Review: Hitman 2
O brilhante quebra-cabeças do Agente 47 ganha uma segunda chance
É curioso como, mesmo não sendo um jogo de mundo aberto, Hitman 2 tem em abundância uma das melhores características que os jogos desse gênero tem a oferecer: o convite a curiosidade e a exploração. Tome como exemplo a primeira fase do jogo, que se passa em uma corrida de carros em Miami.
Seu objetivo é assassinar pai e filha, Robert e Sierra Knox. Ele, dono multimilionário de uma empresa de defesa, ela, piloto e favorita a vencer a tal corrida. Para ser sucinto, vou me concentrar nela: da primeira vez que joguei, durante a BGS 2018, disfarcei-me como médico e aguardei para examiná-la após a prova. Discreto e eficiente, mas extremamente demorado - afinal, só tive a oportunidade após ela deixar seu carro.
Da segunda vez, agora com o jogo completo em mãos, a abordagem foi ainda mais direta. Disfarcei-me como mecânico de sua equipe, e bastou deixar um parafuso da roda um pouco mais solto do que deveria para o serviço ficar pronto. Ao completar a fase, o jogo ainda me sugeriu refazer o nível, tentando um terceiro caminho: roubar a fantasia de um mascote e, bizarramente, chantagear Sierra até a oportunidade do assassinato se revelar.
A cada uma dessas oportunidades, mais caminhos se abriam para mim na pele do Agente 47. Mais opções de infiltração, mais segredos. Esse conceito meio quebra-cabeças, meio caixa de brinquedos que os níveis extremamente bem construídos pela Io-Interactive oferece era, de longe, o grande trunfo de Hitman desde seu reboot em 2016.
Agora, com Hitman 2, vão-se embora as distrações, os métodos de distribuição questionáveis, para dar o foco ao que deveria ser exaltado desde o começo: essa excelente construção de mundos. Como seu célebre protagonista, o jogo vai direto ao ponto.
De uma vez só
Aqui, faz-se necessário comentar toda a polêmica envolvendo o Hitman de 2016 e a maneira como foi vendido. O jogo foi separado em seis episódios, um por mês, cada um contendo uma fase - a versão final e completa saiu no início de 2017. Era um período onde a moda era lançar jogos por episódios, mas o tiro saiu pela culatra.
Na teoria, a ideia era boa: cada fase de Hitman, que combina a missão principal e os Contratos, um modo multiplayer que permite ao jogador criar missões em que qualquer boneco da fase pode ser um alvo, permite à fase ser rejogada várias e várias vezes - tempo suficiente até o lançamento do próximo nível. Na prática, o público rejeitou jogar o game em doses homeopáticas.
O processo, que culminou em prejuízos para a Square Enix e o fim da parceria entre a publisher japonesa e o estúdio dinamarquês, viu a Io-Interactive voltar a ser independente, produzir o jogo por conta própria até a Warner Bros. entrar em cena, adquirindo os direitos de publicação.
As marcas dessa traumática lição são sentidas de forma sutil em Hitman 2. Não há mudanças muito drásticas de interface e as cutscenes, que eram completamente animadas no primeiro game, agora são imagens com pouco movimento. A empresa até lançou uma versão que contém as missões do primeiro game no pacote, como forma de buscar a atenção de novos jogadores. A estrutura episódica ainda se mantém, mas agora todos os capítulos vêm juntos no mesmo game e podem ser jogados de uma vez.
Foco no alvo
O foco de Hitman 2 está em sua melhor parte: no gameplay. Aqui, várias melhorias pequenas foram feitas para aprimorar uma experiência que já era boa, mas ainda tinha algumas arestas a aparar. Os avisos de momentos de conflito e procura, tão comuns em jogos de ação furtiva, agora estão muito melhor integrados às informações da tela, aparecendo em cores berrantes mas de forma discreta no canto da tela (ao lado de um novo mini-mapa), em vez de pipocar na sua frente em letras garrafais.
O combate corpo-a-corpo - outra parte meio desajustada do primeiro game - foi substituída por um prático sistema de quick time events. Novas opções de camuflagem também permitem mais opções de infiltração: a camuflagem social no estilo de Assassin's Creed, que é ótima para despistar aquele segurança e/ou funcionário que consegue te identificar mesmo disfarçado. A maleta, outro elemento clássico da série, retorna como uma opção de esconder armas para passar em pontos de segurança, com revista pessoal e tudo.
Com Hitman 2, vem mais cinco mapas, cada um ressaltando as forças e fraquezas do game. Vamos a eles:
- Miami: palco de uma corrida na qual você precisa eliminar os dois alvos já citados acima, o mapa é, assim como Paris no primeiro Hitman, um excelente cartão de visitas de toda a proposta do jogo, aliando espaços de grande interação social com cantos mais escondidos.
- Colômbia: uma mistura de vilarejo com base militar na qual é preciso eliminar o trio comandante de um poderoso cartel, este mapa conta com uma vegetação intensa que mais serve para exemplificar uma das novidades de gameplay do que qualquer outra coisa.
- Mumbai: um dos mapas mais interessantes e originais de Hitman 2, a cidade indiana tem um quê dos espaços apinhados vistos em Marrakech, mas se aproveita melhor dessa característica com sua arquitetura caótica e uma linha de história que envolve um segundo assassino.
- Whittleton Creek: amplo e aparentemente avesso a ações que chamam muita atenção, este simpático subúrbio americano também se destaca pela originalidade, na qual é preciso buscar provas além de eliminar seu alvo.
- Ilha de Sgail: realizado em uma festa na qual todos os participantes usam máscaras, o último mapa do jogo é também o que requer mais paciência, em um jogo de gato e rato no qual é preciso eliminar dois alvos e proteger um terceiro.
Ao contrário do primeiro jogo, que fazia distinções mais claras entre a história que transcorria em cutscenes e ação em cada mapa, Hitman 2 integra mais sua trama com a parte na qual você tem o controle em mãos.
O resultado é uma história muito mais satisfatória do que a do primeiro game, especialmente por entregar conclusão de alguns arcos narrativos ao jogador, ainda que sejam conclusões muito rasas, e que pavimentam o caminho para mais uma continuação do que qualquer outra coisa.
A grande estrela de Hitman 2, assim como o primeiro game, continuará a ser o modo multiplayer e seus inúmeros contratos, incluindo os sempre divertidos Alvos Elusivos, que aparecem no jogo por um período limitado, com uma missão limitada a uma única tentativa - se você não cumprí-la, não tem a chance de fazê-la de novo.
Só os Contratos já garantem uma bela variação a Hitman 2, favorecendo a descoberta de mais e mais possibilidades dentro dos mapas propostos. Entretanto, o jogo oferece ainda mais dois modos multiplayer, que, embora não tenham a mesma profundidade, trazem novas experiências: o Ghost Mode, um modo competitivo em que duas pessoas buscam a eliminação mais rápida e "limpa" (sem matar inocentes, por exemplo); e o Sniper Assassin, um modo cooperativo em que dois jogadores eliminam alvos à distância.
Mais robusto, Hitman 2 é exatamente o primeiro game desta nova fase do Agente 47, mas desta vez vendida com a embalagem correta: como um jogo completo, sem as falsas impressões de seu antigo modelo episódico. Não à toa, há edições do game que incluem até mesmo os mapas e a história do primeiro Hitman. É uma segunda chance para um jogo que, sem sombra de dúvidas, a merece.