Review: Sekiro: Shadows Die Twice
Respire. Aprenda. Pratique. Tente. Morra mais uma vez. Repita.
O termo “Soulslike” ficou amplamente conhecido nos últimos tempos pelos jogadores por ser exaustivamente usado para se referir a uma das seguintes opções: 1) jogos extremamente difíceis, ou; 2) mecânicas e/ou elementos que lembram os jogos mais recentes (e mais conhecidos?) da From Software - isto é, Demon Souls, Dark Souls e Bloodborne.
A constante associação entre diferentes títulos do mercado e esse “subgênero” é questionável, mas, se você vem acompanhando estes jogos citados acima desde seus lançamentos e ao menos experimentou cada um deles, perceberá que em Sekiro, há uma notável e louvável tentativa de se distanciar desse termo, especialmente levando em conta o segundo ponto.
Existem elementos e mecânicas reconhecíveis em Sekiro logo nos primeiros 15 minutos de jogatina: você ainda precisará conhecer cada inimigo e aprender seus variados comportamentos em combate; existem diferentes rotas a serem seguidas para o jogador escolher; há NPCs que lhe ajudam e fornecem informações importantes; e o jogo se mantém desafiador e sempre te faz perder algo a cada nova morte.
Ainda assim, Sekiro, apenas lembra a trindade de ouro da From Software (comumente conhecida como “Soulsborne”); pois felizmente, o novo jogo dirigido por Hidetaka Miyazaki possui muita identidade própria, a começar pela ambientação, que agora é inspirada no mundo real e em uma era que o Japão realmente viveu, o período Sengoku.
Pegando este gancho, vale apontar como Sekiro se pauta muito mais no enredo do que nas mecânicas. Ainda existem momentos em que você precisará parar, escutar conversas e juntar as informações para entender o que está acontecendo e, assim, conseguir progredir. Todavia, o novo título é mais “narrativo”, por assim dizer.
Por sinal, Sekiro parece ter muito mais diálogos do que seus antecessores. O protagonista, conhecido apenas como Lobo, inclusive, já se difere muito dos personagens que o jogador podia criar nos Soulsborne, já que ele também conversa por si só com os NPCs e tem um temperamento próprio.
Não há classes ou criação de personagens: Lobo é um personagem pronto, ainda que a From Software tenha ousado pouco na concepção dele, apresentando-o no início como um “livro em branco” que, aos poucos, vai descobrindo sobre si e sobre o mundo à sua volta. É um recurso manjado de storytelling e não há nada de errado com isso, para que fique claro. Ainda assim, é um avanço para a já conhecida estratégia de você criar seu avatar e inseri-lo na história.
(Quase) um jogo de luta
O combate de Sekiro é onde o game verdadeiramente brilha. Como já comentado por aqui, ainda será preciso conhecer e aprender como cada inimigo se comporta nas batalhas. Contudo, ainda que você tenha todo o arsenal mais mortal do mundo, se não entender o sistema de repelir (parry) e de postura (stance), jamais chegará longe.
Sekiro é intensamente desafiador - a um nível quase Demon's Souls de dificuldade, mas com os aprimoramentos e estratégias de Bloodborne e Tenchu (outro game que a From Software esteve envolvida), talvez? É uma forma de se colocar. O melhor conselho para dar em termos de “superar os desafios” do jogo certamente é: colete tudo que encontrar pelo caminho, incluindo as moedas de ouro (Sen); e sempre volte ao Templo Dilapidado para conversar com o Escultor e para treinar com Hanbei, o Imortal.
Isso porque o velho usará bastante os itens coletados para fazer melhorias na prótese shinobi de Lobo e, dependendo dos upgrades recebidos, dos inimigos encontrados e/ou das habilidades que você destravar ao comungar nos Ídolos dos Escultor, sempre haverá uma nova opção de treino com Hanbei.
Pratique. Pratique muito com Hanbei. E quando achar que está bom, pratique mais um pouco, como se estivesse em um jogo de luta. Use e abuse dos treinos porque a variedade de oponentes e seus comportamentos durante as lutas sempre poderão te surpreender, então é bom praticar muito e, ao encarar os inimigos, respire fundo e tenha paciência.
Lobo pode não possuir barra de stamina, mas ele tem uma barra de postura, tal qual seus inimigos. E se ela for quebrada, ele ficará temporariamente vulnerável e poderá levar golpes mortais. É importante, portanto, entender como cada oponente se comporta e como quebrar a defesa deles da melhor forma e, para tanto, é necessário paciência e treinamento (e tentativas e às vezes sucesso ou fracasso).
Além disso, técnicas realmente não faltarão para vencer os desafios. Sekiro é um game muito mais vertical do que horizontal e, além da espada, Lobo também pode pular e tem a prótese shinobi que lhe concede o gancho para, assim, alcançar lugares altos e se esgueirar em telhados ou se segurar em beiradas.
Repelir os golpes no momento certo, pular e investir com golpes por cima, usar o machado acoplado no “braço mecânico” para quebrar escudos, usar o gancho para trazer os inimigos para perto de si, arremessar shurikens, usar um guarda-chuva, executar técnicas especiais… Vale tudo para abrir a guarda dos oponentes.
As técnicas da árvore de habilidades, inclusive, são destravadas conforme você batalha e ganha pontos de habilidades, trocando-os pelas técnicas. Então, embora seja recomendado agir furtivamente sempre que possível, engajar combates também é essencial, especialmente contra mini-bosses. Por mais difíceis que sejam, eles recompensam com um bom aumento na barra de pontinhos e com itens preciosos, tais como sementes para aumentar a capacidade da cabaça curativa, por exemplo.
Linhagem do Dragão
Dentre os muitos pontos positivos de Sekiro, um deles é a narrativa e como ela é explorada, mesclando elementos de jogabilidade e também ambientando o jogador em meio a cultura e a mística japonesa. A história começa, inclusive, com Lobo ainda pequeno sendo acolhido pelo Coruja, que se torna seu pai adotivo e mestre.
O flashback acaba com ele acordando à beira da morte e tudo o que sabemos é que Lobo tem um novo mestre, a quem precisa resgatar imediatamente. Este é só o começo da jornada e, claro, apenas a ponta do iceberg. E conforme a história se desenrola, aprende-se que o protagonista tem a habilidade de ressuscitar, possivelmente porque ele faz parte da Linhagem do Dragão.
Em termos de gameplay, isso é ótimo: você recebe mais uma chance caso morra em meio àquela batalha ferrenha contra um chefe, onde estava quase o derrotando. Entretanto, tudo tem um preço e, neste aspecto, Sekiro é bastante justo e honesto. Afinal, abusar de uma habilidade tão boa não poderia apenas beneficiar. É a lei da troca equivalente.
Caso o jogador morra muitas vezes, os NPCs passam a ser atingidos pela “Praga do Dragão”. Essa punição, digamos assim, diminui a porcentagem do Auxílio Oculto, que é basicamente a sua chance de não perder Sen e/ou pontos de habilidade acumulados. Existem formas de reverter isso, claro, mas é uma ótima maneira de manter os jogadores alinhados à disciplina de não abusar de suas habilidades místicas e também de praticar bastante para tentar não ser derrotado pelos inimigos.
Em Sekiro, portanto, é necessário sempre se manter atento ao que é dito ou mostrado em texto no jogo. Apesar de ser mais “acessível” e mais fácil de ser “aprendido”, por assim dizer (mas definitivamente difícil de se “dominar”), não é um título para se jogar quando se estiver com muito sono ou cansado. Ele exige atenção e empenho e isso, infelizmente, pode acabar afastando alguns jogadores de primeira viagem - ainda mais pela fama de ser um game da From Software e, por causa disso, ser previamente tachado como difícil.
Difícil não é bem a palavra, mas sim desafiador, já que exige disciplina e treinamento; algo que apenas um verdadeiro shinobi poderia dominar. Vale ainda ressaltar que todo esse misticismo nipônico e envolvente é embalado por belos gráficos (ainda que exista uma queda ou outra de desempenho aqui e acolá, nada grave) e pela magistral trilha sonora de Yuka Kitamura, a mesma compositora de Dark Souls II e III e de Bloodborne.
Considerando que vivemos o fim de mais uma geração de consoles, Sekiro: Shadows Die Twice é o jogo definitivo para os veteranos e entusiastas dos Soulsborne e uma ótima forma da From Software se despedir. É também o mais fácil de aprender e o mais narrativo, o que o torna bastante atrativo. E, embora seja bastante desafiador, oferece uma interessante disciplina em combates contra criaturas de várias formas e tamanhos. Tudo isso imerso na cultura japonesa em um período feudal complicado. É simplesmente excelente.