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Jogamos: Dragon Age: The Veilguard completa “Mass Effect”-ização da série

BioWare abraça elementos de ação, reduz escopo do mundo e dá foco a companheiros e facções em novo capítulo

Por Victor Ferreira 19.09.2024 12H00

Dragon Age sempre parece ter tido um problema de identidade.

De 2009 até agora, a franquia de fantasia da BioWare passou por reformulações radicais a cada novo capítulo: Origins começou sendo uma atualização mais sombria e pesada dos RPGs de computador do fim dos anos 1990, que fizeram o estúdio ganhar fama; Dragon Age II, feito mais às pressas, acabou simplificando elementos do seu predecessor, deu maior foco ao combate, e limitou a narrativa a uma cidade; Dragon Age: Inquisition foi na pegada oposta, trazendo vários mapas abertos (talvez até demais) e equilibrando mais as mecânicas de RPG ao estilo de Baldur’s Gate.

Dez anos mais tarde, e ao que tudo indica Dragon Age: The Veilguard representa uma nova guinada, agora plenamente no lado “ação” do espectro do RPG de ação. Além disso, o formato de mundo aberto foi abandonado em favor de hubs representando diferentes cidades e regiões de Thedas. O estilo de arte também passou por mudanças significativas, o que causou uma estranheza inicial.

Mais do que isso, o jogo parece querer focar especificamente na relação entre Rook, protagonista da vez – e, por extensão, o jogador –, com os companheiros de aventura. Tanto que a BioWare decidiu mudar o nome do game nesta reta final.

Com isso, e depois de horas de teste de jogo, se precisasse comparar The Veilguard com outro jogo do histórico da BioWare, seria Mass Effect 2.

O que, falando como alguém que é mais fã de Mass Effect do que Dragon Age, me parece ao mesmo tempo bom e ruim.

Ruim no sentido de que sou alguém que gosta da ideia de que a franquia de fantasia da BioWare deveria ter uma identidade de gameplay separada – especialmente algo mais em linha com os primeiros jogos do estúdio, como era a proposta de Origins e, em menor escala, Inquisition.

Bom, no sentido de que Mass Effect 2 é um dos meus jogos favoritos de todos os tempos, e ao que parece a equipe de desenvolvimento aprendeu as lições certas que aquele game apresentou.

À convite da Electronic Arts, The Enemy teve a oportunidade de jogar cerca de 7 horas de The Veilguard, e é visível que a BioWare está bem confiante quanto ao seu próximo jogo.

E, apesar de ainda ter algumas questões e possíveis ressalvas quanto ao jogo, esta confiança tem fundamento.

Rasgando o Véu

Dragon Age: The Veilguard é uma sequência direta de Inquisition e, especialmente, do DLC Trespasser.

Após descobrir os planos do elfo Solas – revelado como o tal Dreadwolf/Lobo Temido do título original –, para destruir o Véu (que ele mesmo criou) e reunir o mundo físico e espiritual mais uma vez, o anão Varric cria uma rede de contatos e parceiros para impedir isso.

É aqui que entra o novo personagem jogável, Rook. Assim como em Inquisition, esse protagonista é totalmente customizável pelo jogador, que pode selecionar desde sua raça – entre humano, elfo, anão e qunari –, passando por detalhes de gênero – incluindo pronomes e opções não-binárias, para irritação do tipo de pessoa que sinceramente não deveria ficar surpreso com esse tipo de coisa vindo da BioWare em 2024 – e escolhas de passado e origens.

Em termos de editor de personagem, este é certamente o mais robusto da história da BioWare, com diversas opções de customização ao rosto, cabeça, biotipos físicos, altura, alternativas de voz, entre outros vários detalhes.

Um elemento que achei especialmente interessante foi a opção de diferentes fontes de iluminação, para dar uma ideia de como será a aparência de Rook em ambientes e luzes variados.

Quem já criou seu próprio personagem de um jogo da BioWare sabe bem que o que parecia bom no editor pode ficar terrível no mundo em si, então essas diferentes luzes ajudam bastante na hora de ajustar detalhes.

Outro aspecto bem curioso foi a possível escolha de passado e facção de Rook, incluindo desde grupos como os Grey Warden/Guardiões Cinzentos até outros como os Dragões das Sombras (resistência à elite dominante do Império Tevinter) e os Corvos Antivanos (uma ordem de assassinos que opera na cidade de Trevisto).

Embora não sejam origens na escala dos personagens de DA: Origins, a escolha do passado traz diferenciais para a campanha, seja nas opções de diálogo e relações com certos personagens, até bônus de dano contra certos tipos de inimigos ou itens e poderes específicos.

Curiosamente, mesmo jogando com legendas em português do Brasil, os personagens ainda se referem ao personagem como “Rook”, mesmo não sendo um sobrenome ou (aparente) título específico. É possível definir seu primeiro nome, enquanto o sobrenome vem da escolha de classe (Combatente, Errante, Mago).

Em inglês Rook pode ser usado tanto para se referir a alguém novato (referente à “rookie”) quanto à Torre no tabuleiro de xadrez. Mas se o nome não foi traduzido, fico curioso qual vai ser a justificativa desse nome “universal”.

De qualquer forma, após a criação de Rook, o início do jogo é essencialmente o mesmo do que foi mostrado no vídeo de revelação de gameplay em junho, mostrando Rook, Varric, Harding e Neve indo até a capital do Império Tevinter, Minrathous, para impedir Solas.

E, como naquele vídeo, as coisas acabam não saindo nem como os heróis ou como Solas planejavam: o Véu é mantido, mas membros do Evanuris, divindades élficas que o Lobo Temido aprisionou tempos atrás, conseguem retornar para Thedas, e recomeçar seu trabalho monstruoso.

Mas, com a adaga de Solas capaz de manipular o Véu e acessar os diferentes espelhos espalhados pelo continente, Rook tem como missão derrotar esses autodeclarados deuses.

Para isso, porém, é necessário formar tanto uma equipe, quanto ganhar favor das diversas facções espalhadas pelos diferentes cantos de Thedas.

O Farol na escuridão

Uma das principais mudanças de DA: The Veilguard em relação a Inquisition é que o formato em mapas de mundo aberto foi abandonado em favor de diferentes hubs diferentes.

O lugar onde você provavelmente deve passar a maior parte do seu tempo vai ser o Farol, um lugar no Imaterial/Fade que, no passado, serviu como base de operações para Solas na sua guerra contra os deuses, e que agora serve o mesmo propósito para você e seus aliados.

Assim como locais como o Skyhold e a Normandy, o Farol é o centro de operações onde você pode interagir com seus companheiros de equipe, melhorar seus equipamentos, entre outras opções antes de partir para o mundo mais uma vez.

Pelo visto, ele também conta com diversos segredos sobre o passado do próprio Solas, que podem ser revelados ao explorar diferentes partes do mundo e adquirir diferentes objetos ou memórias específicas.

Pelo Farol, você também tem acesso à Encruzilhada, um local do Imaterial onde é possível atravessar os espelhos que Solas usava para se transportar pelas diferentes regiões de Thedas, sendo o lugar central para descobrir novas rotas para as cidades e locais que você deve visitar durante a missão.

Em entrevista com The Enemy, o diretor de level design e quests, François Chaput, diz que a mudança de mundo aberto para hubs foi derivada da estrutura narrativa mais focada do jogo.

“Isso [também] nos permitiu a ter lugares mais variados, pontos de referência mais variados e memoráveis”, disse. “Também nos dá a oportunidade de surpreender mais jogadores do que no passado.”

De acordo com Chaput, essas surpresas vem por meio do design de “camadas” desses mapas mais focados que a equipe de design implementou, em que cidades como Trevisto e Minrathous e regiões selvagens têm diferentes caminhos e passagens secretas que podem conter desde novas armas ou upgrades até elementos de lore e narrativa como as memórias de Solas.

O diretor de arte Matt Rhodes foi ainda mais incisivo nos comparativos: “François e eu trabalhamos com o jogo que tem as Hinterlands nele, e aprendemos lições com isso.”

Durante a demo, era possível ver que as diferentes áreas exploradas – desde o Farol até as cidades e mesmo os descampados – contavam com caminhos alternativos e áreas escondidas, às vezes acessíveis só fazendo uma curva diferentes, e outros mais elaborados, que envolvem um mínimo de quebra-cabeças.

Como alguém que reclamou recentemente de excessos de mundos abertos desnecessariamente largos e vazios, hubs fechados com um bom level design são sempre bem-vindos.

Isso posto, apesar das várias horas de teste, não houve tanto tempo para a exploração de lugares maiores como as diferentes cidades, então é difícil saber a este ponto o quão denso são estes mapas de fato.

De fato, o foco maior do teste foi no combate.

Ação com RPG

O combate de Dragon Age: The Veilguard pode ser descrito sucintamente como “Mass Effect 2-like”, mas com armas brancas ao invés de armas de fogo futuristas.

Entre as grandes mudanças desta nova reformulação está o fato de que, agora, apenas Rook é o personagem controlável durante tanto o combate quanto a exploração, e que não é possível trocar para os outros membros da party.

Não só isso, assim como em Mass Effect, a party agora é limitada a apenas três personagens, ao contrário de quatro como em jogos anteriores.

Como é de se esperar de um jogo que abraçou mais os elementos de ação, o ritmo de combate também é significativamente mais acelerado, com as únicas pausas vindo de quando você ordena seus companheiros via o menu radial que já é lugar-comum nos títulos da BioWare.

Em seus elementos mais básicos, o combate de The Veilguard se baseia em combos e golpes variados contra inimigos. Para carregar suas habilidades especiais, Rook deve causar dano em inimigos ou fazer parries e desvios precisos para preparar um contragolpe especial.

Não só isso, dependendo da habilidade, você deve carregar mais de uma barra de energia para utilizá-la. Os poderes de seus companheiros, enquanto isso, mantém o sistema de “cooldown”.

Há um elemento de pedra-papel-tesoura na hora de lutar contra diferentes inimigos, já que diferentes facções contam com diferentes vulnerabilidades: Darkspawn, por exemplo, sofrem com fogo, enquanto o Culto Venatori, do Império Tevinter, é mais fraco com poderes de gelo. E por aí vaí.

Isso também faz com que seja bom levar em conta tanto os próprios poderes e encantos em armas de Rook, quanto quem ele deve levar em combate. Por exemplo, ao levar a qunari Taash em uma missão contra os Venatori, acabei levando bem mais tempo do que deveria derrotando os inimigos, já que ela tem habilidades totalmente ligadas a poderes de fogo – dos quais eles tem resistência.

De qualquer forma, mérito onde é devido, o combate acelerado em DA: The Veilguard é bem divertido, embora não igualmente entre as classes, ao meu ver.

Após horas com as três vertentes, Rogue/Errante parece de longe a mais divertida, tendo uma boa mistura de velocidade para rodopiar pelo campo de batalha, contra-ataques absurdamente satisfatórios e danosos ao fazer o parry no timing correto, e o arco e flecha para enfrentar inimigos à distância.

Já o loop de combate dos magos me parece um pouco repetitivo demais, e apesar da capacidade de mini-teletransportes durante as lutas para evitar golpes, o ritmo das lutas não parece ser tão bom para uma classe tão focada em feitiços e golpes à distância.

(Mas, eu sou o primeiro a admitir que nunca fui um grande entusiasta de jogar como mago, então talvez alguém mais adepto ao estilo encontre mais diversão do que eu)

Warrior/Combatente pende mais para o Errante no lado desta balança, e embora o ataque à distância não ser tão bom quanto o da outra classe, o fato de ser um arremesso de escudo é satisfatório a sua própria maneira.

Durante o teste, também ficou claro que Dragon Age: The Veilguard é um jogo com esquema ideal para um controle do que para mouse e teclado. Honestamente preferi um ou outro aspecto no teclado (gosto do TAB para pausar o combate e escolher as habilidades do menu radial), mas no geral o layout não é muito intuitivo, ao ponto de não saber como pular com o personagem.

De certa forma, isso também é um microcosmo dessa nova guinada de Dragon Age, já que o fato de o novo jogo da série que surgiu para modernizar os conceitos do RPG de computador que a BioWare fazia nos anos 90 não é tão bom de se jogar no teclado e mouse é um tanto melancólico.

Mas, se o estúdio se sente mais confortável migrando para ter um foco bem maior na ação, ao menos parecem ter conseguido fazer isso de um jeito bom (e até melhor do que tentativas passadas).

De certa forma, a mudança de título para dar foco aos seus companheiros parte de um princípio parecido.

Pilares fundamentais do Véu

The Veilguard se refere ao grupo formado por Rook para enfrentar as divindades élficas e (como o nome diz) proteger o Véu das ameaças vindas do Imaterial para Thedas.

Se, fazendo a comparação novamente com Mass Effect 2, o processo de recrutar e ajudar esses companheiros a virarem um grupo capaz de lidar com missões impossíveis for um dos grandes focos narrativos do jogo, acredito que o sucesso dele vai depender de como os jogadores vão responder a eles.

Matt Rhodes chega até a chamá-los de “pilares estruturais” do jogo, não só por serem seus companheiros, mas por serem representantes das diferentes facções que o jogador deve se aliar durante a aventura.

“Eles servem um propósito narrativo, um propósito de combate e um propósito de marketing”, explica. “Mas eles também são as vozes de suas facções. Por isso Davrin, por exemplo, é sua perspectiva principal sobre os Guardiões. Então você vê eles quase se transformarem pela visão dele.”

“Por ser um jogo mais focado em missões, de várias formas. Então muitos dos que momentos você vai compartilhar com os companheiros vão ser nessas missões. Então como dar variedade para isso?”, diz Chaput.

“Em algumas missões, todos eles vão te acompanhar. Já no espectro oposto, em outras missões você vai passar tempo sozinho com Neve em Minrathous ou com Davrin em um lugar que ele queira te levar”, continuou. “Então você vai poder ter esse espectro de ver como eles trabalham uns com os outros e também seus momentos mais íntimos.”

Serem figuras essenciais nesse nível, portanto, exigem que boa parte deles sejam carismáticos o suficiente para os jogadores.

Durante o teste, admito que já surgiram preconcepções: Bellara parece se encaixar no padrão de “mulher super animada com artefatos/tecnologia/etc.” que a BioWare costuma adorar fazer, e que com exceção da Tali em Mass Effect sempre me deram nos nervos; Neve parece se encaixar nos mesmos moldes da Miranda; Lucaris é meio que o Ezio de Assassin’s Creed com problemas com demônios, mas menos legal do que esse conceito aparenta.

Por outro lado, Emmrich é um necromante parecido com o Vincent Price, então eu já gostei dele e espero que não me arrependa.

Dia dos Dragões

Ainda há muitas dúvidas quanto ao que The Veilguard vai oferecer, mas pelo menos tenho uma sensação mais clara do que o jogo é – e de como a BioWare quer que ele seja visto – do que nos últimos anos.

Levou uma década para a sequência de Dragon Age: Inquisition chegar, e talvez não venha do jeito que muitos gostariam, mas pelo menos aprecio e entendo a confiança da equipe de desenvolvimento, e espero que ela seja recompensada.

Dragon Age: The Veilguard chega em 31 de outubro para PC, PS5 e Xbox Series.