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Funcionárias de estúdio de Batman: Arkham relatam assédio e abusos

Matéria do The Guardian revela que trabalhadoras chegaram a escrever carta em 2018, mas pouco foi feito desde então

Por Victor Ferreira 19.08.2020 15H53

A Rocksteady, da série Batman: Arkham e o vindouro Suicide Squad: Kill the Justice League, é a mais nova produtora de games a ser acusada de ter um ambiente de trabalho tóxico, com funcionárias reclamando de uma cultura com declarações ofensivas e comentários inapropriados até episódios de assédio dentro da empresa.

Uma reportagem do jornal britânico The Guardian revela que, em 2018, 10 das 16 mulheres que trabalhavam na empresa escreveram uma carta reclamando de comportamentos como "termos inapropriados em relação à comunidade trans", "discussões sobre uma mulher de forma sexual ou derrogatória com outros colegas", e assédio sexual "na forma de avanços sem consentimento, olhares para partes do corpo de uma mulher, e comentários inapropriados no escritório."

Dois anos depois, de acordo com uma das funcionárias da companhia que decidiu se manter anônima, não houve avanços significativos sobre o assunto.

"Eu ouvi tudo desde acusações de apalpadas até incidentes envolvendo [equipe sênior], sendo todos homens", disse ao The Guardian. "Mas a única coisa que tivemos como resultado foi um seminário com a companhia inteira que durou uma hora. Todo mundo que atendeu teve que assinar uma declaração confirmando que eles receberam o treinamento. A sensação era de que era apenas uma forma de eles se protegerem."

A carta se manteve interna na companhia em parte pela cultura de segredos da Rocksteady, e em parte por medo das envolvidas de terem seus nomes removidos dos créditos do jogo do Esquadrão Suicida, já em produção na época.

A reportagem também indica que a cultura predominantemente masculina do estúdio se reflete no design dos personagens, como a Mulher-Gato e a Hera Venenosa da série Batman: Arkham.

Após a publicação da matéria do jornal, uma das ex-funcionárias da Rocksteady que formulou a carta, a roteirista Kim MacAskill, lançou um vídeo próprio reforçando as críticas da cultura tóxica da empresa.

MacAskill diz que a companhia é "inepta" ao lidar estes casos com seriedade, o que levou ao que ela considera uma minoria entre a equipe ao abusar de suas colegas.

"A maioria das pessoas, e eu realmente quero dizer a maioria - 97%, 98%, talvez seja 99% - dos desenvolvedores naquele estúdio são algumas das pessoas mais gentis com que conheci", disse. "Eles são gentis, respeitosos, são maravilhosos e talentosos e me fizeram me sentir muito incluída."

A roteirista destaca um caso em específico de uma mulher que sofreu abusos constantes de outro funcionário que ainda trabalha para a Rocksteady, desde toques e mensagens inapropriadas até declarações falsas de que eles estariam em um relacionamento sexual.

Apesar das denúncias ao departamento de Recursos Humanos, o homem ainda teve contato direto com a funcionária que o acusou, deixando-a em um estado emocional vulnerável.

"Foi uma época horrível", declarou. "Ninguém perguntou se estávamos bem [...] Você se sentia como um alienígena, que ninguém quer chegar perto."

De acordo com ela, o RH a avisou para não se reunir com outras mulheres pelo risco a seu emprego, e que logo ela foi demitida pela companhia não ter como pagá-la - substituindo-a por outro roteirista um mês depois.

Por fim, MacAskill pede publicamente para ter seu nome removido do jogo.

"Ao ver que as coisas não melhoraram, Rocksteady, estou pedindo formalmente para que vocês retirem meu nome de seu game", disse. "Eu não quero ser associada com seu jogo, eu não quero ser associada com sua companhia."

Procurada pelo The Guardian, a Rocksteady fez o seguinte pronunciamento:

"Desde o primeiro dia na Rocksteady Studios, temos o objetivo de criar um lugar em que pessoas são bem-cuidadas, um lugar fundamentalmente construído via respeito e inclusão", diz um representante.

"Em 2018 recebemos uma carta de algumas de nossas funcionárias mulheres expressando preocupação que tinham no momento, e imediatamente tomamos medidas firmes para resolver os problemas levantados. Nos dois anos seguinte ouvimos cuidadosamente e aprendemos com nossos empregados, trabalhando para garantir que cada pessoa na equipe sinta-se apoiada. Em 2020 somos ainda mais focados do que nunca para desenvolver nossa cultura inclusiva, e estamos determinados a nos erguer por nossa equipe."

Além disso, a reportagem do jornal indica que, após entrar em contato com a companhia, uma reunião foi realizada para discutir a carta pela primeira vez, e novas medidas foram prometidas para prevenir ainda mais discriminação dentro da equipe.

A divulgação da carta da Rocksteady vem em meio a uma série de denúncias de assédio e abuso contra empresas e desenvolvedores conhecidos da indústria de games. A Ubisoft, em particular, foi abalada com a divulgação de diversos casos de abuso de poder e assédio sexual, o que promete levar a uma reformulação significativa dentro de sua chefia.

[ATUALIZAÇÃO]: Posteriormente, a Rocksteady publicou a seguinte mensagem, redigida "sem solicitação" por 7 das 8 mulheres que ainda trabalham na Rocksteady que assinaram a carta original fizeram o seguinte pronunciamento.

“Este pronunciamento é enviado como representação das mulheres que trabalham atualmente na Rocksteady Studios que em 2018 assinaram uma carta em relação a problemas sendo enfrentados por funcionárias femininas.”

“O pronunciamento não foi de forma alguma pedido, ou influenciado, pela gerência ou qualquer um. Estas são apenas as vozes das envolvidas que ainda estão empregadas atualmente pela Rocksteady. Todas sentimos a necessidade de responder a isso e refletir o que realmente aconteceu na época e como isso foi tratado desde então.”

“Recentemente um artigo foi publicado no The Guardian em relação a essa carta que foi enviada aos chefes do estúdio e Recursos Humanos em 2018, além de múltiplas outras acusações. Neste artigo, sentimos que a fonte ou fontes anônimas tentaram falar em nome de todas as mulheres na Rocksteady, e não acreditamos que ele seja representativo de nós, os eventos da época ou desde que a carta foi recebida.”

“Quando a carta foi recebida pelo estúdio, ações imediatas foram feitas que resultaram em diversas reuniões com as mulheres do estúdio para nos permitir um espaço seguro para falar sobre qualquer problema que estávamos enfrentando, descobrir estratégias para resolver estas questões e o que o estúdio poderia fazer seguindo em frente. Esforços contínuos têm sido feitos para garantir que tenhamos voz dentro de nosso trabalho e do estúdio, variando desde envolvimento específico em como nossos personagens são representados em workshops para ajudar a criar autoconfiança dentro de indústrias dominadas por homens. No decorrer de tudo isso, uma promessa firme foi feita de que sempre teríamos um fórum aberto para que pudéssemos falar e que problemas fossem tratados com seriedade.”

“Nenhuma das atuais funcionárias do estúdio envolvidas com a carta foram contatadas sobre ela ser divulgada na imprensa até serem informadas pelo estúdio. Na época em que trabalhamos na carta original, ficou afirmado que isso seria um assunto privado já que isso é o que havíamos pedido coletivamente. Sentimos que nossa privacidade e desejos foram desrespeitados, e um assunto privado tornou-se público. Isso nos fez nos sentir violadas pela fonte ou fontes já que isso foi mantido como privado por razões pessoais para todos os envolvidos, não por segredos da indústria.”

“Gostaríamos de concluir este pronunciamento reafirmando a importância de qualquer minoria dentro da indústria de games a falar abertamente e para que estúdios levem a sério, como a Rocksteady levou na época e continua fazendo, qualquer alegação trazida a eles e se esforçar para criar ambientes seguros para trabalharmos e conseguirmos criar grandes jogos.”