Quem gosta minimamente de Star Wars já se imaginou, pelo menos uma vez, como seria estar na pele de um jedi, das acrobacias com o sabre de luz ao uso da misteriosa Força. Mas, como Luke Skywalker, Obi-Wan Kenobi, Darth Vader e tantos outros nos mostraram ao longo de décadas, tornar-se um jedi é um caminho árduo, tortuoso e trabalhoso.
Star Wars Jedi: Fallen Order consegue transpor, em um jogo, essas duas faces da heróica ordem que protagoniza o universo criado por George Lucas, para ensinar uma lição primordial: melhor professor, o fracasso é.
Eu me dei conta disso lá pela décima tentativa de enfrentar a Nona Irmã, uma chefe que desafia o protagonista Cal Kestis por volta da metade do jogo. Com um porte musculoso e um sabre de luz duplo, ela era uma oponente formidável, cujos movimentos poderosos davam pouca chance de defesa.
Mas, a cada vez que eu fui derrotado, aprendi um pouco mais sobre seu padrão de ataques. Sobre como defendê-los, sobre como se esquivar. Sobre como saber a hora certa para contra-atacar, e sobre que golpes utilizar. Quando finalmente derrotei a Nona Irmã, a luta foi surpreendentemente fácil. Era como se eu tivesse não apenas entendido completamente meu oponente, mas também entendido o meu próprio poder.
Esse processo de transformação tão característico das histórias de Star Wars (e da “Jornada do Herói” de Joseph Campbell que a saga cinematográfica ajudou a popularizar) é uma parte intrínseca do novo game da Respawn Entertainment, fruto de uma jornada de quase cinco anos que começou com a chegada de Stig Asmussen ao estúdio. O desenvolvedor, por sua vez, volta à direção de um jogo pela primeira vez desde God of War III, lançado em 2010.
Jedi: Fallen Order é um jogo cuja missão definitiva é fazer o jogador se sentir um jedi, mas a jornada até chegar lá tem suas dificuldades. Para traduzir isso em termos interativos, Asmussen e sua equipe pegam emprestado elementos de vários jogos, mas uma influência se destaca: a do estilo impiedoso de tentativas, erros e acertos popularizado por Hidetaka Miyazaki em Dark Souls.
Quero manter ao mínimo as comparações com os jogos da FromSoftware nessa análise, portanto, vamos adiantar o óbvio: sim, esta é basicamente uma versão Dark Souls de um jogo de Star Wars, ao menos no combate, um dos pilares da jogabilidade. A movimentação mais cadenciada, a existência de uma barra de fôlego, o cuidado com a defesa, a atenção ao timing dos acertos de ataques e até mesmo a ressurreição dos inimigos ao salvar o jogo estão entre os elementos presentes em Jedi: Fallen Order.
Embora a influência de Miyazaki seja evidente, ela serve a um propósito: a ambientação do jogador na história.
A tempestade a caminho
Situado no intervalo entre a trilogia clássica e a dos prelúdios de Star Wars, Jedi: Fallen Order acompanha Cal Kestis, um jovem que era padawan durante a fatídica Ordem 66, que eliminou a Ordem Jedi e abriu caminho para a ascensão do Império. Após o evento, ele se afasta da Força e vive escondido em um planeta de catadores, até que um evento fatídico o coloca novamente na rota do Império.
Cal é salvo de última hora por Cere Junda, uma ex-jedi, e Greez Dritus, capitão da nave Mantis. O resgate, é claro, tem seu preço: Cere quer que Cal cumpra uma missão deixada por outro mestre jedi: Eno Cordova, que escondeu, em mensagens crípticas deixadas no droide BD-1, um holocron contendo localizações de uma potencial próxima geração de jedi em um templo antigo.
Para acessar o arquivo, no entanto, Cal precisa se provar confiável, e viajar por vários planetas atrás dos segredos dos Zeffo, uma antiga civilização que também podia utilizar a Força. No caminho, o jovem precisa se reconectar com seu passado, e lidar com os traumas deixados pela caça aos jedi promovida pelo Império.
Tanto em sua jornada para resolver os mistérios de Cordova, quanto para recuperar sua conexão com a Força, Cal e seus aliados passam por situações típicas que já vimos nos filmes. Neste ponto, Jedi: Fallen Order joga seguro, fazendo poucas invenções e se apoiando em situações já testadas e aprovadas em outras histórias de Star Wars. Sem dar muitos spoilers, aqui tem de tudo um pouco: explorações de cenários místicos, batalhas épicas contra droides e exércitos de Stormtroopers, intervenções de sindicatos do crime, entre outros eventos.
Muito embora o jogo faça uso o tempo todo de elementos já existentes no universo de Star Wars, especialmente de personagens, planetas e instituições presentes nas animações Clone Wars e Rebels, vale ressaltar que a história funciona de forma independente, e não requer nenhum conhecimento hardcore da franquia, embora as referências estejam lá para os que conhecem bem os materiais que cercam a saga contada nos cinemas.
Mesmo jogando seguro, Jedi: Fallen Order traz uma trama agradável e intrigante, ainda que um tanto previsível para quem já viu tantas histórias sobre formações de jedi. Isso acaba se tornando uma fraqueza no final da história que, sem dar spoilers, parte para um desfecho meia-boca, ainda que tenhamos uma participação especial nos últimos minutos de um personagem bastante conhecido.
Controle, controle
Embora a história seja o fio condutor do jogo, mais interessante é como essa jornada se desenrola com o controle na mão. Já contei sobre como Jedi: Fallen Order ensina por meio da frustração no começo do texto, mas é importante ressaltar também o ótimo trabalho da Respawn em passar a sensação de aprendizado por meio da progressão dos seus poderes.
Seja por meio de habilidades desbloqueadas com pontos de experiência, seja com desbloqueios do uso da Força que acontecem no decorrer da história, você vai ganhando opções de combate à medida que Cal vai se aproximando da plenitude de seus poderes. E, à medida que isso vai acontecendo, a sensação de poder desbalancear o campo de batalha ao seu favor é uma das mais recompensadoras em Jedi: Fallen Order.
Após algumas horas, os mesmos stormtroopers que davam um trabalhão se tornam inimigos simples de vencer, muitas vezes sendo derrotados com poucos golpes, ou sendo completamente desarmados por meio de puxões, empurrões e paralisações realizadas com a Força.
O senso de progressão também é complementado por uma galeria de inimigos relativamente versátil. Além do Império, que persegue o jogador ao longo da aventura, as criaturas que habitam cada planeta também oferecem uma variedade e dificuldade em certos pontos da jornada que servem bem para testar o jogador.
Isso se traduz no chefe ocasional em Zeffo e Kashyyk, ou em uma fera selvagem gigante mais ameaçadora do que o normal em Bogano. Quando você chega em Dathomir, um dos pontos mais avançados da história (que, de forma inteligente, está disponível desde o começo do jogo para oferecer um desafio a jogadores mais ousados), o salto de dificuldade é visível, mas você está mais do que preparado para lidar com o desafio.
Aqui, também vale fazer uma rápida explicação dos níveis de dificuldade, que interferem na agressividade dos inimigos, no dano recebido e no tamanho da janela de aparo. No padrão, Cavaleiro Jedi, a janela de aparo é maior e a agressividade, menor. A jogabilidade se assemelha mais ao padrão FromSoftware na dificuldade superior, Mestre Jedi, que pode até parecer um nível “médio” por ter todas as barrinhas no mesmo nível, mas é, sim, mais desafiador.
Até aqui, a galáxia te trouxe
Falando em planetas, um dos aspectos mais fascinantes de Jedi: Fallen Order está na construção dos cenários. É impressionante a forma como a Respawn produziu os planetas a serem explorados por Cal, e como eles vão se revelando ao longo da aventura, em múltiplos níveis.
Jedi: Fallen Order permite que você escolha para quais planetas vai, independentemente do seu ponto na história. São áreas grandes que vão se interconectando por meio de atalhos, de modo que formam grandes circuitos.
O mais surpreendente, entretanto, se revela um pouco mais à frente na aventura, quando retornamos a planetas que já visitamos e, utilizando poderes recém-adquiridos, abrimos segmentos inteiros a serem explorados por meio de passagens em partes já conhecidas. É como se aquilo sempre estivesse ali, aguardando para ser visto.
É claro que essa filosofia, no melhor estilo dos metroidvania, também é usada para esconder colecionáveis, que vão de (muitos) pedaços de sabres de luz a skins para Cal, o simpático BD-1 e a nave Mantis, que leva os heróis pela galáxia.
Esse senso de descoberta também é amplificado pelos belo visual de Jedi: Fallen Order, tanto em quesitos artísticos quanto técnicos. Uma das poucas partes irrepreensíveis destes seis anos de Star Wars sob a batuta da Electronic Arts está nos gráficos, e aqui não é diferente.
Aqui, vale ressaltar um ponto específico da versão de PC, que utilizamos para o teste (especialmente após a polêmica da exigência de 32GB de RAM perto do lançamento). Utilizamos um PC situado entre os requisitos mínimos e recomendados, com 16GB de RAM e uma GTX 1060, e o jogo sofreu em alguns momentos de transição de cenário, com engasgos leves na taxa de quadros.
Apesar de a exploração dos cenários ser deslumbrante, aqui reside o único ponto fraco do jogo: os maus controles de plataforma. Todos os mapas contém segmentos de pulos e escaladas no estilo Uncharted. Contanto que você fique dentro dos limites impostos para a movimentação de Cal, tudo bem, mas não há margem para erros. Felizmente, é algo que impacta pouco a experiência, já que você retorna imediatamente ao ponto de onde pulou e é penalizado com a perda de vida.
De modo geral, Star Wars Jedi: Fallen Order cumpre o que promete - o que, levando em conta o retrospecto da EA com Star Wars, é muito. Os bons controles de combate, a excelente progressão do personagem e a história envolvente (embora previsível) fazem, de fato, você se sentir um jedi.