Review: Scarlet Nexus é surpreendentemente cativante
As histórias de Kasane e Yuito merecem ser ouvidas
Criar laços com os personagens de uma história é algo mágico. Mais ainda quando falamos em um jogo, já que você é diretamente responsável por tudo o que acontece com eles em vez de ser apenas um espectador passivo. Desenvolvido e distribuído pela Bandai Namco, Scarlet Nexus deixará uma marca agradável na memória de quem se dispuser a viver as histórias de Yuito Sumeragi e Kasane Randall, mesmo que o game nunca nos deixe esquecer de algumas limitações de orçamento.
Aliás, me bastou escrever o parágrafo anterior para sentir certa culpa. Essa não é apenas a história de Yuito e Kasane, mas também de Arashi, Hanabi, Kyoka, Kagero e tantos outros parceiros aos quais o jogador inevitavelmente irá se apegar. Sem dúvida alguma, o principal mérito de Scarlet Nexus está na maneira como o jogo lida com os protagonistas e os aliados deles. O desenvolvimento da empatia, por parte de Kasane, o amadurecimento, no caso de Yuito, o alívio cômico proporcionado pela despreocupada e genial Arashi, o otimismo e lealdade inabaláveis de Hanabi. Poucos grupos são tão vivos quanto o dos membros da FSC.
Há uma sincronia impressionante entre narrativa e jogabilidade que contribui bastante para a sensação de gradual aproximação entre personagens principais e secundários. Conforme eles criam intimidade entre si, novas opções de ataque em grupo vão sendo desbloqueadas e o ritmo é absolutamente adequado para que pareça algo natural. Quanto mais você agradar e interagir com os demais, por meio de missões focadas apenas na construção das relações, maior será o vínculo de Yuito e Kasane com os próprios companheiros, seja em termos de história (como nas conversas por telepatia) ou jogabilidade. É algo simplesmente incrível para quem gosta de personagens genuinamente humanos.
Perdi a conta de quantas horas passei coletando materiais que pudessem ser trocados por presentes que seriam entregues aos meus amigos. Quanto mais felizes eles ficassem, maior seria o nível de sincronia da equipe e mais eles me ajudariam em batalha, com comandos diretos e passivos. Me afligia pensar na possibilidade de ter deixado alguma mensagem deles passar em branco, porque eu queria alcançar o nível máximo de amizade com todos (cheguei bem perto, inclusive: faltaram apenas três, que ficaram só um nível abaixo do maior possível).
Aí, entretanto, entra um dos principais problemas de Scarlet Nexus: a baixa variedade de cenários e a necessidade de repetir o mesmo caminho tantas vezes, seja para cumprir missões ou encontrar itens importantes. A história até tenta tornar tal repetição justificável, dando motivos para que voltemos a lugares já conhecidos e "familiares" aos personagens, mas é difícil não sentir que esse mecanismo foi criado para driblar um limite de orçamento.
O mundo de Scarlet Nexus poderia ser muito mais vasto, considerando a escala dos acontecimentos da história, mas jogadores terão de se contentar com uma quantidade limitada de áreas. Também existe um fator de sorte na obtenção dos itens encontrados nos cenários e derrubados por inimigos que leva a uma repetição enfadonha de determinadas ações. Se existissem condições exatas para conquistar determinados materiais, a jornada em busca dos itens de presente, por exemplo, seria muito menos frustrante. Considerando a importância dos relacionamentos entre os personagens para a experiência, isso acaba pesando mais do que os desenvolvedores talvez tivessem imaginado.
Não nego que a quantidade de diálogos no estilo de quadrinho também é uma solução pouco eficiente. As curtas cutscenes do jogo são legais e seria muito melhor se toda a história pudesse ser contada de forma mais dinâmica.
Se ao menos a direção de arte fosse mais cuidadosa, talvez a repetição dos cenários não fosse tão incômoda. Afinal, que jogo precisa de duas cidades com "andares" em obras quando existe um mundo cheio de monstros bizarros e distorções gravitacionais? Existem tantas possibilidades que poderiam ter sido exploradas que chega a ser estranho ninguém ter sugerido locais mais puxados para a fantasia ou alguma distopia chocante. A maneira como mesclaram diferentes áreas na reta final do jogo foi brilhante, mas veio tarde demais para compensar pelos longos períodos de monotonia visual. Pelo menos, a aparência dos personagens e dos inimigos ficará gravada na memória dos jogadores. Principalmente, a de um monstro específico... Doeu.
Quando falamos nos golpes, a questão estética também se destaca de maneira positiva. Sejam os ataques de espada do Yuito ou as lâminas arremessadas por Kasane, a ação em Scarlet Nexus é o que vai manter muitos fãs engajados. Com um imenso Mapa Cerebral (que é a árvore de habilidades), não faltam opções para tornar os protagonistas mais fortes. Tudo bem que algumas habilidades poderiam estar disponíveis por padrão, como a coleta automática de recursos ao passar perto deles, mas a progressão funciona muito bem. Somar pontos de habilidade não demora tanto e o preço das habilidades nem é tão alto.
Por meio de uma rede chamada SAS, todas as pessoas com poderes que integram a FSC, organização responsável por proteger as pessoas normais dos monstros chamados de Criaturas, conseguem não apenas se comunicar como emprestar poderes para Kasane e Yuito. Quando o jogador ativa essa sincronia com algum personagem, as propriedades destrutivas daquele personagem são aplicadas aos golpes dos protagonistas. Shiden, por exemplo, faz com que os ataques de Kasane e Yuito causem dano elétrico e até mesmo mudem de forma na hora dos combos.
Se você gastar os pontos de habilidade da forma certa, é possível desbloquear uma opção que permite até três estilos sincronizados simultâneos. Somar a super velocidade de Arashi, a eletricidade de Shiden e a multiplicação de Kyoka, por exemplo, pode levar a resultados impressionantes. Felizmente, inclusive, o jogo não nos limita aos poderes dos dois personagens que nos acompanham durante as batalhas — é possível sincronizar também com quem está no "banco de reserva" do time.
São tantas opções de combinação e tantas oportunidades para usar cada poder que é até difícil escolher a partir de determinado momento. A riqueza do combate combinaria muito com uma maior diversidade de arquétipos de inimigo, mas não chega a ser uma questão tão frustrante quanto a dos já citados cenários. Além disso, muitos chefes estão sujeitos aos efeitos causados pelos golpes sincronizados com os poderes de outros personagens, então, sempre será possível explorar algumas possibilidades. Não é como em outros RPGs, nos quais os chefes são imunes a tudo e as habilidades se limitam aos capangas deles.
De qualquer forma, o destaque fica para os ataques de telecinese com Yuito e Kasane. Há muitos objetos interativos nos cenários, então, se você sempre quis mover coisas com a mente, se sentirá em casa. A animação do que arremessamos nem sempre é tão interessante, mas as possibilidades de combo que esses ataques criam, assim como a efetividade deles para diminuir a barra de postura do inimigo, fazem valer. Jogar coisas no adversário é sempre a melhor coisa a se fazer em Scarlet Nexus.
Tudo se torna ainda mais impactante graças à trilha sonora, que oscila entre o rock típico dos animes e efeitos eletrônicos no maior estilo dos filmes cyberpunk (a temática do jogo em si, no entanto, está mais próxima do que chamamos de brain punk). As faixas mais emocionantes e contemplativas, aliás, são tão eficientes quanto as que instigam o combate. Há alguns bons momentos de drama em Scarlet Nexus que vão pegar muitos jogadores de surpresa. Eu, pelo menos, não esperava de forma alguma que certas reviravoltas fossem realmente acontecer.
Como você já deve ter ouvido falar muitas vezes, Scarlet Nexus tem duas campanhas relativamente diferentes: a de Yuito e a de Kasane. Inclusive, para ter a sensação de que o jogo melhorou na segunda jogatina, comece pela história do Yuito, que contribui para a potencialização do mistério em torno de Kasane, personagem mais enigmática do jogo. Obviamente, é apenas uma sugestão, já que o mais importante é jogar as duas histórias, seja na ordem que for. Infelizmente, o começo da segunda jogatina será desconfortavelmente familiar, mas, com o tempo, os personagens mostrarão que vale a pena estar rodeado por quem esteve longe antes. Afinal, eles são a alma de Scarlet Nexus.
Entendo perfeitamente caso você tenha assistido a algum trailer e pensado: "nossa, mais um jogo de anime genérico." Foi o meu caso também. Contudo, pode acreditar: Scarlet Nexus vai muito além do clichê e está cheio de personagens cujas histórias são dignas da atenção de qualquer jogador. A ação é excelente, o sistema de amizade surpreende e o enredo pode ser muito mais impactante do que você imagina. Yuito, Kasane e os demais heróis desse universo chegaram para ocupar um lugar especial no coração dos fãs.