Review: Resident Evil Village
Nova jornada de Ethan Winters oferece uma experiência balanceada tanto para fãs de horror quanto de ação
A esta altura, a habilidade de se transformar e se reinventar já faz parte do DNA de Resident Evil que, depois de criar o horror de sobrevivência há 25 anos, se aventurou no gênero da ação, até retornar às suas raízes pouco tempo atrás. Mas e o novo Resident Evil Village? Onde se encaixa nesse espectro?
Após concluir uma campanha com cerca de 10 horas e rejogar por mais algumas horas trechos avulsos e conteúdo pós-game, eu posso dizer que esse não é apenas um jogo melhor e mais ambicioso do que o último capítulo da série principal, mas também é uma experiência bem balanceada entre terror e ação, poder e vulnerabilidade, que acaba lembrando em vários aspectos outro grande jogo da franquia: o amado (e por alguns odiado) Resident Evil 4.
O que está acontecendo em Village
Resident Evil Village é Resident Evil 8, uma continuação direta do Resident 7 e protagonizada de novo pelo “cidadão comum” Ethan Winters. Village expande a experiência claustrofóbica de uma casa em Louisiana, nos Estados Unidos, para muita exploração a céu aberto em uma vila cheia de construções centenárias no inverno da Romênia.
A história se passa dois anos depois dos acontecimentos na casa Baker. Ethan tinha se mudado com Mia para a Europa, onde os dois viviam uma vida tranquila com sua filha recém-nascida Rose, até que a criança é raptada por motivos misteriosos.
Chris Redfield, que está presente na série desde o primeiro Resident Evil e que ajudou Ethan no jogo anterior, está de volta, mas desta vez aparentemente como antagonista. O pai desesperado então precisa buscar sua filha enquanto tenta sobreviver na tal vila que dá nome ao jogo e enfrenta uma mulher muito poderosa e venerada na região, conhecida por Mãe Miranda — além dos seus quatro filhos.
Aqueles que não jogaram os jogos antigos (ou mesmo os remakes) não precisam se preocupar: Village tem uma história que é bem contida em si mesmo e que depende apenas dos eventos do jogo anterior. E mesmo quem não jogou Resident Evil 7 pode acompanhar uma retrospectiva em vídeo e documentos que detalham tudo que rolou anteriormente já no menu inicial.
Essa é uma história cheia de mistério, desdobramentos e viradas, então tentarei contar o mínimo possível nessa análise do jogo. Mas, pra mal ou pra bem, esta é provavelmente a trama mais biruta e sem noção da série principal — mesmo pro padrão já nonsense de Resident Evil.
Combate e inventário
A perspectiva da câmera segue em primeira pessoa, mas a jogabilidade elimina alguns problemas do jogo anterior. Ethan é mais veloz, mira melhor e se reabastece de vida e munição de um jeito mais rápido — sem contar que a defesa parece mais eficaz aqui. Se mover e atacar com ele passa uma sensação bem menos desengonçada do que a última vez.
A maioria dos itens — mesmo os repetidos — ocupa seu próprio espaço no inventário e, dependendo do item, espaços de tamanhos diferentes. Mas esse obstáculo é apenas para equilibrar as outras facilidades, porque a mala de armas pode ser expandida várias vezes e os tesouros e as chaves não ocupam espaço no inventário. É exatamente o mesmo sistema de Resident Evil 4.
O que é novo aqui é a versão reformulada do sistema de manufatura de munição e cura, que é usado com mais intensidade do que em qualquer outro jogo da série e do qual os ingredientes também não ocupam espaço na sua mala.
“What’re ya buying?"
Pela primeira vez, desde 2005, está de volta à série também um comerciante de armas. Na loja do vendedor chamado “Duque” é possível comprar suprimentos, vender tesouros, fazer aprimoramentos nas suas armas e ainda ficar mais rápido e forte com as refeições que ele prepara — desde que você leve a carne dos animais que você abater por aí.
Vale dizer que, diferentemente do Mercador de Resident 4, o Duque é um personagem mais carismático e mais ativo na história, já que ele ajuda Ethan com dicas para pegar a filha dele de volta.
Quanto aos itens consumíveis, você até pode comprar alguns na loja mas, como é característico da série, é explorando ambientes que o jogador consegue a maior parte dos ingredientes, tesouros, dinheiro e, principalmente, munição. Cada incursão curiosa que você faz por caminhos que não são obrigatórios é recompensada em Resident Evil.
A Vila
No mapa, a vila funciona como o grande eixo central para onde você retrocede várias vezes. O design de level interconectado funciona de forma competente, apesar de algumas paredes invisíveis.
Mas além da vila existem ainda outros cenários como castelos, pântanos, fábricas e algo do qual não posso falar para não estragar a surpresa, mas que vai agradar bastante os fãs que preferem uma experiência de horror mais “traumática”.
Felizmente, há uma grande variedade de jogabilidade nessas situações. Desde ambientes com um menor número de inimigos que são bem fortes até áreas sem qualquer combate, focadas em fugir ou resolver puzzles.
Cada trecho tem seu próprio ritmo, duração e dificuldade. Percebe-se que os desenvolvedores se esforçaram para deixar a campanha mais dinâmica do que no jogo anterior.
Lobisomens, vampiros e mortos-vivos
Os inimigos também são mais variados. Enquanto a maior parte deles são lentos, os licanos (ou lobisomens, se você preferir) são provavelmente os adversários comuns mais agressivos e rápidos da franquia até agora e dão um bom trabalho quando chegam em grupo.
Além deles, existem carniçais, frankensteins e até mortos-vivos entre os minions. Sem contar que o mesmo arquétipo do Mr. X e do Nemesis, por exemplo, de inimigos invencíveis que perseguem você pelo cenário, pode ser encontrado no castelo com a Lady Dimitrescu — para a felicidade da internet.
O embargo nos impede de descrever detalhes mas, de forma resumida, a batalha contra os chefes são muito boas. Pelo menos no geral, já que o embate final do jogo poderia ter um design melhor.
Beleza é fundamental
Resident Evil 7 estreou o RE Engine, um motor gráfico muito versátil usado em todos os jogos da franquia desde 2017 além outros jogos da Capcom como Devil May Cry 5 e Monster Hunter Rise.
Em Resident Village, essa tecnologia usa ao máximo o poder da nova geração de consoles para entregar rostos mais reais com base em fotogrametria e cenários de cair o queixo. Isso inclui a mudança do visual do Chris do loiro genérico para algo mais parecido com o rosto que estamos acostumados.
A direção de arte nos cenários é excepcional e enriquece mesmo ambientes mais ordinários como as cabanas da vila, com elementos diferentes nos cenários de cada residência e quase que contando histórias, de um jeito implícito, através da destruição que Ethan encontra.
Eu senti que apenas uma área deixou a desejar nesse aspecto. Enquanto Ethan destruía paredes de gosma em trecho do jogo marcado por inundações, a magia do visual se desfazia um pouco devido ao efeito tosco da animação.
Foi também nesse trecho que eu confirmei as suspeitas de que o motor gráfico RE Engine não lida bem com a representação de líquidos. Resident Evil 8 tem uma das piores físicas de água que eu já vi desde a era do PS3.
É como se a água não fosse dinâmica, mas apenas uma textura maleável onde foram inseridas animações prontas de respingos.
Desempenho e ray tracing
Exceto por isso, a estética em outros ambientes como o castelo é praticamente impecável e se beneficia da alta resolução dos consoles atuais para mostrar detalhes e texturas diferentes, além de uma bela iluminação.
Isso porque a versão de nova geração de Resident Evil Village conta com traçado de raios, o ray tracing e, felizmente, não sacrifica muito do desempenho para isso.
Eu joguei no PlayStation 5 com o ray tracing ligado e aproveitando o padrão estranho de 45 quadros por segundo. A versão sem ray tracing entrega 60 fps, mas o que se perde em efeitos de iluminação pra mim não compensou, especialmente porque eu percebi poucas quedas realmente notáveis de fps. Mas se você é super entusiasta por desempenho fluido, é só desligar o recurso no menu principal e está tudo bem.
Não esquecendo que as versões do PS5 e Xbox Series X rodam em resolução 4K e com HDR, o alto alcance dinâmico. Para conferir o desempenho de todas as outras versões, tem que olhar essa tabela aqui do site oficial do jogo.
A versão do PlayStation 5 conta com recursos exclusivos como gatilhos adaptáveis. O feedback háptico parece ser um rumble comum, mas é interessante o uso das armas diferentes com a pressão personalizada do R2.
Design de som e localização em português
O áudio 3D, outro recurso exclusivo do PS5, tem espaço para brilhar em Village, porque o design de som é fantástico. O Ethan ofega em momentos silenciosos de tensão, casas de madeira fazem ruídos aleatórios, janelas batem com o vento e tudo contribui para a paranoia de que a qualquer momento você pode ser atacado.
O jogo pede que o jogador ouça com atenção não apenas a possível presença de inimigos como licanos, que fazem sons de arrepiar os cabelos da nuca, mas também itens que ficam em locais menos óbvios. E a trilha sonora, apesar de ser bem minimalista e não ter temas muito marcantes, é competente para criar tensão na antecipação de ataques.
Este é o primeiro Resident Evil em 25 anos a ganhar localização de voz em português. Depois de zerar a campanha com o áudio original em inglês, eu retornei pra jogar umas quatro horas de trechos diferentes no nosso idioma e dá pra dizer que é mais um daqueles casos em que a dublagem é, de forma geral, decente, mas inconsistente.
Enquanto os intérpretes do Ethan e da Mia fazem um ótimo trabalho, alguns personagens secundários soam meio forçados ou amadores. O mesmo vale para tentativa de adaptação de alguns textos que, tentando parecer mais coloquiais, só acabaram ficando esquisitos mesmo. De qualquer modo, essa localização está acima da média que se vê por aí.
E fica o agradecimento para a Capcom por ter colocado a configuração dos idiomas de texto, legendas e diálogos no menu de opções e não dependentes do idioma do console. Assim as pessoas podem escolher sem dificuldade como eles querem acompanhar a história.
Mercenários
Resident Evil 8 traz de volta também o amado modo arcade The Mercenaries, que nesta versão sofre algumas mudanças. Aparentemente, não existe qualquer tipo de multiplayer cooperativo como antes e foi adicionada a loja do Duque entre estágios, o que permite que você se reabasteça e compre novas armas.
O conceito básico é o mesmo: o jogador tem um tempo limitado para matar ondas de inimigos enquanto gera pontos. Existem alguns power-ups espalhados pelo mapa, que aumentam dano, defesa, velocidade e vitalidade. O modo é uma ótima oportunidade pós-campanha para os mais habilidosos refinarem sua velocidade e precisão.
Vale a pena?
Resident Evil Village cumpre muito bem a tarefa de continuar o clima fresco e instigante do seu antecessor de 2017, enquanto conserta a jogabilidade meio dura e lenta de Resident 7. Em termos de história, a boa notícia é que o jogo consegue conectar de um jeito satisfatório a trama dessa nova fase da série com o que já foi visto nos primeiros jogos.
A má é que existem algumas decisões bem questionáveis no roteiro, das quais eu não posso falar nesta resenha, mas que falaremos em um futuro próximo. São inconsistências e rumos meio frustrantes para um reinício promissor.
Somado a isso, alguns aspectos estéticos não mantêm a mesma qualidade do resto, como o trecho inundado que eu mencionei antes e algumas animações faciais, como as do Duque.
Já as comparações com Resident 4 vão além do inventário e das referências estéticas de vilas e castelos. Fazem parte do pacote ambientes variados, tipos diferentes de inimigos, um arsenal cheio de possibilidades de evolução, exploração recompensadora e alguns puzzles dos bons. Esse é talvez o jogo da franquia mais confortável e gostoso de jogar desde o game solo do Leon.
Mas não se engane. Apesar de mais munição, mais combate e cenários a céu aberto durante o dia, este não é um jogo de ação frenética. Frequentemente,você vai se sentir indefeso e o trecho mais assustador que eu já vi em toda a franquia está em Village. Por isso é possível que tanto os fãs do combate intenso quanto do horror de sobrevivência mais cadenciado fiquem satisfeitos.
Para quem tinha medo de que Resident 8 estivesse desconexo demais da série e não parecesse mais Resident Evil, pode ficar tranquilo. Pelo menos em gameplay e atmosfera, Village não decepciona e consolida uma das melhores eras da franquia.