Review: Spider-Man
Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades (e consequências)
O que caracteriza um bom jogo de super-herói? É mais do que parece. A adaptação dos poderes ao esquema de botões, às mecânicas de movimentação, combate e do ambiente… tudo isso é importante. Mas creio que, no fundo, o mais importante é unir todos esses elementos em algo coeso, que entregue, de fato, uma impressão crível de estar na pele daquele personagem.
Em Marvel's Spider-Man (sim, o nome continua em inglês mesmo na versão brasileira), essa sensação vem assim que você balança com o Homem-Aranha entre os prédios de Nova York. Não à toa, essa é a primeira coisa que você faz no jogo.
É simplesmente incrível. Sempre respeitando a necessidade de haver superfícies para grudar a teia, o Aranha se locomove com agilidade e fluidez, alternando-se entre mergulhos vertiginosos e movimentos acrobáticos extravagantes. É uma tradução perfeita de como vemos o personagem há décadas, nos quadrinhos e no cinema, para o videogame.
O novo título desenvolvido pela Insomniac Games, fruto de uma parceria entre a Marvel e a Sony e exclusivo do PlayStation 4, pode se resumir nisso: o fruto de uma busca obcecada de adaptar perfeitamente para o videogame o talvez mais famoso super-herói da Casa das Ideias, cujo histórico no meio não é tão brilhante assim (ainda mais se comparado à eterna rival DC Comics).
No entanto, como todo fã do teioso sabe, com grandes poderes vem grandes responsabilidades, e essa busca tem suas consequências. Mas vamos falar das partes boas primeiro.
Saga do “clone”
Não é apenas no balançar de teias que Spider-Man acerta - e muito - na sensação de ser o teioso. Toda a movimentação do personagem é perfeita, o que acaba impactando duas das principais mecânicas básicas do game de PS4: a travessia dos cenários e o combate. A inspiração em Batman: Arkham é óbvia (mais sobre essa comparação adiante), com esquemas simples de golpes e desvios entremeados pelo sentido-aranha, que dá ao jogador o timing dos movimentos do adversário.
O que faz o jogo do Aranha se diferenciar, novamente, é a busca pela sensação de ser o personagem. O herói da Marvel é muito mais esguio e ágil do que o vigilante da DC, o que traz algumas mudanças sutis, mas importantes, ao ritmo do combate. Estar cercado de inimigos muitas vezes é um perigo para o teioso, que, em vez de ter um botão dedicado ao contra-ataque, tem um para se esquivar.
Nas lutas de Spider-Man, manter-se em movimento é a chave para o sucesso - assim como sempre é para o Homem-Aranha ao enfrentar criminosos em outros meios. E aqui, a Insomniac soube novamente trazer uma sensação única, com uma leveza e uma agilidade no combate aliadas a transições perfeitas entre o combate no solo e no ar, já que o personagem pode desferir combos aéreos e atacar inimigos do alto, mesmo enquanto se balança pelas teias.
As teias também assumem diversas formas para dar ao jogador uma gama mais ampla de opções de combate e infiltração em ambientes, com teias de impacto (que grudam o oponente na parede), bombas de teia (que espalha teias por uma área grande) e minas (que podem ser colocadas no chão e são ativadas quando um oponente passa pelo local, prendendo-o em uma superfície).
Mais do que se apoiar nos combates e nos gadgets, o título de PS4 pega emprestado de Batman: Arkham todo um ritmo do andamento das ações do jogo, alternando-se entre sequências de combate aberto e investidas furtivas (com uma pitada de sequências de ação à Uncharted), com abates silenciosos e esgueiramentos por dutos que lembram os jogos do homem-morcego até mesmo nos ângulos de câmera.
O combate é onde as comparações entre este jogo e a obra-prima da Rocksteady serão mais gritantes, mas a realidade é que sem Batman: Arkham, jamais haveria Spider-Man. As similaridades, aqui, devem ser encaradas menos como uma falta de inspiração da Insomniac para o herói da Marvel, mas sim como o enaltecimento do legado da trilogia com o herói da DC como pedra fundamental dos games deste gênero.
As soluções que Batman: Arkham ofereceu, lá em 2009, são tão boas para passar essa sensação de estar na pele de um herói - algo fundamental para tornar a experiência prazerosa -, que Spider-Man as utilizou e, na maior parte, soube modelar ao redor dos poderes de seu protagonista, entregando uma experiência autêntica, ainda que inspirada em outra série de sucesso.
De volta ao lar
Em nossa prévia do jogo, publicada com base nas primeiras três horas de gameplay, a principal constatação foi a de que o roteiro faria Spider-Man se diferenciar como jogo de super-herói. Depois de terminar a campanha (em menos do que as 20 horas estimadas pela Insomniac, inclusive), esse aguardado salto de qualidade não aconteceu - o que, claro, não significa que a história do jogo seja ruim. Vamos falar sobre ela abaixo, então fica o aviso de spoiler.
Spider-Man traz um Peter Parker mais experiente, há oito anos conciliando sua vida com a árdua tarefa de proteger Nova York do crime. O evento catalisador da trama é a prisão de Wilson Fisk, o Rei do Crime, logo nos primeiros minutos, o que desestabiliza as estruturas de poder no submundo criminoso da metrópole americana e permite que uma nova facção surja, comandada pelo misterioso Senhor Negativo.
Embora existam algumas reviravoltas e momentos impactantes, especialmente nos momentos finais, a sensação geral é de que a trama de Spider-Man se enrola demais para fazer revelações que nós conseguimos sacar muito antes de aparecerem na tela. A entrada do Senhor Negativo na trama é um ótimo exemplo: o jogo se arrasta demais para revelar a existência do vilão e trata o mistério acerca de sua identidade como chefe da facção dos Demônios, que chega em Nova York logo após a prisão de Fisk, como se fosse algo valioso, muito embora todos saibamos o que está acontecendo muito antes de tudo ser colocado às claras.
Sem falar muitos detalhes sobre o desenrolar da trama, que envolve várias disputas de poder entre a galeria de vilões do Aranha (com foco especial em Norman Osborn, que aqui é o prefeito de Nova York), Spider-Man tem diversos traços de uma história de origem, ainda que o protagonista seja retratado como um personagem experiente e que, portanto, não precisa ter o princípio de sua vida de herói explicada.
Embora este clima de história de origem mate boa parte das surpresas que, imagino eu, a Insomniac guarda para surpreender fãs, Spider-Man é muito eficiente em montar, de forma rápida e simples, um universo do Homem-Aranha nos games. Ao dar um foco substancial da história aos efeitos negativos de ser um herói em sua vida pessoal, o jogo estabelece não apenas as redes de intrigas e influências entre os vilões do Aranha, mas também sabe explorar bem seus aliados: Mary Jane e Miles Morales.
Se esse for meu destino
Enquanto a trama vai avançando, Spider-Man também traz uma grande quantidade de atividades paralelas para rechear a história. Afinal, o game de PS4 é de mundo aberto e, embora seu mapa não seja tão amplo quanto recentes pares de gênero, é bastante denso e detalhado.
Uma das atividades paralelas mais comuns são ocorrências aleatórias de crimes enquanto você está andando por aí. A polícia dá o aviso, o Aranha ouve, e lá vem um aviso vermelho no mapa indicando que está rolando por aí um assalto, um sequestro ou uma perseguição. Esta é provavelmente a atividade que mais ajuda a estabelecer o jogo de uma forma fidedigna às características do Homem-Aranha, com uma frequência aceitável - depois de impedir um certo número de crimes, as áreas ficam “limpas”.
Mas essa é apenas uma das coisas que pode ser feita na Nova York do jogo - há também mochilas com itens da adolescência de Peter espalhadas por aí, bases do Rei do Crime para serem desmontadas, estações de pesquisa da Oscorp, entre outras. Tudo rende fichas que podem ser trocadas para aprimorar equipamentos do Aranha e desbloquear novos trajes, com poderes próprios.
Para evitar um amontoado de ícones pipocando no mapa, o jogo vai apresentando essas atividades paralelas aos poucos, ao passo de que novas coisas surgem até mesmo quando nos aproximamos dos momentos finais da aventura. Há também missões paralelas, que são poucas, mas a pouca quantidade não se traduz em qualidade, com tarefas repetitivas e praticamente iguais a de quando se impede crimes comuns e aleatórios.
A repetição é talvez um dos maiores pecados de Spider-Man. Anunciado pela Marvel como “um game com qualidade de alto orçamento” e colocado pela Sony num rol de exclusivos de peso como God of War e Uncharted, o jogo se mostra raso demais à medida que a aventura vai se aprofundando, com um número surpreendentemente reduzido de missões, animações de finalização e até mesmo de tipos de inimigos: há quatro facções, de criminosos comuns a exércitos avançados, e todos têm o mesmo “tipo” de boneco: um tem arma, outro tem bastão, outro com escudo, etc.
Essa falta de profundidade e variedade cria uma sensação de repetição terrível, que faz Spider-Man parecer mais um título de lançamento de geração do que um game que foi construído em cima de algo já existente (o exclusivo Sunset Overdrive de Xbox One), se baseia em mecânicas consagradas há quase uma década (Batman: Arkham) e chega em um momento no qual o PlayStation 4 já está no mercado há cinco anos.
Perdido na tradução
Por fim, vale fazer uma justa e dura crítica à localização do jogo para português do Brasil, que inexplicavelmente mantém todos os nomes de seus personagens no original, em inglês. É impossível não lamentar quando há uma dublagem bem feita e um texto bem traduzido, mas no fim das contas você salva um cidadão e ele te agradece com um “valeu, Spider-Man”.
De acordo com o UOL Jogos, a determinação foi da própria Marvel, o que é ainda mais inexplicável se, no cinema, a mesma Marvel traduz os nomes de seus heróis até mesmo nos títulos dos filmes aqui no Brasil. É uma prática lamentável de se colocar a marca na frente da história, o produto na frente do legado. Só faltou colocar o ™ de marca registrada na frente do Spider-Man.
Em resumo, Spider-Man acerta no que é mais difícil: transpor para os videogames, de forma magistral, a sensação de ser o Homem-Aranha. O resultado é perfeito, mas as consequências dos esforços de desenvolvimento ficam claros, resultando em um jogo que, embora seja fiel ao universo do Aranha, sofre com atividades simples e repetitivas. Este não é o jogo definitivo do herói - e tampouco do gênero de heróis nos games -, mas é uma boa base que merece continuar a ser explorada, e um ótimo começo.
Spider-Man está disponível para PlayStation 4. O jogo foi testado em um PlayStation 4 Pro e em um PlayStation 4 padrão. Clique no nome da plataforma para conferir o preço em sua versão digital.
- Lançamento
07.09.2018
- Publicadora
Sony Computer Entertainment
- Desenvolvedora
Insomniac Games