Review: Scorn é horripilantemente belo, mas fica só no potencial
A experiência fascina pelo primor estético, mas carece de uma história convincente e gameplay apurado
Criado com a ajuda de uma campanha de financiamento coletivo, Scorn foi anunciado em 2014 por um estúdio independente da Sérvia, a Ebb Software. O game logo chamou a atenção do público por sua proposta única: ser fortemente inspirado pelo trabalho de H.R. Giger, artista plástico suíço responsável por obras do estilo "biopunk".
A estética é, de fato, a alma de Scorn. Essencialmente um jogo de puzzle, o título chega a fascinar e atiçar nossos sentidos, mostrando que tem a pretensão de ser um bom jogo de terror – mas isso é algo que, tristemente, ficou apenas na esfera do potencial.
Labirinto de quebra-cabeças
Mesmo que deixe a desejar como jogo de terror, Scorn mostra brilhantismo de ambientação e quebra-cabeças. O game já tem início com um labirinto de puzzles interconectados, e a experiência de solucioná-los me conquistou instantaneamente.
Tudo começa em uma sala escura em que, no controle de um ser humanoide e cadavérico, o jogador desperta após despencar por um abismo. Seguimos caminhando por corredores serpenteantes e mal iluminados até chegarmos na primeira grande área, a qual pode ser explorada livremente.
Ou quase isso, não fossem as portas trancadas que limitam o acesso a certas salas. Interpretei essa limitação como um sinal de que o jogo teria backtracking, mas esse infelizmente acabou não sendo o caso.
O local parece uma fábrica abandonada, repleta de mecanismos misteriosos que, aparentemente, não possuem mais propósito. Sem qualquer tipo de direcionamento por parte do jogo, seja em texto ou áudio, o jogador deve explorar as salas e testar todos os aparatos até, enfim, perceber que cada um deles corresponde a uma peça do grande puzzle que forma o cenário.
Superar essa sequência, em que um aparelho de solução desafiadora leva a outro, me deixou completamente fascinada. Os quebra-cabeças continuam instigantes e prazerosos até o final do jogo, provando que é um dos pontos fortes da equipe da Ebb Software.
Gostei tanto da primeira área de Scorn que criei um novo arquivo apenas para jogá-la mais uma vez e, para minha surpresa, há mais de um caminho possível para a solução dos puzzles da fábrica. Fique a vontade para depois contar nos comentários quais deles você descobriu.
Ambientação primorosa
O segundo fator de Scorn que arranca elogios é a ambientação. De fato, mesmo com uma identidade visual tão nojenta e grotesca, curiosamente senti falta de um modo de fotografia para capturar as belezas encontradas em cada cenário.
O jogo inteiro parece um clipe da banda Tool: as curvas tortuosas das paredes acinzentadas são cobertas por estranhos pedaços de carne, musgo e cabos ocultam destroços no chão, cadáveres se empilham em cantos da sala.
Os gráficos de alta resolução criados com a Unreal Engine 4 foram usados de forma a tornar tudo ainda mais gore e realista. A mucosidade do sangue, as texturas dos órgãos e os detalhes nos cenários impressionam.
Da mesma forma, percebe-se a intenção por trás do posicionamento dos feixes de luz, que destacam a beleza da arquitetura monocromática e biopunk. Foram vários os momentos em que tirei alguns segundos para contemplar a beleza fotográfica dos meus arredores.
Completa com um design de áudio 3D que atiça os sentidos, em que cada som de osso se partindo e membro sendo despedaçado causa um arrepio na espinha, a direção de arte de Scorn é, sem dúvidas, fabulosa. Para essa análise, o game foi jogado no PC -- por isso, caso jogue no console, fica a indicação para usar fones de ouvido.
Percebe-se o grande cuidado e planejamento empenhados em cada ambiente. Ainda mais considerando que, já que não há falas ou texto, o jogo guia a navegação do jogador sutilmente com pequenas lâmpadas de luz posicionadas para indicar o caminho certo.
Diante de todo esse primor visual, é frustrante perceber que a equipe de desenvolvimento não teve o mesmo empenho na hora de planejar o gameplay.
Um terror de combate
Scorn tinha o potencial para ser muito mais do que é. Tristemente, ele não chega a sequer ser um jogo de terror.
Por mais que tente assustar o jogador com sua ambientação e poucos barulhos repentinos, a experiência final é tão desbalanceada que não amedronta nem entretém.
Ao contrário da primeira área, o restante do game é bastante linear. Não há perseguidores ou sequer inimigos – na verdade, os monstros hostis passam a aparecer de fato perto da quarta hora de jogatina.
Sabendo que bastam cerca de sete horas para completar o game, parte considerável da experiência é estranhamente vazia e monótona. Pior, a partir do ponto que os inimigos começam a aparecer, o combate torna tudo mais frustrante do que o necessário.
A quantidade de vida e munição à disposição do jogador é consideravelmente pequena frente ao dano causado pelos oponentes. As armas seguram poucas balas por vez, o que faz com que o recarregamento seja constante — pena que o tempo que o protagonista leva para carregá-las é agonizantemente lento.
Para complicar ainda mais a situação, há pouquíssimas estações de cura e recarregamento espalhadas pelo cenário. Ficar sem balas e sem vida é algo recorrente, tornando evidente que Scorn se beneficiaria muito com um sistema de progressão, mesmo que simples.
O resultado é que você provavelmente vai morrer muito nesse jogo – morrer e voltar com pouca vida e munição em um ponto de salvamento localizado na cola dos inimigos, sendo fácil cair para um simples cuspe de galinha alienígena. E falando em pontos de salvamento, alguns deles são posicionados de forma espaçada demais.
Por exemplo, em certo trecho fui abatida cerca de 15 minutos depois de fazer a batalha de chefe. Mesmo passado tanto tempo de jogo, voltei para antes do confronto, como se minha vitória não tivesse sido registrada. Não apenas tive que encarar a tortuosa batalha de novo, como tive que recuperar todo o progresso perdido.
A batalha de chefe a que me refiro é a única presente no jogo inteiro – sim, a única – e ela é, de fato, tortuosa. Não há munição suficiente para abater o inimigo, sendo necessário recorrer à arma mais fraca do jogo. Ela não requer balas, mas precisa ser disparada muito próxima ao inimigo, tornando o jogador um alvo fácil.
O monstro também possui pouquíssima variedade de golpes e uma inteligência artificial falha – é recorrente vê-lo preso no pé das estruturas redondas da sala. Realmente, parece haver algo de errado com a hitbox de certos elementos, pois mais, ao tentar fugir de um inimigo, fiquei presa em um cabo no chão e acabei abatida.
Caso fosse melhor balanceada, a proposta de gameplay implicaria, sim, em um desafio interessante a ser vencido. Mas, no fim, o sentimento é que faltam recursos e refinamento para que o jogador tenha chances parelhas de se defender contra os poucos perigos existentes.
Potencial não cumprido
Scorn levou oito anos para ficar pronto e, ao jogar o resultado final, fica claro que faltou mais tempo de desenvolvimento. O jogo tem sucesso em atiçar nossos sentidos com uma ambientação primorosa e puzzles desafiadores e bem feitos, mas carece de uma história convincente e um gameplay apurado para tornar o tempo investido, de fato, proveitoso.
O game se beneficiaria de recursos básicos de terror e sobrevivência, como perseguidores, mais inimigos, progressão e até mesmo um botão que faz o personagem virar de costas rapidamente para fugir, como em Resident Evil.
Além disso, Scorn não oferece qualquer ferramentas de acessibilidade. Junto aos vários conteúdos gráficos e, em certo ponto, até pornográficos, que o título possui, o apelo parece pequeno demais, mesmo em um serviço de amplo alcance como o Xbox Game Pass.
No fim, a experiência possui roupagem grotesca e bela, mas carece de bom conteúdo para preenchê-la e dar-lhe um sentido.
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