3 anos de Prey: O que BioShock e System Shock podem aprender com o jogo
Game de 2017 da Arkane Studios trouxe a fórmula clássica dos immersive sim para a geração moderna
Através de todas as mídias é comum ver tendências que vem e vão. Isso é fácil de notar mesmo olhando apenas para os jogos de tiro, que foram das salas de Doom para as arenas, corredores e combinações mais sofisticadas.
Durante os anos 1990, uma dessas tendências que marcou os shooters foi a do chamado "immersive sim" (ou simuladores imersivos), uma mistura de FPS com RPG onde o jogador usa um conjunto de mecânicas da forma que bem entender, para criar soluções criativas para seus problemas. Com System Shock, Thief e Deus Ex, o subgênero teve grandes sucessos nos anos 1990 mas, com o tempo, deu lugar a jogos de tiro mais bombásticos e, consequentemente, mais roteirizados.
Enquanto uma ou outra encarnação deu as caras ao longo das décadas, como BioShock, não é exagero dizer que os immersive sim ficaram no passado.
Pelo menos até 5 de maio de 2017.
Naquele data, 3 anos atrás, a Arkane Studios, conhecida pela saga Dishonored (por si só uma sucessora espiritual de Thief), lançou Prey. O survival horror coloca o jogador à bordo da Talos 1, estação especial que está sendo tomada por uma força alienígena chamada Typhoon. Usando o que encontrar pelo caminho como forma de se proteger, é preciso sobreviver e encontrar uma forma de impedir as criaturas.
As primeiras horas dão bastante foco à narrativa de Morgan Yu, protagonista — que pode ter seu gênero selecionado, diga-se de passagem — que se encontra em um estranho loop temporal até descobrir ser parte de um experimento. O que vêm em seguida, porém, é pura excelência mecânica.
Com um enorme arsenal de habilidades e equipamentos, há a variedade que se espera de um FPS moderno. O que surpreende mesmo é que o jogo não restringe as formas que se pode usar cada uma delas. A GLOO Gun, por exemplo, que atira gosmas que se solidificam, pode tanto imobilizar inimigos quanto criar pontes e escadas improvisadas para acessar áreas trancadas. Todo combate pode ser evitado ou contornado, com o jogador no comando de como abordar o momento-a-momento das situações. Mesmo salas trancadas podem ser invadidas de formas criativas, como quebrando janelas e se transformando em objetos pequenos para passar por elas.
Prey nunca se limita a soluções roteirizadas, mas sim encoraja a exploração de seus controles.
A liberdade de abordagem para o jogador é o conceito definitivo do immersive sim, e o jogo se destaca não só por levar isso adiante com o poder das físicas modernas, mas também por aliar isso ao enorme desenvolvimento narrativo que os games passaram nos últimos anos. Títulos como System Shock foram revolucionários em sua forma de contar histórias, com uso do ambiente e de colecionáveis de texto e áudio. Em Prey, e-mails e registros de áudio dos habitantes de Talos 1 marcam presença, e a Arkane não decepciona na escrita.
É possível fechar a trama principal, que acompanha Morgan desvendando os furos em sua memória e confrontando seu irmão, sem se importar com nada do universo, mas fazer isso enfraquece muito de seu apelo. Há um impressionante trabalho de criação de personagem para cada um dos funcionários da estação espacial. Através dos textos e mensagens de voz, não só se aprende mais sobre o que aconteceu, mas também sobre quem eram essas pessoas e como se relacionavam — Segredos, flertes e intrigas são revelados, e nem sempre com “recompensas” palpáveis atreladas, apenas o prazer de ir ligando as pontas de forma orgânica.
O roteiro brilha em seus momentos mais sutis, e descobrí-los sem ninguém forçando a sua mão torna tudo ainda mais especial.
Por mais que tenha gerado um burburinho quando saiu, é uma pena que Prey não tenha tido o reconhecimento que merece. A Arkane pegou um gênero pouco explorado na geração atual e o expandiu com carinho, atenção aos detalhes e escrita afiada.
Curiosamente, dos anos para cá, os fãs de immersive sim estão lentamente recebendo boas notícias, não só com games como Dishonored mas também na forma do anúncio de System Shock 3 — embora infelizmente o projeto tenha encontrado problemas significativos —, o remake do primeiro game da série — que após uma pausa no desenvolvimento está previsto para 2020 — e também um novo BioShock.
Resta torcer que a volta da vilã SHODAN, e o retorno ao universo de Rapture e Columbia, aprenda uma coisa ou outra com Morgan Yu e sua chave inglesa.