Review: Tell Me Why
Novo game da Dontnod conta história bonita, mas com motivação fraca, e traz escolhas muito mais fáceis do que jogos anteriores
A Dontnod adora trazer relevância para temas sociais em seus jogos, e não é diferente em Tell Me Why. O game traz dois gêmeos como protagonistas: Alyson e Tyler Ronan, sendo este último um homem transsexual.
Da mesma maneira que em outras histórias contadas pela desenvolvedora, o jogo não utiliza a transsexualidade de Tyler como item central para a história - claro que existem discussões sobre os impactos que isso traz às pessoas ao redor do personagem, mas a identidade de gênero do garoto passa longe de ser o fio condutor do enredo.
A história, na verdade, fala muito mais do reencontro dos irmãos gêmeos, que não se viam há dez anos, e a sua revisita a um passado enterrado: Mary-Ann, mãe dos garotos, teve uma morte traumática quando eles ainda eram crianças. Desde então, essas lembranças ficaram quase que intocadas na memória de Alyson e Tyler, e agora terão de vir à tona novamente.
O clássico elemento sobrenatural que a Dontnod sempre traz aos seus títulos gira justamente em torno das memórias de Alyson e Tyler: juntos, os gêmeos conseguem “rebobinar” suas lembranças e visualizar cenas de seu passado como se estivessem acontecendo naquele momento. Esse recurso faz parte de um laço ainda mais forte, chamado por eles de Voz, que permite telepatia e compartilhamento de emoções.
Gameplay à la Life is Strange
Não procure muitas novidades de jogabilidade em Tell Me Why. O game possui praticamente as mesmas características que Life is Strange já trazia: opções rápidas de diálogo, e a possibilidade de examinar (e, por vezes, coletar) objetos que estão espalhados pelo cenário são os principais elementos disponibilizados ao jogador.
Uma das poucas diferenças é, naturalmente, a ferramenta de rebobinar suas memórias. Jogando no PC, pressionar a barra de espaço permite que os personagens visualizem silhuetas de suas lembranças e, eventualmente, também libera novas opções de diálogo telepático entre os irmãos.
Talvez a grande adição seja a maior presença de puzzles. A casa dos gêmeos Ronan é repleta de locais com algum enigma a ser resolvido. Elementos assim já apareciam em Life is Strange 2, como no capítulo onde Daniel ajuda uma artista a construir uma estátua, mas ganham mais força e importância nesse novo game.
Os quebra-cabeças são bem-vindos e trazem uma dinâmica mais interessante ao game, obrigando o jogador a pensar um pouco antes de prosseguir no enredo. Uma sequência com vários puzzles consecutivos, inclusive, é provavelmente a parte mais divertida entre todos os três capítulos.
Escolhas nada punitivas
A maioria dos video games possui um objetivo bem claro. Normalmente, é derrotar o último chefão e salvar o mundo ou seja lá o que for, mas mesmo jogos com foco narrativo possuem uma premissa clara: o próprio Life is Strange 2, por exemplo, mostra a história de Sean e Daniel rumo ao México; Sea of Solitude pede que o jogador retome seus laços com todos os familiares, e por aí vai.
Em Tell Me Why, essa meta é quase que abstrata. Claro, Alyson e Tyler querem remexer antigas lembranças a fim de entender tudo que cercava a morte de sua mãe, ao mesmo tempo em que precisam vender sua antiga casa para conseguir seguir em frente com suas vidas.
Por mais que, escritos dessa maneira, os objetivos dos personagens sejam bem claros, eles não se traduzem de uma forma tão convincente assim para o game. Os dois primeiros capítulos são repletos de momentos que deixam o jogador sem uma grande motivação para seguir em frente.
Esse problema fica maior ainda com a indecisão, tanto de Tyler quanto de Alyson, a respeito do que fazer com suas próprias vidas. Revirar as memórias é um processo doloroso, claro, mas os protagonistas chegam à beira de desistir dessa “aventura” mais de uma vez - e se o jogador já não comprava a premissa da história antes, fica complicado quando o próprio roteiro parece querer desistir dela.
Felizmente, o encerramento do segundo capítulo e todo o desenvolvimento do terceiro compensam bem esse vai e vem de motivações. O último episódio de Tell Me Why amarra praticamente todas as pontas necessárias para que a história seja coesa.
Outro ponto fraco é a facilidade em se tomar decisões no game. As escolhas que fortalecerão a relação entre os gêmeos são sempre bem claras, e raramente significam que o jogador terá de abrir mão de alguma outra coisa. Em outros jogos da Dontnod, as opções soavam mais como um “trade-off”, onde cada uma delas trazia lados positivos e negativos muito bem definidos.
Ao menos, a última grande decisão a ser tomada no game foge um pouco dessa regra, colocando o jogador contra a parede em uma escolha bem difícil. De qualquer maneira, é pouco para compensar as decisões sem sal presentes nos três capítulos.
No fim das contas, a narrativa de Tell Me Why é bem contada e traz momentos com alguma carga emocional, mas não funciona tão bem no formato que a Dontnod utiliza há tanto tempo. Sem colocar nenhum sentimento de “culpa” nas escolhas do jogador e com motivação fraca para seu desenrolar, a história fica com muito mais cara de filme ou seriado do que de video game.
Os pontos fortes, como sempre, vão para a excelente trilha sonora, que embala alguns momentos chaves da trama - algo que já é quase marca registrada do estúdio. Outro ponto, também clássico da Dontnod é o cuidado para se tratar da transsexualidade de Tyler. Novamente, ela passa longe de ser um fio condutor para os fatos, mas o impacto de sua identidade de gênero para os personagens ao seu redor fica bem claro.
Em um apanhado geral, a história de Alyson e Tyler fica bem atrás da belíssima relação construída por Daniel e Sean nos cinco capítulos de Life is Strange 2. Ainda assim, o game possui seus méritos e certamente vale as pouco mais de 8 horas gastas, principalmente com a sua presença no catálogo do Game Pass.