Eu quero muito acreditar que a demo de Detroit: Become Human disponível na Brasil Game Show não é só um milagre, mas sim um gostinho rápido de um jogo especial. Em uma cena de aproximadamente 20 minutos, na qual um androide precisa negociar a libertação de uma menina que foi feita refém por outro robô, chamado Daniel, a Quantic Dream, desenvolvedora responsável por Heavy Rain e Beyond: Two Souls, cria um impacto emocional que já está entre os melhores momentos de seus games.
Os jogos de David Cage, diretor do estúdio francês, estão entre os mais autorais da indústria, e isso nem sempre é bom. Enquanto Heavy Rain se encontra entre os exclusivos mais populares do PlayStation 3 com suas narrativas interconectadas, o tom estranho e inconsistente de Beyond: Two Souls o impediram de alcançar o status de clássico moderno como seu antecessor. Com isso em mente, Detroit podia ir para qualquer lado. A presença de múltiplos protagonistas, uma das características que permitiu com que Heavy Rain tivesse a complexidade que teve, está de volta. Por outro lado, robôs criando emoções e procurando independência é um dos conceitos mais batidos da ficção científica.
Mas, se o tema for explorado constantemente com a sensibilidade e recompensa desta cena específica, então talvez Cage, apesar de toda a sua fala sobre como games deviam virar mais parecidos com Hollywood, esteja com uma de suas melhores experiências interativas até agora.
Quando a demo começa, estamos controlando um androide chamado Connor. Ele foi enviado pela corporação responsável pela fabricação dos robôs para agir como negociador na situação citada acima, já que as ações da polícia estão se provando inúteis. A primeira parte da demo envolve uma investigação da cena do crime - o apartamento onde a refém, Emma, e sua família moram - algo que parece ter saído de L.A. Noire, para que Connor reconstrua os acontecimentos que resultaram na situação atual.
É aí que entra a que é a pior parte da demonstração. Navegar Connor dentro do apartamento foi mais difícil do que o aceitável. A câmera, diversas vezes, ficou mal posicionada, e a insistência da Quantic Dream em basear todas as interações do cenário com mini quick-time events (gire o analógico de uma forma específica, passe o dedo no touchpad do DualShock 4) fazem com que você sinta que o controle está sempre prestes a ser perdido.
Mas você se acostuma e começa a encontrar pistas, aprendendo mais sobre a história de Daniel, seu relacionamento com Emma, o acontecimento que despertou seus sentimentos confusos e outros detalhes. Quanto mais você explorar, mais opções de interações serão disponibilizadas quando Connor confrontar o androide rebelde. Mas além de recompensar o jogador com mais escolhas, o que, em outras palavras, significa mais variedade de gameplay, há um aprofundamento na parte narrativa.
O jeito como Connor confronta Daniel passa a ser mais detalhado. Ele evoca situações específicas e contextos emocionais que nós, jogadores, não saberíamos caso o tempo gasto explorando a cena do crime fosse dispensado. Por conta disso, o desenrolar da cena, que pode ser concluída de formas diferentes, passa a ter um peso maior. Nos sentimos mais envolvidos emocionalmente. O destino das três figuras principais da história é algo com o qual nos importamos, e quando fica claro que nem todos sairão felizes, o impacto é real.
Agora é necessário comentar o desenrolar da cena com base nas escolhas que eu fiz. Se você não quer saber absolutamente nada da história de Detroit: Become Human, então pule o próximo parágrafo.
Ainda conosco? Ótimo. Quando eu joguei a demo, consegui convencer Daniel a soltar Emma. O sequestrador foi, imediatamente, baleado com tiros de sniper. Isso gerou uma série de emoções conflitantes em mim. Por um lado, salvar Emma era o meu principal objetivo, e foi um alívio vê-la em segurança. Mas ao mesmo tempo, eu havia entendido e compreendido as ações de Daniel com base nas descobertas que fiz durante a fase de exploração. Eu entendi seus sentimentos. O mesmo, entretanto, não pode ser dito para Connor, que viu a situação apenas como uma missão completa, e reduziu as reações do outro androide a simples defeitos no código.
O que essa cena mostrou, é que se Detroit: Become Human conseguir gerar o investimento e envolvimento emocional desta demo durante toda a sua campanha, então a Quantic Dream terá em suas mãos um jogo obrigatório. Se, por outro lado, essa parte da campanha foi escolhida para ser usada em eventos justamente por ser um ponto alto em meio a um mar de mediocridade, então, talvez, David Cage deva mesmo se dedicar apenas a filmes.