Jogos em preto e branco são raros. Não à toa, o anúncio de Trek to Yomi, em junho de 2021, chamou a atenção de quase todos os espectadores. Dos fãs mais acostumados com a originalidade característica da Devolver Digital aos jogadores que nem sequer conheciam bem a empresa.

Esse fator não deixa de ser marcante ao longo de toda a experiência. Somos constantemente bombardeados com quadros simplesmente inacreditáveis que, talvez, nem fossem viáveis com cores mais vivas. Trek to Yomi é um show de fotografia, se é que isso faz sentido para um game. Aliás, nós jogamos no PS5, mas o game também está disponível para PS4, Xbox Series, Xbox One e PC.  

Toda a iluminação, pensada cuidadosamente para os enquadramentos das câmeras estáticas, valoriza os cenários — da arquitetura aos personagens — com um brilhantismo artístico chocante. Poucas são as "tomadas abertas" (perdão por pegar emprestado mais um termo do cinema) que não nos fazem parar por alguns segundos e apreciar a visão do horizonte. 

De vez em quando, ver nosso personagem tão pequeno em relação ao que existe em volta dele pode gerar certa confusão ao tentarmos entender por qual caminho seguir. O mesmo vale para as mudanças de câmera — que, no maior estilo da trilogia clássica de Resident Evil, é uma faca de dois gumes. 

Se, por um lado, câmeras fixas viabilizam enquadramentos cuidadosamente planejados para impactar o jogador, por outro, nos perdemos muitas vezes em relação à direção na qual precisamos seguir para encontrar o caminho certo e avançar. 

Quando vemos o cenário seguinte por um ângulo em que o caminho de onde viemos parece o caminho para a frente, pode existir certa confusão. Mas, tudo bem. Com o tempo, nos acostumamos.

Acompanhando a ocasional confusão da câmera, existe também uma questão sonora um tanto frustrante: quando ouvimos um diálogo acontecendo por uma perspectiva específica, quando a câmera muda, as vozes dos personagens são cortadas abruptamente. 

Faz parte. Ao mesmo tempo, às vezes, é difícil não sentir certa decepção com não podermos ouvir um diálogo entre NPCs até o final. Por mais desinteressante que pareça. 

O espetáculo visual de Trek to Yomi vem acompanhado por uma jogabilidade que remete, de certa forma, a Samurai Shodown, no sentido de que os combates com espadas são bem punitivos.

Antes de prosseguir, vamos falar sobre o que está em jogo: Trek to Yomi conta a história de Hiroki, um jovem samurai que jurou proteger a vila onde cresceu após perder uma pessoa muito importante. 

Surpreendentemente, aliás, escolhas feitas ao longo da jornada de Hiroki podem levar a diferentes desfechos. Amor, dever, nenhum. Jogadores terão de escolher o que priorizar conforme avançam. 

Durante a maior parte do tempo, jogadores de Trek to Yomi precisam apenas seguir adiante derrotando inimigos em lutas rápidas. A maioria dos adversários pode ser derrotada com apenas dois golpes, mas alguns inimigos mais complicados surgem com o tempo. 

Conforme avançamos, surgem também novos combos e armas secundárias que podem ferir inimigos à distância. Para uma parcela considerável dos jogadores, o desafio pode parecer algo entre moderado e pouco elevado, mas a excelente localização dos checkpoints agiliza bastante as novas tentativas. 

Então, mesmo que existam algumas punições severas para erros em combate, você pode tentar de novo sem muita espera. Isso torna tudo muito menos cansativo. 

Como em tantos outros casos, a sensação de derrubar inimigos é extremamente saborosa. Estar cercado por inimigos mais resistentes e sair sem tomar nem um golpe sequer é maravilhoso. O mesmo vale para lutar contra um chefão e ver a saúde dele diminuindo com velocidade enquanto esquivamos e aparamos golpes com perfeição. 

Só é uma pena que as batalhas contra chefes não sejam mais numerosas. Essa camada de dificuldade extra cairia muito bem, já que estamos falando e um título que pode durar menos de cinco horas.

Bom, pelo menos a duração do game favorece novas jogatinas, de maneira que fazer todas as escolhas de diálogo disponíveis ao longo da experiência é viável. 

Aliás, não pense que o Japão Feudal é única e exclusivamente realista. Elementos fantásticos também fazem parte de Trek to Yomi e são inseridos de maneira bastante orgânica. Hiroki tem bastante contato com o sobrenatural, em uma jornada de autodescoberta, aceitação e redenção. 

Não faltam motivos para elogiar Trek to Yomi. A estética, o combate, a trilha sonora, pequenos enigmas não tão complexos que surgem na segunda metade do jogo. Estamos falando de um título fundamental para fãs de histórias de samurais, apesar dos elementos fantásticos. 

A história talvez tenha uma resolução menos "pomposa" do que o resto da aventura pode nos levar a esperar, mas o game mostra como câmeras fixas e jogabilidade 2.5D ainda podem ser usadas com maestria no momento atual da indústria. Além, obviamente, de mostrar que jogos podem, sim, se aproveitar da estética em preto e branco sem ser por meio de um filtro ou algo do tipo. De muitas maneiras, é um experimento. Muito bem sucedido, inclusive.