Review: Project CARS 3
Em uma das decisões mais divisivas do gênero de corrida, a Slightly Mad Studios decidiu se aproximar do público casual – mas o custo da mudança pode ter sido bem alto
Esta foi, sem dúvidas, uma das análises que mais tive dificuldade em escrever.
Como um fã inveterado do automobilismo, o gosto por carros é uma consequência da enorme paixão pelo esporte. É por isso que, quando Project CARS foi lançado, uma coisa diferente "clicou": não era um simcade qualquer. Apesar de um ou outro probleminha com a física e do comportamento um tanto polêmico do diretor do estúdio, Ian Bell, é inegável que a franquia era a que melhor colocava o jogador no papel de um piloto.
Eu cheguei a chamar o Project CARS 2 de "uma ode ao automobilismo", porque enquanto Gran Turismo e Forza Motorsport (os concorrentes diretos) se posicionavam mais como jogos sobre carros, PCars 2 era um bolo muito recheado de referências e fanservice pros mais ávidos pelas histórias das competições de automóveis.
O mítico Camaro azul da Sunoco tratado em ácido e pilotado por Roger Penske, que dominou a Trans Am no fim da década de 60? Está lá – e você pode correr com ele em Watkins Glenn e outros grandes circuitos nos EUA. O pacote de conteúdo com os clássicos de Le Mans da década de 70 me permitiu ter uma das experiências mais imersivas em jogos de corrida ao fazer um "mini endurance" de pouco mais de 2 horas com transição completa entre dia, noite e dia de novo, com toda a imprevisibilidade de clima a bordo de um Porsche 917k e com um grid repleto de lendas da época.
Nenhum simcade oferecia isso com o mesmo nível de alinhamento com a estrutura real de categorias e regras do automobilismo.
Por outro lado, muita gente não dá a mínima para essas situações que citei. Não é atraente. Isso significa que os dois primeiros jogos só foram realmente relevantes para um nicho bem específico de fãs e, consequentemente, as vendas não foram astronômicas. Foi aí que a Slightly Mad Studios decidiu que, para Project CARS 3, uma mudança era necessária.
Há alguns anos que Ian Bell dava sinais do que iria mudar: o estilão sandbox do modo carreira daria lugar a uma experiência mais linear, como aconteceu em Need for Speed Shift 1 e 2, também produzidos pela Slightly Mad. O diretor inclusive chegou a afirmar que o novo jogo do estúdio seria um "sucessor espiritual" para os games da franquia NFS, mas preservaria os aspectos que tornaram o Project CARS tão querido pelos seus fãs.
Com uma jogabilidade no controle reformulada e uma abordagem que tenta, quase desesperadamente, se aproximar do público mais casual, Project CARS 3 abre mão de seu legado mais sério para simplesmente ser divertido e amigável.
O resultado, no entanto, pode ter sido bem diferente do esperado – e você vai entender o porquê.
O que Project CARS 3 faz de (muito) bom
Antes de entrar na parte mais delicada, algumas coisas hão de ser reconhecidas. A promessa de ser mais simples para facilitar a introdução aos mais casuais começou por uma reformulação de como o título é jogado no controle. É inegável que o trabalho feito pela SMS aqui foi sublime, e Project CARS 3 tem uma jogabilidade muito gostosa e muito mais acessível se comparado aos seus antecessores.
É possível sentir melhor o peso do carro e a noção de aderência é muito mais precisa. Além disso, um dos problemas mais antigos da franquia, que era o comportamento dos carros em cima das zebras, foi corrigido de forma brilhante. Também existe uma grande variedade de assistências que ajudam ainda mais a atender os novos jogadores e facilitar a experiência de pilotagem.
Nessa parte, o trabalho dos desenvolvedores merece realmente ser exaltado.
Outro aspecto que foi acertado pela equipe da Slightly Mad Studios é justamente o multiplayer: agora, além do lobby de jogo rápido e partidas personalizadas, você tem a opção de participar de corridas programadas com carros e pistas pré-definidos e com horário marcado.
Essa participação contribui para o sistema de pontuação que, por sua vez, ajuda a definir o ranqueamento das partidas de acordo com o nível de habilidade do piloto. Não houve tempo o suficiente para saber se vai funcionar na prática, mas a proposta é excelente.
A parte do som também apresentou melhorias substanciais em relação ao game anterior, com efeitos mais pronunciados do trabalho de suspensão e dos câmbios forjados nos carros de corrida, sons menos metálicos dos motores e uma percepção de áudio melhor, de forma geral, entre todas as perspectivas de câmeras.
Concorrência bem definida ou inspiração exagerada?
Logo ao iniciar o jogo e participar da corrida que serve como tutorial, é impossível não perceber as semelhanças com concorrentes próximos. A interface de usuário, que nos jogos anteriores eram um pouco mais sóbrios, agora indicam todas as recompensas em experiência que você recebe por ações que você faz – e aí fica difícil não lembrar de Forza, por exemplo.
(Diga-se de passagem, toda a mudança de conceito parece deixar claro que Forza Motorsport é o alvo primário da SMS, com Gran Turismo Sport sendo pego em algum dano colateral desta briga)
Indo para o modo carreira, a promessa de ser uma experiência mais linear é cumprida: você começa com um carro simples e vai fazendo melhorias, evoluindo sua máquina de acordo com a necessidade e com as novas categorias que vão sendo desbloqueadas até transformá-la em um carro de corrida completo – algo que já havia sido visto em Need for Speed Shift. A narrativa é de que você se torne o piloto definitivo.
Nem todos os carros entre os mais de 200 disponíveis podem passar por essa transformação, mas além de melhorar a performance do veículo com peças melhores, agora é possível também fazer algumas customizações leves, com a aplicação de adesivos e a mudança de rodas dos carros.
De qualquer forma, a seleção de veículos é bem abrangente e, apesar de ter modelos bem novos – Project CARS 3 é o primeiro jogo de corrida a contar a com o novíssimo Corvette C8.R, por exemplo –, diversos modelos presentes no game são herança direta dos games anteriores.
O desempenho é medido pelo índice de performance do veículo, que determina em quais classes você pode correr. Eventualmente, há alguns eventos invitational, que consistem em desafios com combinações de carros e pistas definidos. O progresso na carreira está vinculado aos seus resultados em corridas e campeonatos, mas caso deseje correr em algum evento específico antes da hora, você pode comprar seu passe com os créditos que adquire com prêmio.
Novamente, a estrutura do modo carreira – até visualmente – remete à forma como o modo carreira da franquia Forza é apresentada, em especial Forza Motorsport 6. Os eventos são dispostos por categoria e dentro de cada uma delas você tem séries de 4 quatro corridas. O conteúdo é vasto e a progressão até é coesa, mas tudo pode se tornar um tanto repetitivo depois de algumas horas.
Outro ponto que é uma inspiração clara nos jogos da Microsoft é a existência de um modo multiplayer assíncrono chamado de "Rivais", com eventos diários, semanais e mensais com tomadas de tempo e placar de líderes que também rendem pontuações de experiência.
Mesmo motor, melhorias tímidas no visual
Ainda impulsionado pelo motor gráfico Madness Engine de seu antecessor, Project CARS 3 traz poucas mudanças visuais em termos de modelagem de carros, mas compensa isso em outros aspectos.
O tratamento de cores está um pouco menos saturado, há uma presença maior de blur e oclusão no ambiente e as alterações mais profundas vieram na forma de cenários mais povoados – até um pouco demais, como é o caso dos helicópteros em quase todas as pistas e da roda-gigante de Interlagos que seria quase impossível de existir. Tudo pelo entretenimento, certo?
Essa maior riqueza no ambiente faz com que, em alguns momentos, a impressão que se tem é até de que o jogo está um pouco pior em termos de qualidade quando comparado ao seu antecessor, principalmente no que diz respeito à aplicação de anti-aliasing. Ainda assim, visualmente, Project CARS 3 não decepciona – mas também não impressiona.
Conflito de personalidade
Apesar de ser tecnicamente competente nas mudanças que se propôs a fazer, o problema fundamental de Project CARS 3 é conceitual. Não é uma questão de ser fácil ou difícil, e sim como o conteúdo dos games anteriores falavam perfeitamente com a base de fãs para a qual eles se destinavam.
Na busca por um alcance maior, a Slightly Mad de muita atenção a elementos que parecem querer gritar desesperadamente que o seu novo jogo não é mais tão sisudo e sério, mas esqueceu que a seleção de carros e pistas, principalmente o que foi herdado, pouco fala com o público mais casual.
O Camaro citado no início do review pouco importa para quem não conhece/não se importa com a história e, mesmo que os desenvolvedores tenham incluído modelos de rua que são mais atrativos para esse público, o resultado acaba sendo uma mistura bizarra.
É como se um maestro de uma orquestra, frustrado com os números baixos de público, resolvesse surfar a onda do que está fazendo sucesso e fazer, sei lá, seus músicos tocarem sertanejo universitário – com direito a todo mundo vestido à caráter, com chapeuzinho e tudo mais, mas sem abrir mão de violoncelos, violinos, trompetes e tudo mais. Pode dar certo? Pode, mas não é o caso de Project CARS 3
É como misturar o GRID de 2019, um jogo arcade focado no automobilismo, com um Forza Motorsport, que é um simcade extremamente competente focado em carros – com o perdão do uso excessivo do exemplo. O que antes era um sólido simcade se tornou uma colcha de retalhos de inspirações e conceitos diferentes e o produto final é um jogo que, na melhor das hipóteses, luta para não ser genérico.
Os jogadores de longa data não vão encontrar as mesmas opções extensivas de customização de corridas que eram tão atrativas e, se não bastasse, também foram eliminadas as paradas nos pits e as trocas de pneus, o que é bizarro para um jogo com uma seleção tão elaborada de jogos de corrida.
Ao tentar ser mais arcade sem se desprender completamente do ar mais sério e estruturalmente preciso do automobilismo que foi a marca dos jogos anteriores, Project CARS 3 grita muito, mas diz efetivamente pouco. O jogo simplesmente perdeu sua essência e não encontrou algo que possa realmente torná-lo relevante.
O ponto fundamental aqui é que os jogadores casuais que buscam uma experiência mais acessível dentro do gênero de corrida, pelo menos aqueles que são donos de Xbox ou PC, têm o Forza Motorsport à disposição. Já o pessoal do PlayStation 4 tem Gran Turismo Sport que, embora não seja tão fácil, ainda se apresenta como uma opção viável e, na pior das hipóteses, GRID cumpre muito bem o papel para quem quer ir para o lado completamente arcade do espectro.
Um jogo que passa na média
Verdade seja dita: o primeiro passo para a mudança de ares na franquia pode ter sido dado em Project CARS 3, com uma jogabilidade mais acessível e amigável e uma atitude que tenta desesperadamente mostrar o quanto é jovem e descolado. O modo carreira mais linear também ajuda muito em tornar a experiência mais direta e simples para novos jogadores.
Entretanto, os atrativos não vão muito além disso. A seleção de carros é modesta se comparada à concorrência e ainda é muito orientada para quem é entusiasta do automobilismo, o que pode comunicar muito pouco com um público mais casual.
Não é uma questão de ser fácil ou difícil, de ser um Project CARS ou não: é uma questão de que, como jogo de corrida, Project CARS 3 tirou muito do que gerava valor para fãs de longa data enquanto oferece menos do que seus concorrentes para os novos jogadores que deseja atrair.
Vale dizer: é um jogo que é muito competente em alguns aspectos técnicos, mas que agrega pouco em termos de conteúdo.
Não se trata de um jogo horrível ou uma completa tragédia... Mas também não é um jogo excepcional em absolutamente nada, com o grande destaque ficando para a jogabilidade no controle.
Se você estiver considerando a compra, a sugestão é de esperar o preço abaixar ou aparecer uma promoção – uma vez que existem opções melhores tanto para quem busca experiências mais sérias quanto para aqueles que buscam jogos de corrida arcade.
Na dúvida de se manter como um jogo de nicho com um público menor, mas apaixonado, ou se tornar um jogo mais casual e tentar alcançar um número maior de pessoas, a Slightly Mad pode ter tropeçado na hora de tomar a decisão – e a impressão que fica é que se o novo jogo fosse um Project CARS 2 com as melhorias do 3, poderíamos ter tido um dos melhores simcades da geração.