Review: Deathloop é uma joia caleidoscópica de matar e morrer (e morrer, e...)

Arkane Lyon mistura ordem e caos na dose certa em um dos grandes jogos do ano

Por Victor Ferreira 13.09.2021 17H23

Em Deathloop, é sempre bom quando um plano dá certo.

Mas, às vezes é mais divertido quando tudo dá errado, e o apertar de um botão mais cedo ou mais tarde do que deveria (ou quando alguém decide te atrapalhar) causa uma louca e explosiva sessão de improviso, em que dependendo do caso sua prioridade é dar o fora o mais rápido possível, tentar completar o objetivo, ou... simplesmente morrer.

Em seu mais novo jogo, o estúdio Arkane Lyon sintetizou muitos dos elementos de seus projetos anteriores, incluindo mecânicas e poderes conhecidos por fãs de Dishonored e os sistemas em conversa com Prey, e os destilou em um loop temporal que recompensa a curiosidade e experimentação, em que explorar o ambiente e encontrar múltiplas soluções para um problema é quase uma recompensa por si só.

... Porque em geral elas também te dão uma arma ou poder extra.

Arkane Lyon/Divulgação

Para quem precisa de um contexto extra para o jogo, em Deathloop o jogador controla Colt Vahn, um homem que acorda sem memória e descobre estar preso em um loop temporal na misteriosa ilha de Blackreef. Para quebrar o ciclo de repetição, ele deve eliminar 8 alvos conhecidos como os Visionários, os líderes da comunidade de malucos, bizarros e psicopatas que tomou conta da área.

As coisas não são tão simples quanto simplesmente atirar para matar, já que Colt precisa matar os oito em um único ciclo, e cada Visionário tem não só suas próprias particularidades de armas e poderes, como também horários do dia e regiões em que aparecem — e ir para um dos quatro hubs para matar um significa perder a oportunidade de matar outro.

Assim, é preciso encontrar as pistas para entender qual é a ordem ideal para assassinar cada alvo, entendendo e manipulando seus comportamentos conforme vai se aprendendo mais sobre cada um dos oito malucos.

Não só isso, é preciso lidar com as ocasionais invasões no mapa de Julianna Blake, uma Visionária que pode ou não ser controlada por um outro jogador, e que conta com poderes e habilidades semelhantes ao que Colt pode encontrar no decorrer da história.

Arkane Lyon/Divulgação

Isso é algo que o jogo procura apresentar com calma, como minhas próprias impressões iniciais já indicavam: as primeiras 4 ou 5 horas de Deathloop são uma grande introdução para os diferentes elementos do jogo, incluindo os personagens, poderes, mundo e de que formas você pode "brincar" com eles.

Tanto que, no fim daquele texto, disse que foi lá que as coisas pareciam estar se abrindo para uma experimentação maior, e era exatamente isso que o jogo propôs: depois das horas iniciais, o jogo simplesmente te dá um empurrão e diz "vai na fé, faça o que tiver vontade", dando apenas indicações de quando e onde um dos Visionários poderá ser encontrado no mapa.

Daí para frente, o jogador deve vasculhar o terreno por conta própria, lendo documentos, ouvindo logs de áudio, prestando atenção em conversas de inimigos e abrindo cofres e salas secretas para encontrar pistas de como, quando e onde um Visionário pode ser encontrado (ou manipulado a ir) para se tornar um alvo fácil.

E, é claro, tudo é catalogado para que, a qualquer momento, o jogador possa revisitar essas pistas para armar emboscadas ou simplesmente encontrar alguma arma, poder ou "berloque" (como são chamados os upgrades de armas e de habilidades) que o ajude na missão em algum momento.

Se isso soa um pouco mecânico, confie em mim quando digo que a experiência é justamente o contrário: a exploração em Deathloop é extremamente convidativa e até natural, com os quatro hubs repletos de pequenas entradas, saídas e áreas misteriosas que o jogador pode muitas vezes descobrir por acaso, ao simplesmente procurar por um caminho menos trilhado.

E cada nova descoberta, deliberada ou não, agrega a algo maior, mesmo que um ciclo inteiro se passe sem que nenhum Visionário tenha sido assassinado, e sua maior descoberta tenha sido uma nova arma ou uma pista para uma missão secundária.

Isso ajuda até a criar sua própria identidade e estilo de jogo, já que ao matar um Visionário ou explorar o suficiente o jogador pode encontrar Placas com poderes especiais (muitos dos quais jogadores de Dishonored estarão bem familiarizados) e armas de fogo com propriedades únicas.

Colt, porém, só pode carregar três armas de fogo e duas Placas especiais por vez, além de um número limitado para os berloques, e a menos que utilize o chamado "Residuum" que encontra pelo ambiente para infundir esses objetos, os perderá de um ciclo para o outro.

Essa limitação faz com que o jogador tenha que pensar no que ele prefere fazer, no que gosta de fazer, e o que o objetivo pede, pelo menos durante a metade inicial do jogo.

Naturalmente, porém, logo você encontra um loadout no qual se sente mais confortável — "Uma submetralhadora que recupera vida ao atirar em inimigos? Bom, isso nunca vai sair do meu arsenal" —, e esse aspecto em particular da exploração perde força no trecho final.

Arkane Lyon/Divulgação

Ainda não posso dizer o mesmo das diferentes formas de assassinato que o jogador pode submeter aos Visionários, já que mesmo na orderm "correta", tal Hitman é possível se livrar de seus alvos de diversas formas, que vão desde o simples processo de "morte à bala" até verdadeiros quebra-cabeças que levam diversos loops e investigação para serem revelados.

Como falei no texto de impressões iniciais, a inteligência artificial dos inimigos tende a ser bem fraca (com uma exceção em particular), mas isso não quer dizer que eles sejam inofensivos, e grupos grandes tendem a ser letais.

(Colt, pelo menos, conta com uma placa especial que o permite morrer 3 vezes antes do ciclo recomeçar)

O combate, por sua vez, é divertido e variado justamente pelas diferentes formas com que Colt pode lidar com seus inimigos. Não há uma barra moral como em Dishonored, então o jogador pode usar o que bem quiser para massacrar seus inimigos de jeitos criativos, seja conectando-os em uma cadeia enorme de pessoas com a placa Nexo antes de dar um tiro letal até dar uma de Mestre Jedi e lançar todos pelos ares via a habilidade Karnesis — que, ao menos no PS5, ganham contornos especiais com o DualSense e seu feedback háptico ainda mais imersivo.

E, como falei no início, os melhores planos tendem a ir por água baixo se você não tiver cuidado, e o jogo ainda permite uma capacidade de se virar mesmo quando as coisas estão dando errado — algo que aconteceu comigo até momentos finais da campanha, em que dois vacilos na tentativa de matar o último alvo me colocaram em uma corrida desesperada em uma mansão luxuosa e estilosa para assassinar o Visionário enquanto fugia (ou eliminava rapidamente) os inimigos que me perseguiam, aterrorizado de morrer uma última vez e ter que voltar ao início do dia.

"Estilo", aliás, é um diferencial curioso de Deathloop em relação aos jogos predecessores, sendo muito mais colorido, vibrante e despretensioso do que Dishonored ou Prey, adotando a estética sessentista e setentista e dando a elas um ar de declínio e decadência, que vão ficando mais claros a cada momento do ciclo, até serem vistas soterradas de gelo, neve e descaso nas horas finais do dia — e então, tudo se reinicia.

Da mesma forma, os personagens centrais são bem menos soturnos do que figuras como Corvo Attano, Sokolov ou Hiram Burrows, mas logo se mostram tão sombrios (e curiosamente multifacetados) do que contrapartes em diferentes projetos da Arkane.

Arkane Lyon/Divulgação

A história em si tem suas reviravoltas e momentos impactantes, mas ela se mostra bem secundária, com direito a um final um tanto abrupto e em aberto.

Porém, Deathloop é a típica experiência em que a jornada vale mais do que o destino em si, e o verdadeiro tesouro são os psicopatas que foram mortos pelo caminho.

E, como um bônus essencial, o jogador pode inverter os papéis e passar a invadir outras partidas como Julianna. Mesmo controlada pelo computador, a personagem pode ser uma inimiga formidável para Colts desavisados, mas a tensão se potencializa ao ver que há outro humano te caçando.

Conforme for ganhando pontos, Julianna ganha mais armas e habilidades, garantindo ser um pesadelo em potencial para quem quiser jogar como Colt online.

Minha sugestão, porém, é que vale esperar um pouco para controlar a personagem, já que a familiaridade com o mapa pode ajudar muito a derrotar um jogador inimigo: em uma das minhas invasões, por exemplo, ouvi um som de minas explodindo, e sabia exatamente para onde deveria ir para encontrar meu alvo.

Arkane Lyon/Divulgação

A este ponto, não acho que Deathloop seja meu jogo favorito da Arkane (jogue Dishonored 2 se puder, por favor), mas é talvez o mais acessível e recomendável para outros. Ele pega muito do que funcionou nos títulos anteriores do estúdio, dá seu próprio tom, e traz suas próprias novidades à fórmula.

Mesmo com alguns problemas, desvendar os mistérios de Blackreef foi uma experiência recompensadora, e ainda sinto que há muito que eu não tenha descoberto mesmo ao fim dos créditos.

A meu ver, Deathloop é um dos jogos essenciais de PC e PS5 em 2021, e seja lá quando chegar ao Xbox Series X|S — e sabemos que deve estar inclusive no Game Pass, considerando os novos donos da Bethesda.

Nota do crítico