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Os melhores jogos de 2020 na opinião de Victor Campos Ferreira

Pensamentos sobre videogames em um ano lixo

Por Victor Ferreira 23.12.2020 12H41

Eu não preciso te dizer que o ano de 2020 foi terrível: você está vivendo, ou viveu, ele.

... A não ser, claro, que tenha encontrado esta lista perdida em algum canto da internet em algum momento do futuro distante. Espero que as coisas estejam melhores por aí - embora tenha minhas dúvidas.

Além das crises médicas e existenciais, este ano ajudou a escancarar mais das práticas abusivas e problemas inerentes da indústria de games moderna - e, da minha parte, uma desilusão cada vez maior de jogos de grande porte.

(Neste meio-tempo eu também comecei a fazer um podcast aqui no The Enemy)

Ainda assim, tanto este setor quanto principalmente a indústria independente trouxeram alguns títulos incríveis neste ano tenebroso, e vale a pena reconhecê-los.

Confira abaixo:

Kentucky Route Zero

Eu não sei se existe algo semelhante a Kentucky Route Zero.

Não só como um jogo de videogame. Como qualquer tipo de arte ou entretenimento no mundo.

Em sua forma mais básica, ele é um adventure point-and-click, que também traz elementos de games primordiais como Zork. Mas ao seguir sua jornada e atravessar as várias estradas e caminhos - seja no mundo “real” ou no estranho mundo dentro da rodovia Zero -, os desenvolvedores da Cardboard Computer tentam formas cada vez mais diferentes e experimentais, que vão desde uma peça de teatro até uma linha de telefone dentro do próprio mundo.

É possível identificar uma densidade enorme, e influências e referências de Samuel Beckett e Arthur Miller até a Sierra Games. Ao mesmo tempo, esta bagagem cultural não é estritamente necessária para entender e se identificar com a história do motorista Conway e o grupo que forma pelo caminho, pessoas perdidas e engolidas por endividamento, demônios pessoais, e buscas por novos sentidos após o colapso do Sonho Americano.

Há um lirismo e poesia intensos, ao mesmo tempo em que conta com um realismo cruel e melancólico, que me fazem lembrar dos livros de John Steinbeck situados na Grande Depressão.

De muitas formas ele é mais (e menos) do que um videogame tradicional, e eu deixei de parar de pensar nele enquanto nosso mundo entrava cada vez mais em colapso.

Kentucky Route Zero está sendo lançado desde 2013 de forma episódica, e mesmo incompleto já inspirou alguns jogos que aprecio como Night in the Woods e (o MVP) Disco Elysium.

Agora que chegou ao fim em 2020, espero que mais desenvolvedores o utilizem como base para outras diversas criações.

Hades

Hades é um dos jogos com maior nível de equilíbrio de qualidade em todos os seus elementos que já joguei.

O gameplay é viciante e surpreendentemente balanceado, trazendo não só vantagens e desafios com cada arma diferente à disposição do jogador, como mantém o jogador engajado mesmo em momentos de frustração ao morrer e voltar para sua Casa antes de recomeçar sua caminhada para fora do Inferno.

A história é envolvente, e sua forma de ser contada a conta-gotas ajuda o jogador a não se sentir totalmente derrotado ao cair em batalha, já que agora terá oportunidade de descobrir mais de seus personagens, suas circunstâncias, e o mundo que habitam.

Seus diálogos são excelentes, e há raras repetições em conversas. A trilha sonora se destaca mesmo em um ano com composições incríveis. A arte é esplendorosa. Todos os elementos se encaixam e se complementam quase perfeitamente.

Kentucky Route Zero é meu jogo favorito do ano, mas se fosse recomendar algum jogo desta lista a qualquer um, seria Hades.

Yakuza: Like a Dragon

Yakuza tornou-se rapidamente uma das minhas franquias favoritas nos últimos, com essencialmente todos os jogos que joguei dela sendo no mínimo bons para ótimos.

Yakuza: Like a Dragon mantém a qualidade, e mostra que a equipe de desenvolvimento não tem medo de fazer mudanças radicais, decidindo não só mudar o protagonista e ambientação principal com Ichiban Kasuga e Yokohama, como mudar o combate para um RPG por turnos.

Ainda assim, o jogo mantém o espírito especial da franquia, com suas intrigas criminosas, irreverência e bizarrice essencialmente intactos, e fazendo ligações interessantes com a recém-terminada saga de Kazuma Kiryu para fãs de longa data.

Final Fantasy VII Remake

Eu nunca fui muito longe no Final Fantasy VII original, invariavelmente deixando o jogo de lado algum tempo depois de sair de Midgar.

Por isso, agradeço ao pessoal da Square Enix ao dedicar um jogo inteiro desta iniciativa só a essa parte da história, já que é a única da qual tenho uma referência maior além dos memes e spoilers de décadas atrás

Mas não bastasse isso, Final Fantasy VII Remake consegue expandir de forma excelente o que antes eram apenas momentos breves na narrativa original, da equipe da AVALANCHE até a vida debaixo do disco de Midgar, além de tudo relacionado ao Wall Market - que me fez lembrar, curiosamente, da série Yakuza.

E já que citei trilhas sonoras anteriormente, o game traz composições memoráveis que continuam na minha cabeça meses mais tarde, sejam versões rearranjadas do jogo original ou músicas novas - a versão instrumental de Hollow no Setor 5, em particular, tem sido uma companheira ocasional nos meses de 2020.

FVII Remake me envolveu com este capítulo inicial, e aguardo ansiosamente para ver os próximos jogos da série.

Doom Eternal

Doom Eternal é um jogo capaz de te deixar fisicamente exaurido com seu ritmo de batalha intensamente veloz e violento.

As lutas são essencialmente coreografias improvisadas (com muito sangue), em que o jogador usa de pensamento rápido para neutralizar algum inimigo, trocar de arma, ou usar de seu equipamento secundário - motosserra, lança-chamas, etc. - para recuperar seus recursos e continuar no seu ritmo de destruição.

E, de forma impressionante, a equipe da id Software conseguiu implementar este gameplay de pensamento rápido de forma excelente e intuitiva, fazendo você se sentir uma máquina de matar - pelo menos até encontrar um inimigo que o faça mudar sua estratégia até achar seu ritmo de novo.

Menção honrosa: Fitness Boxing/Fitness Boxing 2

Já não sendo uma pessoa exatamente pequena, a quarentena de 2020 não ajudou em nada minha forma física.

Por sorte, eu tenho meu Switch, e apesar de não ter comprado Ring-Fit Adventure quando tive a chance (e sem planos de gastar mais de mil reais por um aqui no Brasil), Fitness Boxing e Fitness Boxing 2 serviram para compensar a impossibilidade de ir para uma academia ou sala de ginástica.]

É longe de ser perfeito, com alguns problemas frustrantes de detecção de movimento nos socos ou nos passos, mas nos últimos tempos tenho conseguido fazer todas as propostas de exercícios sem errar um soco, e - mesmo que seja mentira - ser ranqueado com uma “idade fitness” de 18 anos (sendo que já faz mais de uma década que tinha essa idade) dá uma ajuda na auto-estima.

Em circunstâncias normais eles não entrariam nesta lista, mas como 2020 não teve nada de comum, achei ao menos digno dar um espaço já que são os games em que devo ter dedicado mais horas no ano.

Pior jogo favorito: Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise

Poderia chamar Deadly Premonition 2 de um jogo “bom”? Não.

(A categoria diz “pior jogo” por um motivo)

Há problemas técnicos, design de gameplay pouco inspirado, e algumas decisões extremamente questionáveis em termos de elaboração das missões e sidequests do jogo.

Mas quer saber? Que se foda.

Ter uma nova chance de seguir as aventuras de Francis York Morgan, desta vez guiando um skate por uma cidadezinha da Louisiana com uma jovem sidekick ao seu lado ainda foi uma das experiências mais divertidas para mim neste ano, e tal qual seu predecessor conta com diversos momentos surpreendentemente fortes e emocionantes.

Eu não recomendaria Deadly Premonition 2 da mesma forma que não recomendaria o primeiro jogo para qualquer um, mas ainda é possível ver a paixão que Hidetaka Suehiro tem por este mundo e personagens, por isso a meu ver ainda merece um pequeno espaço aqui.