que viemos a esperar do personagem.

O visual gráfico de Hex opta por um estilo poligonal e mais simples, mas que funciona bem em grande parte por conta da direção artística que cria as fases aos nosso redor e utiliza com sabedoria cores, particularmente o rosa, que sempre dá a sensação de ruas e corredores banhados ao neon, uma característica clara das noites de ruas do submundo nova-iorquino e seus sinais luminosos. Fãs de Danganronpa vão, também, certamente apreciar o uso do rosa no sangue.

Mas é no gameplay que John Wick Hex se destaca, acima de tudo.Em seus outros projetos, particularmente Volume, Bithell mostrou a habilidade de combinar estratégia e ritmo com perfeição, e aqui ele flexiona esse músculo mais uma vez. O processo no qual Wick cria, em sua mente, a rotina de assassinato que irá executar em sua missão não é, afinal, algo estático, e sim dinâmico e vivo. Seus pensamentos são mais rápidos que suas balas, e por isso o design do jogo utiliza sua simplicidade ao seu favor e acelera o ritmo lógico das coisas.

Cada fase se desenrola da mesma maneira. Há um mundo com diferentes locais, cada um com seis ou sete áreas com vários inimigos e um chefão te esperando. Você pode usar moedas obtidas com sua performance para desbloquear habilidades e colocar itens escondidos pelo mapa para te auxiliar (foque em espalhar bandagens, nenhuma outra coisa é tão útil quanto esse item de cura) em meio à matança. Dentro da fase, você clica no ponto aonde quer levar John - ou Jonathan, para os íntimos - e o jogo irá congelar quando sua ação for completada, ou caso um inimigo entre no campo visão do jogador.

É aqui que o núcleo da experiência se revela. Você quer continuar se movimentando? Talvez agora para trás de uma parede onde pode se proteger? Consegue acertar um tiro ou é melhor avançar e usar um takedown ou socos? Se suas balas acabaram, vale a pena gastar tempo recarregando ou é melhor fazer como Wick tantas vezes faz e jogar a própria arma no inimigo?

Uma linha do tempo no melhor estilo JRPG mostra a ordem de ataques e ações no canto superior da tela. Observando-a, você consegue decidir qual é o melhor curso a tomar. A variedade de situações, posições e quantidade de inimigos é grande o suficiente para tornar cada encontro algo único, demandando de você uma estratégia coerente para ganhar.

Formular essa estratégia, entretanto, não é tão difícil - executá-la é outra história, mas já já falaremos disso. A quantidade limitada de opções significa que não há como gastar tempo demais pensando e por isso o jogo está sempre se movimentando rapidamente, mesmo com as pausas, o que realmente cria a sensação de estar na cabeça de Wick: planejando, mas com velocidade.

É improvável que você gaste mais do que apenas alguns segundos escolhendo a próxima ação (se você jogar no modo de jogo mais desafiador, que adiciona um limite de tempo para escolha, terá literalmente cinco segundos para se decidir), especialmente após jogar algumas horas, e especialmente quando é forçado a repetir uma fase algumas vezes porque está morrendo.

Falando nisso, o nível de dificuldade é algo bem-vindo. Em nenhum momento você se sente totalmente desfavorecido. Há sempre algo que pode ser feito e outra estratégia a tomar. Mas executar os seus planos com excelência, acertar o timing dos movimentos - dê um passo pro lado ou se agache na hora certa e até uma bala pode ser evitada, por exemplo - requer prática e repetição. Dizer que Hex é um simulador de John Wick não é um grande equívoco. O resultado de uma base bem jogada, concluída em apenas alguns minutos, é incrivelmente satisfatório e pode ser visto em tempo real com a função de replay que é oferecida ao fim de cada nível.

Essa dificuldade, entretanto, vai se tornar familiar rapidamente. Mesmo introduzindo tipos relativamente diferentes de inimigos de tempos em tempos, John Wick Hex não tem muitas cartas na manga. Jogue uma área até o fim e você terá uma noção boa do que esperar do jogo, incluindo das boss fights - um pouco mais desafiadoras mas que se tornam bem menos complicadas uma vez que você entende como encará-las. Isso não quer dizer que as fases não apresentarão desafios ou precisarão de tentativas repetidas para serem vencidas, mas tudo isso se tornará parte do ciclo já esperado pelo jogador.

Talvez, entretanto, isso seja a consequência natural de ser John Wick. Talvez esse seja o processo que torna cada missão, por mais impossível que pareça, uma dança que segue o mesmo ritmo, que demanda os mesmos conceitos: execução, velocidade, precisão e criatividade. Dança, aliás, realmente me parece ser a palavra correta. Especialmente levando em conta a brilhante trilha sonora de Austin Wintory (Journey), que dá o pulso de cada momento de Hex. Acima de tudo, Bithell e seu time criaram uma experiência que não necessariamente te faz sentir como um assassino fictício badass o tempo todo, mas certamente te coloca, de camarote, dentro da cabeça de um. É um olhar nos bastidores de como alguém se torna o bicho-papão.

  • Lançamento

    08.10.2019

  • Publicadora

    Good Shepherd Entertainment

  • Desenvolvedora

    Bithell Games

  • Testado em

    PC

  • Plataformas

    PC

Nota do crítico