Review: Marvel’s Avengers
Apesar de bugs e sistema cansativo de loot, novo jogo da Crystal Dynamics traz ótimo combate e história divertida dos Vingadores
Após uma semana inteira com Marvel’s Avengers em mãos, a sensação que fica é a de frustração. Não exatamente por conta do que o game é – apesar de inúmeras falhas, o novo jogo da Crystal Dynamics ainda oferece uma experiência divertida – , mas sim por conta de tudo que Marvel’s Avengers poderia ter sido.
O maior exemplo disso está nos primeiros 30 minutos do jogo: um trecho que funciona como uma espécie de apresentação/tutorial, e mistura jogabilidade intensa com Capitão América, Homem de Ferro, Hulk, Viúva Negra e Thor em uma sequência explosiva de ação ao melhor estilo da Crystal Dynamics, refinado ao longo da mais recente trilogia Tomb Raider.
O trecho é um dos mais empolgantes da campanha e tudo o que fãs dos Vingadores pediam: a experiência de controlar o grupo de heróis mais popular da Marvel, cada um com suas habilidades específicas, em batalhas cinemáticas de larga escala – aos moldes do que Marvel’s Spider-Man ofereceu há alguns anos.
Mas o que segue essa introdução bombástica é uma campanha com brilho difuso e menos de 20 horas de duração, e que logo empurra o jogador para o verdadeiro objetivo de Marvel’s Avengers: o pós-jogo Iniciativa Avengers, as missões focadas em loot, o multiplayer e, é claro, o grind por itens cosméticos que estão espalhados por todo o lado dentro do jogo.
É uma sensação agridoce e que escancara o Marvel’s Avengers que provavelmente nunca teremos, mas que poderia ter sido caso a Square Enix fizesse a opção por uma experiência robusta single player – não por um game recheado de loops repetitivos de gameplay e outros estereótipos de jogos como serviço.
Ms. Marvel gigante!
De longe, o maior acerto da Crystal Dynamics com Marvel’s Avengers está na escolha de Kamala Khan para a posição de protagonista e fio condutor da campanha do jogo – e isso é um acerto por conta de dois motivos.
O primeiro é fato de que Ms. Marvel ainda é um rosto relativamente novo da Marvel que merece ser apresentado ao mundo. Sua série solo só estreou nos quadrinhos em 2014, e a personagem ainda é desconhecida por boa parte do público que só descobriu Vingadores depois da explosão de popularidade do universo cinematográfico dos heróis.
Isso é uma peça importante para aquele que sempre foi o plano da Crystal Dynamics com o jogo: criar sua própria versão dos Vingadores, dissociada dos blockbusters da Marvel, e a partir da qual teria uma folha em branco para contar histórias inéditas dentro do universo dos games. Nesse aspecto, o encaixe é perfeito.
Mas mais importante do que isso está o fato de que Ms. Marvel rouba completamente a cena dentro da campanha, e praticamente carrega a narrativa do jogo nas costas. De todos os integrantes do grupo de super heróis, a adolescente inumana é, sem dúvida, a mais carismática, e a responsável pelos momentos mais divertidos e emotivos da trama – algo que ajuda a segurar os deslizes do roteiro em vários momentos.
Marvel’s Avengers acompanha as consequências do “Dia A”, dia em que os Vingadores se preparavam para inaugurar um novo QG em São Francisco e para apresentar o Quimera ao mundo – um aeroporta-aviões abastecido com uma nova tecnologia baseada em cristais Terrigen.
Um ataque terrorista, no entanto, transforma a celebração em tragédia, levando à destruição quase completa da ponte Golden Gate após um ataque do Treinador – ou Taskmaster, já que Marvel’s Avengers adota as mesmas regras esquisitas de nomenclatura em inglês de Marvel’s Spider-Man. Aliás, se prepare para ouvir muitos “Cap” desnecessários.
Para piorar a situação, uma explosão no reator do Quimera também leva ao espalhamento de uma nuvem de Terrigen pela cidade, transformando milhares de seus habitantes em Inumanos, pessoas com superpoderes variados. No processo, Capitão América também é dado como morto.
A culpa do incidente, é claro, recai sobre os Vingadores, que são debandados e “substituídos” pela Avançadas Ideias Mecânicas (A.I.M), organização de tecnológica de George Tarleton (a.k.a MODOK), ex-cientista dos Vingadores responsável pelo projeto do cristal de Terrigen, que passa a fazer segurança pública de cidades dos Estados Unidos com o uso de robôs enquanto busca a “cura” para a “doença” causada pela nuvem de Terrigen. Fã dos Avengers desde a infância, resta a Ms. Marvel a missão de reunir os Vingadores frente à essa nova ameaça.
É uma trama interessante, recheada de referências aos quadrinhos, mas que acaba sendo extremamente rasa por não ser o foco principal do título. A introdução de vários nomes do universo Marvel é feita de fora atabalhoada ao longo da trama, e pouco foco é dado ao desenvolvimento dos personagens e aos seus conflitos.
Ms. Marvel é, novamente, o destaque e a personagem mais bem acabada. Sua relação de fangirl com os outros Vingadores, em especial Bruce Banner, é divertidíssima. Há momentos em que os outros heróis vão para o holofote, mas estes acabam relegados à uma posição secundária no roteiro que não é digna de um jogo que literalmente estampa o nome do grupo de heróis.
As discordâncias e conflitos entre os membros dos Vingadores são o exemplo mais gritante disso. De algo que deveria ser importante na trama do próprio jogo, já que a ação se passa cinco anos após o grupo ter se separado, essas brigas acabam sendo tratadas de forma extremamente leviana – e são quase sempre resolvidas na mesma cena em que foram estabelecidas.
O resultado é uma história que mostra alguns pontos altos, mas justo quando parece estar pegando no tranco, acaba. Parte disso é intencional: vários pontos de atrito ficam no ar para que a Crystal Dynamics possa encaixar novos elementos de história nas atualizações futuras do jogo, mas não deixa de fazer toda a experiência um tanto frustrante com a perspectiva de “queria mais”.
Há um mérito que merece destaque, no entanto: Marvel’s Avengers fez um bom trabalho de localização, com uma ótima dublagem dos personagens e suporte total ao português brasileiro. Alguns bugs ainda revertem o áudio para inglês durante a trama, e textos em inglês podem ser encontrados em algumas descrições de missão, mas é notável o trabalho da Square Enix para adaptar o jogo para o público brasileiro. Ponto positivo forte aí.
Vingadores, juntos!
A dimensão rasa da campanha seria ainda mais chateante não fosse por um detalhe importante: Marvel’s Avengers tem um ótimo combate.
Com seis personagens disponíveis no lançamento, e mais heróis vindo em atualizações futuras, a Crystal Dynamics conseguiu criar um sistema em que cada um dos combatentes é significativamente diferente um do outro e oferece uma experiência única de batalha para o jogador.
Todos os seis Vingadores têm aspectos em comum: todos têm um botão de esquiva, um ataque forte, um ataque fraco, um golpe à distância e três habilidades especiais. Todos esses golpes, no entanto, se combinam de maneira particular, com combos únicos e finalizações que refletem o estilo de cada herói, e são o verdadeiro charme do jogo.
Hulk e Kamala são os “peso pesados” da equipe, com ataques poderosos e devastadores que abalam até mesmo os mais resistentes adversários das fileiras da AIM. Capazes de voar, o Homem de Ferro e Thor controlam o campo de batalha a partir dos céus e são ideais para lidar com os infernais inimigos voadores e torretas espalhadas pelo cenário. Capitão América e Viúva Negra, por sua vez, são os combatentes mais “pé no chão” do grupo, mas capazes de rotacionar entre inimigos com agilidade em um balé de pancadaria que lembra Batman, da série Arkham.
Vale ressaltar que o sistema não é sem alguns defeitos: a câmera em terceira pessoa do jogo, por exemplo, é completamente caótica e nem sempre conecta o seu personagem com o inimigo em que você acha que está mirando. Atingir inimigos voadores com sequências de pulo e golpes físicos também é extremamente frustrante.
Mas o loop de combate é um dos aspectos mais satisfatórios do jogo, e é o que me motivou a continuar avançando nas missões paralelas mesmo após o término da campanha.
Esse combate divertido também fica ainda mais satisfatório quando você consegue juntar um grupo de amigos para partidas online. Nada é muito estratégico ou exige coesão entre os jogadores, mas é uma pancadaria honesta que brilha no multiplayer – mesmo que entrar em missões multiplayer às vezes seja uma tarefa um pouco complexa demais, com a enxurrada de menus confusos do jogo.
Menos menus e mais ação, por favor
O que definitivamente não trouxe qualquer motivação são loots de Marvel’s Avengers. O game emprega um sistema confuso de equipamentos individualizados para cada personagem, e que variam de raridade e de nível – mas que, em última instância, só servem para aumentar números arbitrários do seu personagem e para melhorar coisas como resistência, golpes ou dano de habilidades.
Apesar de ser parte integral do gameplay, o sistema é cansativo e não combina em nada com a temática do game. Vestindo a armadura do Homem de Ferro, eu não quero sair por aí quebrando caixas e coletando recursos aleatórios, eu quero disparar feixes de laser na cara dos vilões e salvar Nova Iorque. Jogando como o Hulk, eu quero esmagar, não ter que ficar abrindo o menu no meio da partida para limpar o inventório porque cheguei no limite de itens disponíveis.
No entanto, isso é o que acontece com frequência. Marvel’s Avengers força o jogador a se engajar com o sistema de loots de forma exaustiva, seja através de missões arbitrárias – como “vá lá conversar com o vendedor de itens da Shield” – ou pela necessidade de evoluir os itens equipados em meus heróis, por conta da progressão de dificuldade de inimigos.
Em vários momentos, me vi obrigado a desviar a missão principal para ir buscar um baú de equipamentos aleatórios escondido no mapa, não exatamente porque era isso que eu queria estar fazendo, mas porque é isso que eu tinha que fazer para buscar um item melhor – na tentativa de aumentar um pouco mais o dano ou a resistência do meu herói.
À isso, se soma outro problema frequente de jogos como serviço ao estilo “looter”: a falta de diversidade de missões. Marvel’s Avengers tem um número pequeno de tipo de missões,que se repetem com frequência e que se tornam rapidamente cansativas para o jogador. “Fique parado em um ponto do mapa enquanto o sistema é hackeado”, “defenda NPCs de ondas de inimigos” e “destrua o servidor” são tipos comuns de missão, e nenhuma delas é particularmente empolgante.
Tudo isso se amarra à enxurrada de cosméticos do jogo, que podem ser liberadas através de gameplay ou usando o atalho das microtransações, e que incentivam o jogador e voltar com frequência ao game com desafios diários e semanais de gameplay.
Tudo, é claro, é opcional, mas é impossível não ficar com a sensação do que Marvel’s Avengers poderia ter implementado em termos de narrativa, cenários mais inspirados ou na diversidade de gameplay, caso esses não fossem focos do jogo.
Só o começo
Assim como outros jogos como serviço, Marvel’s Avengers é fiado na promessa de que mais conteúdos serão adicionados ao jogo ao longo dos próximos meses. Algumas adições já estão confirmadas: personagens como Gavião Arqueiro, Kate Bishop e o Homem Aranha (na versão de PlayStation) chegarão ao jogo no futuro junto com novos conteúdos de história e missões.
Isso também cria a expectativa de que a Crystal Dynamics ainda pode reforçar o jogo nas áreas em que o título deixa a desejar – em especial no universo empolgante que sua campanha estabelece, mas que fica aquém do que poderia ter sido.
Também, é claro, na correção de bugs, que ainda importunam o jogador durante a experiência mesmo após múltiplos patchs desde terça-feira (01). Modelos de personagem flutuantes, inimigos bugados que ficam parados no mapa, e até mesmo um bug bizarro que estica os braços de Ms. Marvel para o infinito e além, foram frequentes no jogo e não combinam em nada com sua proposta AAA.
O jogo também é mais um que mostram como a atual geração de consoles já está chegando ao limite, com problemas frequentes de desempenho no hardware do PlayStation 4 padrão em que jogamos, principalmente em cenas de combate intenso, como nas batalhas contra chefões. Patchs de otimização são bem-vindos e necessários.
Não há dúvidas de que Marvel’s Avengers poderia ser uma versão muito melhor de si mesmo caso a Crystal Dynamics tivesse direcionado mais esforços para o que brilha no jogo – como o aspecto heróico de sua campanha e no ótimo combate –, e menos em colocar mais um jogo como serviço no mercado – mais um para a lista de games que disputam pela atenção diária do jogador, e exigem um investimento de tempo e paciência em sistemas cansativos de gameplay.
Ainda assim, o jogo estabelece bases sólidas. Se o jogador tiver paciência para ignorar os aspectos mais maçantes de gameplay, Avengers tem conteúdo para quem só quer se divertir por algumas horas dando porrada em vilões com alguns dos personagens mais populares da cultura pop. O que resta é saber para qual direção a produtora do título e a Square Enix vão levá-lo no futuro – e se, com nova atualizações, Marvel’s Avengers poderá se aproximar do jogo que fãs da franquia sonhavam em ter.