Review: Plucky Squire nos lembra do porquê de gostarmos de games
Apesar de proposta ambiciosa, jogo apaixona com simplicidade e inocência
Talvez você concorde comigo que, depois de certa idade, videogames às vezes parecem com trabalho. Campanhas gigantescas como Final Fantasy VII Rebirth ou Dragon’s Dogma 2, para usar exemplos recentes, são tão boas quanto intimidadoras, e nos obrigamos a jogá-las para fazer valer o dinheiro que gastamos ali, deixando a diversão em segundo plano. The Plucky Squire, ou O Escudeiro Valente, foi o jogo que me lembrou por que esse hobby — que, no meu caso, já virou um trabalho mesmo — é tão apaixonante.
Para quem acompanhou os dois previews que já rolaram deste game, no Summer Game Fest e depois em teste remoto promovido pela Devolver, o hype deve estar gigantesco. Escudeiro Valente foi revelado de maneira já ambiciosa, colocando pra jogo a mecânica 2D - 3D, e tudo que veio depois disso reforçou que o jogo poderia ser algo especial. Com a versão completa em mãos, posso garantir que é mesmo.
Você controla Pontinho, bravo guerreiro e protagonista de um livro de fantasia, em uma missão para acabar com as malvadezas de Enfezaldo. O mago maléfico encontrou uma maneira de expulsar o Escudeiro de sua própria história, tomando o papel de protagonista para si próprio, e cabe a Pontinho retomar seu lugar de direito.
Explorando todo o reino de Mana, o Escudeiro precisará enfrentar os perigos de seu mundo e também de outros universos que existem lá fora, especialmente o quarto de Sam, garoto que é dono de seu livro. A aventura, como já sabemos, mistura as diferentes perspectivas de 2D e 3D para compor o gameplay, mas há muitos ingredientes além desses dois.
O Escudeiro Valente traz elementos de ação e puzzle, combinando ambos em quase todas as fases de seus 10 capítulos. Sair e entrar de seu livro para reposicionar itens e encontrar caminhos alternativos para avançar é o núcleo do game, que eventualmente traz sequências mais longas em um “mundo” ou outro.
Dentro de seu livro, o foco fica um pouco mais no quebra-cabeça. Reposicionar palavras da história para conseguir seguir em frente, à la Baba is You, acontece bastante; no quarto de Sam, a aventura está mais próxima da ação e plataforma, mas há convergências em todos os sentidos. Será necessário enfrentar inimigos no mundo 2D, assim como resolver puzzles tridimensionais.
Isso é feito de forma bem dinâmica: é difícil explicar apenas com palavras, mas a perspectiva é algo extremamente importante nesse jogo. O posicionamento de um objeto no mundo 3D irá afetar seu comportamento no mundo 2D. Inclinar as páginas do livro, por exemplo, pode arrastar uma caixa pesada de um lado para o outro da fase.
Mesmo nos cenários 2D, há brincadeiras divertidas com as perspectivas — na imagem de destaque deste artigo, Pontinho atravessa bandeiras usando uma corda que está no mundo real, mesmo com ele próprio estando dentro das bandeiras. Uma sequência específica, usando peças de quebra-cabeça, também é um bom exemplo do recurso.
Sendo honesto, Plucky Squire poderia tranquilamente ser apenas um jogo com essa ideia interessante de alternar entre os mundos, e já seria bem divertido. Felizmente, ele não para por aí: novas mecânicas são mostradas ao jogador sempre que o game ameaça ficar repetitivo, e isso abre espaço para uma série de homenagens a vários gêneros de games.
Ritmo, Beat’em up, Shooter, RPG por turnos, Stealth e até Bejeweled são alguns dos formatos explorados pelo Escudeiro Valente em sua missão de derrotar Enfezaldo, e cada nova ideia jogada pelo estúdio All Possible Futures sempre arranca um gostoso sorriso de seu rosto.
O carisma não fica só no gameplay. Mesmo sem ter falas, Pontinho é um protagonista divertidíssimo de acompanhar, mas quem realmente rouba a cena são seus companheiros: o trio Manada composto por ele, Violeta e Batera dá uma inocência belíssima para a história, que aborda de forma didática algumas das inseguranças que sentimos ao crescer.
Em um núcleo mais secundário, o mago Barbaluar é o humor ácido necessário para equilibrar o tom do game, e seus embates com Enfezaldo sempre rendem algumas risadas em meio às piadas infames.
Nada disso seria possível sem o excelente trabalho de localização feito para esse game. A única voz que escutamos é a do narrador interpretado por Mauro Ramos, dublador com extensa carreira e que você deve conhecer como o Pumba de Rei Leão, dando ritmo ao enredo; no texto, é fácil reparar nas liberdades que foram tomadas para dar um ar mais brasileiro à história, mas nenhuma delas parece fora de lugar, como costuma acontecer especialmente em animes.
Para veteranos dos games, The Plucky Squire é uma reconfortante história que nos relembra do porquê de gostarmos disso: sem perder a vibe positiva em nenhum momento, o jogo passa por vários gêneros e referências consagradas em um ritmo excelente, sem perder a própria identidade — afinal, a história ainda é sobre Pontinho, e não sobre a indústria de jogos.
Por outro lado, o jogo também pode ser uma ótima porta de entrada para aqueles que ainda não se apaixonaram pelos games. Durante toda a campanha, tudo que eu conseguia pensar era que, se eu tivesse um filho, certamente jogaria O Escudeiro Valente com ele. A aventura de Pontinho pode até ser simples, em oposição ao ambicioso formato adotado pelo jogo, mas não deixa de ser repleta de lições importantes, que podem servir de inspiração tanto para crianças quanto para adultos.