Review: Sifu ensina o valor e a recompensa em dar murro em ponta de faca
Jogo da Sloclap é difícil (para não dizer frustrante), mas com um dos melhores combates dos últimos tempos
Foi durante minhas primeiras horas com Sifu, após ser novamente massacrado, humilhado e repetidamente morto pelo chefe da segunda fase, que meu cérebro febril e delirante conseguiu traçar um paralelo inesperado com outro game.
Não foi com Absolver, jogo anterior do estúdio Sloclap, já que nunca tive contato com o game; nem com algo conhecido por seu nível de dificuldade extremo, como um Dark Souls da vida (embora a barra de Estrutura só me lembrar de Sekiro).
O game que me veio à mente foi Dead Rising.
Para quem não sabe ou lembra do curioso clássico (pelo menos para mim) da Capcom, Dead Rising contava com um sistema de progressão um tanto diferente — e até polêmico na época — em que, ao atingir um ponto em que era simplesmente incapaz de seguir em frente, o jogador tinha a oportunidade de recomeçar o jogo com o nível e habilidades que adquiriu até então.
E embora essa não seja exatamente a mesma proposta — Sifu conta com um quê de roguelite —, você provavelmente se vai bater em alguma parede em algum momento, e logo se verá repetindo fase após fase, e até voltando para anteriores, seja para terminá-las em uma idade menor, descobrir novas técnicas, mudar a progressão do seu personagem, ou simplesmente pelo bom e velho "grind" de experiência.
O que não é exatamente o tipo de coisa que esperava desse jogo quando foi revelado no início de 2021, mas funciona (na maior parte).
Sifu é um jogo desafiador, brutal e, em vários momentos, extremamente frustrante. Fazia tempo que não berrava de ódio do jeito que fiz com minha TV nesses últimos dias, morte após morte, porrada após porrada, xingando o mundo, os inimigos, e minha própria incompetência e falta de tempo de reação ao ser derrubado de novo e de novo.
Mas também é um jogo extremamente recompensador ao evoluir seu personagem, não só por meio do desbloqueio de novas habilidades como por seu próprio entendimento das suas mecânicas, da movimentação, passando pelos diferentes combos, e até mesmo os diferentes jeitos de bloquear e evitar os vários tipos de golpes que vem na sua direção.
Sifu conta com uma premissa simples, mas inventiva: você controla um/uma estudante de kung-fu que, quando criança, vê sua escola massacrada e seu pai (e sifu) morto por um grupo de 5 pessoas lideradas por Yang, um antigo discípulo que se voltou contra seu mestre.
Seu personagem também morre no ataque, mas graças a um talismã mágico é revivido minutos depois e, após isso, passa oito anos se preparando e tramando sua vingança contra o quinteto.
Durante essa jornada, caso seja morto novamente em combate, seu protagonista pode reviver novamente. O problema é que há um contador de vidas atrelado a sua ressurreição, que vai aumentando conforme as mortes vão acumulando — 1 morte = 1 ano; 2 mortes; 2 anos; e por aí vai... — e caso não tenha cuidado ou resete esse contador, logo chegará aos 70 anos e, potencialmente, uma morte definitiva.
Mais importante, sua idade carrega de fase para fase. Assim, se terminar a terceira fase com 55 anos e um contador de mortes em 6, vai começar dessa forma no nível seguinte — o que não facilita suas chances de avançar muito mais do que isso.
É uma narrativa simples, com vários clichês de filmes de kung-fu, mas que conta com algumas reviravoltas e revelações interessantes caso o jogador queira revisitar as fases anteriores com o que aprendeu. Não merece exatamente nenhum prêmio de Melhor História no fim do ano, mas faz bem seu serviço.
E de qualquer forma temos cinco vilões e cinco fases. O jogo não deve ser muito longo, certo?
Errado. Como nos jogos longínquos dos anos 80 e 90, essas cinco fases renderão horas e horas de tentativas frustradas, já que Sifu é, em essência, um jogo de tentativa e erro, memorização e domínio de habilidades simples e complexas.
A cada nova fase, e mesmo a cada nova área explorada, o jogador deverá lidar com diferentes situações, procurando derrubar e vencer os inimigos da maneira mais rápida e limpa possível — e seus oponentes não vão deixar isso fácil, sempre procurando te cercar e atacar para quebrar sua guarda e pegá-lo desprevenido.
Um jogo desses simplesmente requer que o gameplay seja engajante, do contrário por que diabos continuar dando tanto murro em ponta de faca?
Bom, Sifu conta com o combate corpo a corpo mais satisfatório que já experimentei em muito, muito tempo. Cada pancada, desvio, bloqueio e aparo são profundamente satisfatórios, assim como as animações de derrubadas especiais ao quebrar a guarda/Estrutura dos oponentes.
Não só isso, conforme vai avançando pela fases e repetindo seus encontros com inimigos, é possível aprender mais sobre o comportamento de cada tipo deles, desde figuras fortes e pesadas até lutadoras mais leves e que utilizam muito mais chutes e rasteiras para te atrapalhar.
E, ao aprender com esse comportamento, é possível encontrar as melhores formas de se defender e contra-atacar.
Não só isso, você ganha pontos de experiência ao derrotar os inimigos, que podem ser usados para desbloquear novas habilidades e golpes, ajudando com o repertório de ataques disponíveis para você, que vão desde combos até a habilidade de agarrar armas no ar.
Meu grande problema com esse sistema é que, embora seja preciso desbloquear essas habilidades várias vezes para tê-las permanentemente, o jogo não comunica a forma desse desbloqueio tão claramente, o que pode causar jogadores desavisados a pegar várias apenas uma vez sem saber que são temporárias, desperdiçando XP precioso no processo.
(Infelizmente preciso admitir que demorei um pouco para perceber isso)
É uma curva de aprendizado grande, quase vertical em alguns casos, mas é recompensador ver que, após tanta dor e sofrimento, você está ao menos começando a entender seus sistemas, e de repente ver que algo que te fez morrer e envelhecer nas primeiras tentativas passou a ser superado com facilidade.
A estética do jogo também merece destaque, contando com uma arte com traços realistas, mas ao mesmo tempo cartunescos, o que faz com que os elementos mais místicos do jogo (especialmente nas segundas fases de cada chefe) casem com a experiência.
O pessoal do Sloclap também se inspira/copia abertamente diversos momentos de ação icônicos do cinema como Oldboy, John Wick e Kill Bill, retrabalhando-os dentro de suas fases de maneira inventiva, e que se encaixam perfeitamente com a vibe do jogo.
Relacionado, gostei dos momentos em que havia algum tipo de jogo de câmera, como ao colocá-la de lado e transformar o game (por um breve momento) em um sidescroller, mas isso só me fez querer ver mais disso, ou coisas diferentes.
E tendo jogado o jogo tanto no PS4 quanto no PS5, admito que acabei me frustrando com os tempos de loading comparativamente mais longos no console mais velho da Sony.
Mas, mesmo com alguns problemas que tive com o jogo, Sifu ainda é um jogo magnífico para quem curte ação e uma pancadaria franca. É um combate gostoso de se jogar, e derrubar um inimigo particularmente perigoso sempre traz uma sensação especial — seja felicidade ao derrubá-lo com facilidade, alívio ao sobreviver à luta, ou resignação e vontade de melhorar ao morrer e voltar para vencê-lo.
Os sistemas de morte e envelhecimento junto com as habilidades e desbloqueios especiais geralmente conversam de forma harmoniosa, e mesmo quando sabia que não iria conseguir terminar a fase propriamente, havia alguma vantagem ou experiência extra que valeu o esforço pelo caminho.
Sifu é um mestre de artes marciais severo, mas qualificado. Você pode sofrer, xingar e berrar ao cometer algum erro e pagar caro por isso; mas, ao entender e superar esse problema, vai se sentir mais forte e completo.