Death Stranding é... muita coisa.

É um jogo sobre reconstruir o mundo após um misterioso cataclisma. Sobre tentar criar conexões em um ambiente vazio, dividido e, por natureza, hostil. Sobre ajudar e depender de pessoas que você nunca viu ou verá, e como às vezes esta ajuda pode ser recompensada de maneiras inesperadas.

É sobre construir pontes para o futuro embora não necessariamente em referência à política brasileira  e os perigos de formar divisões e muros  explicitamente em referência ao atual governo dos EUA.

É sobre andar por aí entregando pacotes para pessoas aparentemente aleatórias.

Death Stranding é sobre mais (e talvez, dependendo da sua perspectiva, menos) do que isso, mas entrar em maiores detalhes pode estragar sua experiência.

Engajante, cansativo, muitas vezes bizarro e um pouco confuso, sendo ao mesmo tempo extremamente familiar e um tanto diferente.

... Death Stranding é bem bom. Acho.

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Sony Interactive Entertainment/Divulgação

O primeiro projeto da nova e independente Kojima Productions, que chega ao PlayStation 4 em 8 de novembro (e ao PC lá para 2020), coloca o diretor Hideo Kojima e sua equipe em uma posição de liberdade criatividade que não deviam conhecer há um bom tempo, e o resultado final traz uma mistura um tanto maluca que leva em consideração desde livros de sociologia da década de 30, religião egípcia e até os ciclos de vida e morte do Planeta Terra.

Isso sem falar as idiossincracias que é de se esperar do desenvolvedor a este ponto, como propagandas aleatórias de Monster Energy e o programa de viagens de Norman Reedus em lugares diferentes, e as implementações de mecânicas curiosas que, embora não necessariamente essenciais, ajudam a dar cor ao mundo e à jogabilidade.

Nem tudo pode ter se casado perfeitamente, e algumas ideias e conceitos apresentados são... exotéricos, para se dizer o mínimo, mas posso dizer que a temática central e suas implicações ressoaram comigo.

Na sua narrativa mais ampla, Death Stranding conta a história do portador Sam Porter Bridges (Norman Reedus), e sua jornada da Costa Leste até a Oeste dos antigos Estados Unidos da América, aniquilados pelo misterioso evento que dá nome ao jogo.

Após esta devastação, o mundo dos vivos e dos mortos se "colidiu", e entidades misteriosas conhecidas como EPs rondam o mundo externo por meio de chuvas temporais, que fazem pessoas, animais, plantas e estruturas artificiais envelhecerem décadas em minutos.

Os vestígios de população restante se abrigaram ou em grandes cidades, ou em abrigos menores. Desde então, a sociedade depende de entregadores como Sam ou Fragile (Lea Seydoux), capazes de ao menos sentir a presença dessas entidades, para trazer itens básicos  ou nem tão básicos  de um lado para o outro das regiões do antigo país. Nosso protagonista, em particular, passou os últimos anos isolado do resto do mundo, apenas cumprindo contratos e entregas.

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Sony Interactive Entertainment/Divulgação

Isso muda, porém, após um pedido da presidente dos EUA  atualmente UCA, de United Cities of America e mãe de criação de Sam, Bridget Strand (Lindsay Wagner), que lhe dá como missão atravessar o território continental e unir as cidades e abrigos por meio da organização BRIDGES e a chamada rede quiral, que utiliza materiais e a ligação com o mundo dos mortos para ajudar na comunicação e produção de equipamento para o resto da população.

Sam também deve resgatar a filha de Bridget, Amelie (Lindsay Wagner), que está presa na costa oeste após a primeira missão da BRIDGES. Durante esta jornada, Sam encontra outras figuras, de Fragile e sua companhia, Fragile Express, passando por terroristas com intenções ocultas como Higgs (Troy Baker), e as figuras curiosas que compõem a organização BRIDGES, como Die-hardman (Tommie Earl Jenkins), Mama (Margaret Qualley), Deadman (corpo de Guillermo del Toro) e Heartman (corpo de Nicolas Winding Refn).

Para auxiliar no caminho, Sam conta com a ajuda de um Bebê Bridges, utilizado principalmente para detectar EPs próximas. A cada vez que se conecta com ele, porém, Sam vê lembranças de um homem misterioso (Mads Mikkelsen) que interage constantemente com o BB.

Este é a sinopse inicial da história, mas quem conhece os jogos passados de Hideo Kojima sabe que nem tudo é o que parece, e Death Stranding não foge deste molde. Quanto mais a história se desenrola, mais estranhas as coisas vão ficando — um estranho que, para mim, não se vê do designer e sua equipe desde os tempos de Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty.

A ação principal de Death Stranding revolve ao redor do processo de entregas e a integração dos diferentes pontos e ligações com a rede quiral. O objetivo de Sam, ao menos inicialmente, é o de levar carregamentos com os mais diferentes tipos de itens de um lugar para o outro, sendo recompensado ao levar em consideração fatores como tempo, trajeto e condição da carga.

Acredite ou não, isso é mais engajante do que parece: inicialmente, as travessias são feitas por territórios retomados pela natureza, sem estradas ou caminhos particularmente fáceis de se cruzar, e o game encoraja seus jogadores a encontrar seu próprio trajeto.

Há uma colina ou morro no seu caminho? O ideal é que tenha alguma escada para ajudar na escalada, do contrário você terá que seguir por outro lado. Uma parede para se descer? Nada que uma corda e âncora não resolvam.

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Sony Interactive Entertainment/Divulgação

Conforme o jogo progride, mais opções de estruturas começam a ser oferecidas para o jogador, podendo construir pontes, torres de vigia, protetores contra as chuvas temporais. A maior diferença - e o que julgo que Kojima considere sua maior inovação - é a rede quiral em si.

Ao conectar um novo ponto à rede, você tem acesso não só aos equipamentos e estruturas que ele próprio instalou, quanto o que outros jogadores ao redor do mundo criaram durante suas próprias jornadas.

Sendo assim, o jogador passa a ter acesso tanto a estas estruturas, que podem facilitar o caminho, até veículos utilizados anteriormente por seus companheiros invisíveis. Cargas perdidas também podem ser encontradas e entregues para seu local de destino original.

Esta é a mecânica que representa o que Kojima quer comunicar com Death Stranding, assim como sua proposta de um novo gênero: as ligações que unem todos no mundo de seu jogo, onde a menor das contribuições pode auxiliar outro totalmente desconhecido, e cuja ajuda pode ser retribuída de diversas formas, ao trazer materiais para melhorar as estruturas, trazer alguma entrega a seu local de destino, ou com uma simples curtida.

(Paradoxalmente - e intencionalmente, acho - isso leva à constante busca de validação via curtidas para sua estrutura, não muito diferente de uma mensagem que você quer ver repercutir em redes sociais)

É um elemento que funciona, e se encaixa com o resto do jogo, mas a este ponto considero o sistema mais uma evolução do que já era visto em games como Dark Souls, mas agora com uma essencial material.

Como o próprio Kojima indicou no passado, porém, é provável que este seja apenas a primeira implementação do que gostaria de realizar, não muito diferente do que aconteceu com a franquia Metal Gear com o passar das décadas.

Se isso irá ou não emplacar como um gênero em si, só o tempo dirá.

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Sony Interactive Entertainment/Divulgação

Na verdade, o jogo que mais traz mais semelhanças com Death Stranding é... bom, Metal Gear Solid V: The Phantom Pain. Assim como no game anterior de Kojima, você escolhe suas missões, e os equipamentos que acha que serão úteis para completar o objetivo. A partir daí, tudo fica a seu critério.

A movimentação e combate do game também se assemelham muito ao jogo anterior da antiga Kojima Productions, com seus próprios charmes, por assim se dizer: EPs são vulneráveis ao sangue de Sam, e diversas armas o utilizam como munição. Sem uma bolsa de sangue, porém, é possível que ele venha a desmaiar por anemia.

(Isso sem falar de outros fluídos de nosso herói que podem ser transformados em armas e estocados para uso)

Cada escolha traz um benefício e uma possível reviravolta negativa, e é sempre bom planejar o que exatamente é melhor carregar, já que muitas coisas nas costas de Sam podem desequilibra-lo facilmente, e veículos trazem suas próprias questões — mobilidade, energia, facilidade de uso, etc.

Ele também não é, para bem ou para mal, um exemplo de "walking simulator". Como alguém que já jogou e curtiu muitos games deste tipo, posso garantir que Death Stranding se encaixa muito mais em um template de jogo de ação tradicional, e ganha mais ênfase no combate conforme o jogo segue e a narrativa se desenrola.

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Sony Interactive Entertainment/Divulgação

O game, porém, não tem pressa em suas fases iniciais, e mesmo acelerando o passo para chegar ao final mais rapidamente ainda tive que gastar mais de 65 horas na campanha. Pelo menos, enquanto o game traz seus momentos arrastados e mais cansativos, ele não sofre deste problema tanto quanto The Phantom Pain.

Também é importante ressaltar o qualidade técnica do jogo: por meio da Decima Engine da Guerrilla Games — também utilizada em Horizon: Zero Dawn — Death Stranding é visualmente impressionante e roda, geralmente, muito bem mesmo em um PlayStation 4 tradicional, com apenas alguns momentos que geraram algum travamento ou queda de frames durante minha experiência.

Kojima e sua equipe também conseguem pontuar estes visuais com a trilha sonora do game, que conta com uma excelente seleção de músicas, com destaque particular para a banda Low Roar, que parece ser a atual musa inspiradora do designer, a se julgar pela quantidade de suas músicas no jogo.

Não é exagero dizer que, dentro da redação do The Enemy, algumas pessoas chegaram a se interessar do jogo apenas ao ouvir parte da seleção de músicas.

... Em contrapartida, outros se mostraram receosos ao descobrir o quanto demorei para chegar ao fim do jogo.

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Sony Interactive Entertainment/Divulgação

Mesmo após este pequeno tratado, ainda há várias coisas que gostaria de ao menos citar sobre Death Stranding, mas que são difíceis de encaixar em um texto deste formato. Não só isso, ainda que tenha gastado dezenas e dezenas de horas no jogo, ainda há questões e elementos que gostaria de estudar e criticar mais a fundo, mas que precisaria de mais tempo e impressões de outros para chegar a qualquer tipo de conclusão.

De qualquer forma, mesmo no que podemos dizer ser uma impressão mais inicial, posso dizer que gostei de Death Stranding em vários níveis, e estou curioso para mais reações e análises de pessoas mais espertas do que eu sobre seus temas.

Após todos os anos de especulação e piração em redes sociais, não sei se Death Stranding vai alcançar as expectativas do público que tem pensado ativamente nele desde 2016. Mas é definitivamente um jogo de Hideo Kojima — e sua equipe de desenvolvedores, nunca devemos esquecer —, a este ponto livre de muitas amarras criativas, então se você não se importa com a falta de tanques bípedes, ele vale no mínimo sua atenção.

  • Lançamento

    08.11.2019

  • Publicadora

    Sony

  • Desenvolvedora

    Kojima Productions

  • Gênero

    Ação furtiva

  • Plataformas

    PlayStation 4

Nota do crítico