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Review: Black Myth: Wukong entrega jornada épica e exuberante

Sem medo de ser ambicioso, segundo jogo da Game Science é aquilo que o primeiro trailer já prometia

Por Breno Deolindo 16.08.2024 11H50

Talvez nem o mais otimista dos funcionários da Game Science esperasse a recepção inicial de Black Myth: Wukong. Revelado em 2020, com um trailer que já entregava 13 minutos de gameplay quase sem cortes, o jogo levantou um hype absurdo para um estúdio que, até então, tinha apenas um jogo lançado — o desconhecido Art of War: Red Tides. Praticamente quatro anos depois, é bem tranquilo dizer que a promessa foi cumprida.

Pensando em retrospecto, é possível identificar três pilares que sustentaram a empolgação com Wukong: os belíssimos gráficos, o gameplay fluido e a mitologia familiar da Jornada para o Oeste. A história que inspirou tantas obras populares ao redor do mundo, como o óbvio exemplo de Dragon Ball, ganha nova vida com um visual que não é nada menos que incrível, e com jogabilidade que transmite toda a agilidade do Rei Macaco.

Os minutos iniciais já deixam claro que o jogador está prestes a embarcar numa aventura sem igual. Comandando um Wukong já todo poderoso, uma batalha incrível nos céus demonstra todo o potencial do combate, que mistura muito bem os jogos de ação mais convencionais com aquilo que aprendemos a chamar de Soulslike.

Depois da primeira luta, o jogador é colocado na pele do Predestinado, um macaco que, infelizmente, não é desbocado como o Wukong original, que usamos na primeira sequência, mas que se vê em uma busca pelo passado dessa entidade mitológica.

Usando um bastão como arma primária, o jogador agora tem pela frente o que é quase um boss rush de mais de 40 horas de duração. Sim, há inimigos menores e alguns deles até são chatos de se vencer, mas a grande maioria é derrotada com um ou dois combos. O foco é nas lutas contra monstros gigantes e desafiadores.

Aqui começam as semelhanças e diferenças com os títulos que consagraram a FromSoftware. Black Myth: Wukong é difícil, especialmente em sua segunda metade, e apesar da Game Science tentar se afastar do termo Soulslike em sua divulgação, a necessidade de decorar alguns combos de chefões para saber como reagir me obriga a discordar.

Para os mais apegados ao gênero, os pontos em comum não vão muito além disso: há uma barra de stamina para ser gerenciada entre esquivas e golpes pesados, e um sistema de checkpoint bem similar ao das clássicas fogueiras, que aqui são Santuários.

Mas as diferenças também são escancaradas: divisão de atributos, builds e armas são bem simplificadas, com uma árvore de habilidades ditando boa parte do que será o estilo de combate do jogador. Pelo bem ou pelo mal, sua única opção de arma primária é o fiel bastão, que obviamente tem upgrades e diferentes versões ao longo do jogo, mas sem mudar sua essência. A progressão nos equipamentos também é simples; normalmente, uma armadura nova é simplesmente melhor que a que você já está usando, sem meio-termo.

Divulgação/Game Science

O que mais afasta Wukong do temido gênero, entretanto, é a falta de punitividade. Sim, o jogo é difícil e talvez você passe um bom tempo enfrentando algum chefão, mas não há um sistema como a perda de almas em caso de mortes consecutivas, e a distância entre um checkpoint e outro é bem razoável.

O combate tem a mesma necessidade de acertar o timing das esquivas e encontrar janelas para bater nos inimigos, mas o foco principal é no gerenciamento de recursos. Além dos combos com seu bastão, o Predestinado pode usar dois tipos diferentes de magia. Um deles consome a barra de Mana, e o outro é recarregado com Chi, que é conquistado conforme se ataca.

Entre os feitiços de Mana, há opções como imobilizar os inimigos, criar vários clones de si próprio ou atacar furtivamente com um rápido período de invisibilidade. As magias de Chi envolvem transformações temporárias, que são conquistadas ao vencer inimigos poderosos durante a campanha — uma delas dura um tempo considerável, permitindo alguns combos, e a outra só entrega o “golpe de assinatura” do monstro em que você se transforma.

Todos esses recursos são a principal forma de causar dano em Black Myth: Wukong, mas é necessário ter cautela para usá-los. A barra de Mana só é recarregada ao descansar em um Santuário, e o tempo para recuperar Chi é bem longo; guardar esses recursos para responder a um ataque difícil de desviar, ou apenas para ganhar tempo e conseguir se curar, é essencial para avançar.

Seu repertório também traz três “posturas” diferentes para usar seu bastão, mas é bem difícil não optar por usar somente a opção tradicional. As outras duas até trazem elementos legais — uma delas permite ficar em cima do bastão, muito acima de seus inimigos, para evitar ataques terrestres —, mas em um game onde eficiência é a prioridade, é bem mais confortável continuar no arroz com feijão que já funciona muito bem.

Divulgação/Game Science

Talvez você já tenha escutado a máxima de que Dark Souls é um jogo de ritmo. Pode parecer meio esquisito, mas encontrar padrões e timings é importantíssimo nesse tipo de jogo, e o Predestinado também tem que dançar conforme a música. Acertar o momento dos dodges é muito mais eficiente do que só spammar o botão de esquiva, e encontrar a janela para finalizar seu combo, dando um pequeno atordoamento nos chefões, também é um processo ritmado.

Isso faz com que as boss fights sejam sempre divertidas e satisfatórias, mesmo com um novo chefão aparecendo a cada poucos minutos de caminhada, mas há algum espaço para melhorias.

Duas lutas específicas são simplesmente injustas. Mesmo não sendo desenhadas para serem as mais difíceis do game, elas acabam se tornando desafiadoras até demais por conta de hitboxes bem ruins. Acertar golpes em chefes que pareciam flutuar ao redor do seu bastão era apenas frustrante, e fica a torcida para que isso seja corrigido num futuro próximo.

Divulgação/Game Science

A caminhada entre um chefão e outro também não é a coisa mais intuitiva do mundo. Alguns cenários são bem confusos, e a busca por itens adicionais não é tão divertida quanto poderia ser. O último capítulo é a síntese perfeita desse problema, e ainda adiciona um desafio que, honestamente, não faz sentido com a proposta do game. A Game Science foi bem restrita com relação a spoilers, então ainda é difícil entrar em detalhes, mas saiba que, para terminar a campanha, é preciso passar por uma situação que não encaixa com o que o resto do jogo propõe.

Pelo menos, a exploração dispersa é compensada com um visual impressionante. Os gráficos são tudo aquilo que se esperava, e mesmo numa placa de vídeo que já não é mais tão incrível (RTX 2070 Super), o game já é bem bonito, e fica a curiosidade para vê-lo em um PC ainda mais parrudo.

Black Myth: Wukong é provavelmente a adaptação mais ambiciosa já feita, visualmente falando, da Jornada para o Oeste, e mesmo quando o game foge um pouco do fotorrealismo, com alguns clipes musicais que aparecem ao final de cada capítulo, ele impressiona. Trechos em estilo anime e até stop motion são alguns dos momentos mais emocionantes da história — que, vale citar, não é exatamente uma recontagem da fábula de Sun Wukong.

Divulgação/Game Science

O enredo é contado de forma bem episódica, com cada um dos seis capítulos tendo uma temática clara, mas com detalhes que acabam ficando no ar. Por vezes, é um pouco difícil entender as motivações de quem você está enfrentando, ou o porquê de determinada situação; ao longo de cada capítulo, as coisas se esclarecem, mas não deixa de ser um jeito curioso para desenrolar a narrativa.

Mesmo com um tanto de pontos de interrogação, a vibe acaba se sobressaindo. Os elementos mitológicos chineses são bem explorados a todo momento, com design marcante tanto nos personagens quanto nos cenários; embarcar nessa jornada fica mais fácil, mesmo que nem tudo esteja tão claro.

Black Myth: Wukong é muito bom. O jogo sofre um pouco com alguns erros que se justificam pela inexperiência do estúdio em um projeto desse tamanho, e a maioria deles pode ser corrigida com atualizações futuras — como as hitboxes e o desafio no fim da campanha. O hype se justifica em uma das maiores proezas técnicas já feitas na indústria de jogos eletrônicos, e que deve servir como base para a Game Science aprender e melhorar ainda mais em seu próximo título.

Nota do crítico