Review: Kingdom Hearts 3

Depois de muitos anos de espera, Sora retorna para um encerramento majestoso

Por Breno Deolindo 28.01.2019 18H31

"Thinking of you, wherever you are"

Lembro muito bem de quando meu melhor amigo de infância chegou em casa com um jogo novo, que ele dizia ser uma mistura entre Disney e Final Fantasy.

Mesmo sem entender muito bem quem era Roxas e quem era Sora, foi fácil de se apaixonar pela jogabilidade fluida, pelos carismáticos personagens da Disney e pelas épicas batalhas com chefões. Kingdom Hearts 2 abriu o caminho para que eu adentrasse no mundo dos games, e ficará marcado para sempre no meu coração.

Desde então, a espera por seu sucessor parecia interminável. Depois de tanto tempo, Kingdom Hearts 3 finalmente chegou, e é tudo aquilo que os fãs queriam.

O jogo não tem nenhuma vergonha de ser pretensioso. Antes mesmo de começar, em uma espécie de pré-abertura, um compilado de cenas memoráveis da saga aparece na tela, criando uma sensação de que tudo aquilo será resolvido nas próximas horas de jogatina.

Como de costume, o protagonista Sora e seus inseparáveis companheiros, Donald e Pateta, precisam viajar entre uma variedade de mundos. Dessa vez, a missão é recuperar um poder que Sora perdeu em Dream Drop Distance, essencial para sobreviver à batalha contra Master Xehanort. Aconselhado pelo feiticeiro Yen Sid, ele parte para o mundo de Hércules, que também já perdeu seus poderes mas conseguiu recuperá-los.

Diferente de seu antecessor numerado, a história principal de Kingdom Hearts 3 avança muito pouco durante a trajetória pelos mundos Disney. Claro, há uma informação nova ou outra, mas o foco maior é em contar a história de Hércules, Elsa e cia. Por outro lado, o jogo é bastante autoconsciente de sua complexa história, e aproveita esse início para elucidar algumas questões.

O charme dos cross-overs não está em seu enredo, mas sim em sua belíssima construção e direção de arte. Não se engane: algumas das cutscenes Disney podem emocionar, mas sua história não é tão bem estruturada quanto a gigantesca trama principal da série.

Cada mundo possui um ambiente único, cuidadosamente desenhado para que tanto Sora quanto o jogador fique inserido naquele universo.

Todo essa atmosfera é muito ajudada pelos impressionantes gráficos, que são ainda melhores do que aqueles vistos em A Fragmentary Passage. No Reino de Corona, de Enrolados, é fácil confundir uma cena do filme com uma de Kingdom Hearts 3. Em Piratas do Caribe, o trio de heróis tem design fotorrealístico e não é destoante dos outros personagens, um salto absurdo quando comparado com KH2.

Uma das várias formas que a Keyblade de Sora pode assumir

Reprodução/Square Enix

Claro, os inimigos também possuem seu papel em criar esse ambiente. Misturando alguns adversários que já são recorrentes com novas criaturas, a direção de arte novamente ganha uma “estrelinha” nesse aspecto.

O combate lembra bastante as mecânicas que já existiam em Fragmentary Passage e Dream Drop Distance. Combos usando o Flowmotion, que permite escalar paredes e deslizar em canos; ataques combinados com Donald, Pateta ou algum outro personagem do mundo em que se está; summons de outros personagens; e, naturalmente, as magias e golpes da Keyblade.

Em Kingdom Hearts 3, há ainda uma nova mecânica, que transforma a Keyblade em diferentes objetos, que variam de ioiôs a bandeiras piratas. Apesar de dar ainda mais fluidez ao combate, com golpes mais variados, é frustrante que algumas dessas variações sejam idênticas, modificando apenas a “skin”: as garras da Keyblade de Frozen e de Monstros S.A., por exemplo.

Outra adição é a dos golpes com atrações: Sora usa brinquedos dos parques da Disney para atingir seus inimigos. Prepare-se para infringir bastante dano com um Barco Viking ou com uma montanha-russa.

As atrações, inclusive, me incomodaram depois de um tempo. Tanto elas quanto as transformações de Keyblades iniciam cutscenes repetitivas, que cansam conforme a jogatina avança. Acidentalmente, descobri que é possível desativar essas animações automáticas, e fiquei bem feliz ao me despedir delas - fica a recomendação.

Também me decepcionei nos combates com chefes. Em Kingdom Hearts 2, as batalhas eram repletas de Quick Time Events e cenas exclusivas para aquele inimigo; em KH3, a grande maioria das batalhas é vencida apenas com golpes tradicionais. Não é algo ruim, mas tira um pouco do aspecto épico das lutas - God of War fazendo escola pela indústria.

Exemplo de um Lucky Emblem, figuras essenciais para desbloquear o Final Secreto

Reprodução/Square Enix

Ainda assim, as lutas passam longe de serem chatas. É bastante prazeroso sentir que Sora está cada vez mais forte, ainda mais com um arsenal tão vasto.

Cansou das lutas? Não se preocupe, há muito o que se explorar nos mundos do game: cozinhar receitas ao lado de Remy, de Ratatouille; matar tempo nos mini-games do Gummiphone, o smartphone de Sora; participar dos desafios de habilidade presentes em cada mundo.

Fica o destaque para os Lucky Emblems, desenhos da cabeça de Mickey - as clássicas três bolinhas - que podem ser fotografados. Além de incentivar o modo fotografia do game, os emblemas são essenciais para desbloquear o Final Secreto do game. Essas atividades são ainda mais atraentes ao finalizar o primeiro playthrough, quando o mundo inteiro está aberto para ser explorado.

O único extra que não me agrada é a Gummiship. Nunca fui fã das famigeradas missões de navinha: além de serem difíceis de controlar, os veículos parecem inofensivos contra inimigos mais poderosos, resultando em batalhas longas e cansativas - isso tudo sem saber quanto ainda resta na barra de vida do seu adversário.

É impossível falar de Kingdom Hearts sem mencionar seu complicado enredo, que já até virou motivo de piadas na comunidade, justamente por ser quase incompreensível para um iniciante na série.

Em mais um momento de autoconsciência, KH3 sabe que seu público pode não entender tudo que está acontecendo - inclusive, isso gera uma das cenas mais hilárias do título. Para ajudar os leigos e os fãs que não estão em dia com o enredo, a Square Enix lançou um compilado de vídeos - acessíveis tanto no YouTube quanto no próprio jogo -, recapitulando tudo que aconteceu aqui.

Dentro do game, a situação é a mesma: em momentos que focam na main plot, as falas de cada personagem são escritas para deixar tudo claro aos jogadores. Ainda assim, há alguns mistérios que ficam a cargo do jogador. E, infelizmente, é preciso conhecer muito bem o universo de Kingdom Hearts para entender todas as referências.

Em meio a esse turbilhão de informações, Sora, Donald e Pateta mantém a sua essência inocente e infantil. O trio consegue ser bastante sério quando o momento requer, mostrando um grande amadurecimento de Sora em cenas mais tensas. Entretanto, a tônica do garoto alegre com sorriso inabalável se mantém durante a maioria da história.

O menino é o centro de praticamente todos os acontecimentos da história principal, como já era esperado, mas os outros Guardiões da Luz também possuem seu lugar ao Sol. O jogo emenda fan service atrás de fan service - e isso é feito de maneira magistral -, arrancando de mim vários gritos de êxtase.

Kingdom Hearts 3 pode decepcionar um pouco nas boss battles não tão épicas, e até em alguns combates repetitivos com inimigos menores. Felizmente, isso é compensado pelas longas cutscenes, que amarram quase todas as pontas dos inúmeros personagens na trama, dando até mesmo a coadjuvantes o respeito digno de uma franquia que já tem quase 17 anos. Ao finalizar a última batalha e assistir ao encerramento, a sensação é uma satisfação imensa de missão cumprida.

Não é um jogo perfeito, mas é tudo que os fãs esperaram durante longos 13 anos.

Nota do crítico