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Após 25 anos, qual o futuro possível para a E3?

Em um ano sem E3 e com pandemia, ESA precisa aprender com novas experiências da indústria para retomar relevância do seu evento icônico

Por Rafael Romer 12.05.2020 12H00

Há exatos 25 anos completados nesta segunda-feira (11), começava no Centro de Convenções de Los Angeles, nos Estados Unidos, a primeira edição daquele que se tornaria um dos mais antecipados eventos do ano para fãs de games ao redor do mundo: Electronic Entertainment Expo, também conhecida como E3.

Nascida do desejo de empresas de games de se descolarem da tradicional Consumer Electronics Show (CES) para criar um novo evento dedicado exclusivamente aos jogos eletrônicos, a primeira E3 foi considerada um sucesso absoluto – uma divisora de águas em um momento que os icônicos PlayStation e Nintendo 64 surgiam e jogos clássicos como Chrono Trigger, Resident Evil e Virtua Fighter eram revelados.

Desde de então, a E3 sofreu com uma série de altos e baixos e passou por diversas transformações, mas se consolidou como um cartão postal da indústria de games e uma verdadeira celebração dos jogos eletrônicos, tornando-se um dos momentos mais aguardados do ano para entusiastas.

Pela primeira vez após um quarto de século, esse momento não chegará em 2020. Ao lado de outras convenções importantes da indústria, como Game Developers Conference, a Tokyo Game Show, a Paris Games Week e a Gamescom, a E3 2020 não será realizada neste ano – a responsável, é claro, é a pandemia do coronavírus causador da Covid-19.

Apesar de inédito, o cancelamento da E3 2020 não pegou ninguém de surpresa. Previsto para acontecer entre 09 e 11 de junho, o evento significaria uma aglomeração de pessoas em um espaço muito pequeno, um risco alto demais em tempos de isolamento social e em um momento em que o mundo ainda luta para reduzir novos contágios pelo vírus.

Mas por mais que a pandemia da Covid-19 tenha sido o motivo oficial da suspensão da edição deste ano da E3, o cancelamento ocorre em um momento delicado da história da convenção. Para a Electronic Software Association (ESA), associação da indústria de games dos Estados Unidos que é responsável pelo organização do convenção, o que não faltam são motivos para se estar preocupada com o futuro da E3.

Ainda que mantenha o status de ícone dentro da comunidade, há anos que a E3 vem sofrendo com as mudanças que acontecem dentro indústria de games e nos seus arredores, que minam sua relevância junto ao público e colocam em xeque o formato do evento como o conhecemos.

Da forma como jogos são distribuídos e comercializados à forma como conteúdo é consumido pelas gerações mais novas de jogadores, tudo tem impactado a E3 e causado uma espécie de “crise de identidade” na feira, que vem tentando se adaptar aos novos tempos aos trancos e barrancos. Até agora, no entanto, há poucos sinais de que essas reinvenções possam ser bem-sucedidas.

Uma questão de relevância

Discussões sobre o futuro incerto da E3 começaram a ganhar força há ao menos dois anos, quando sinais de que a convenção procurava alternativas para retomar sua relevância ficaram mais claros. Mas a realidade é que feira vem sofrendo com sucessivos golpes há bem mais tempo.

Os golpes vêm da saturação de dois dos pilares mais importantes da E3: as tradicionais conferências de imprensa e os grandes estandes montados no centro de exposições de Los Angeles.

Ainda que momentos icônicos vão sempre ficar nas nossas memórias, como a triunfal entrada de Shigeru Miyamoto para o anúncio de The Legend of Zelda: Twilight Princess, na E3 2004, ou a excelente conferência da Sony na E3 2015, que contou com os anúncios de Shenmue 3, Final Fantasy VII Remake e The Last Guardian, o modelo de conferências-show tem mostrado sinais de esgotamento ano após ano, conforme publishers percebem o valor de modos alternativos de apresentar conteúdo.

A própria Nintendo é exemplo disso, tendo abandonado apresentações ao vivo para adotar o bem-sucedido modelo de Direct, uma versão pocket e pré-gravada das conferências suntuosas de outrora. Já fora da E3, Electronic Arts é outra que preferiu adotar um modelo diferente com o EA Play: múltiplas transmissões ao vivo longo de vários dias, com horários determinados para que o público possa acompanhar o conteúdo que é de seu interesse.

A EA, aliás, também foi uma das primeiras a mostrar para a ESA que nem mesmo estar presente no Centro de Exposições de Los Angeles durante os dias da E3 é uma decisão essencial: há anos que o EA Play acontece fora da E3, em um ponto físico onde fãs da publisher podem entrar livremente para assistir a demos e experimentar lançamentos. Para este ano, inclusive, o EA Play Live já está confirmado.

Queridinha indie, a Devolver Digital é mais um exemplo dessa “rebeldia” contra o sistema E3, expondo seus jogos em um estacionamento bem próximo do Centro de Exposições, mas aberto ao público. Desde 2017, a publisher independente também realiza uma espécie de “meta conferência” de imprensa, que mistura anúncios da empresa com uma sátira das grandes conferências da E3. Este ano não será diferente.

O maior exemplo desse êxodo, no entanto, fica por conta da Sony, uma das mais importantes empresas do setor e parceira de longa data da ESA e da E3. Desde o ano passado, a fabricante do PlayStation resolveu abrir mão completamente de sua participação da E3, optando por eventos próprio como a PlayStation Experience o novo State of Play ao invés de uma presença do Centro de Exposições e uma conferência de imprensa tradicional. Não fosse o cancelamento da E3 2020 por conta do coronavírus, a Sony estaria novamente de fora da E3 deste ano, mostrando que a estratégia da japonesa é o novo normal em sua relação com antes essencial convenção.

Como apontamos lá em cima, todas essas decisões têm uma motivação clara: jogos não são mais distribuídos e consumidos da mesma forma como eram há 25, 15 ou mesmo como eram há 5 anos.

Se antes a E3 servia como espaço para que publishers e desenvolvedores entrassem em contato com varejistas e distribuidores para que se interessassem por seus novos games – e, de quebra, ainda ganhar uma atenção extra da imprensa no processo –, hoje essas mesmas empresas conseguem levar seus jogos diretamente aos jogadores através de plataformas de distribuição virtual.

E, melhor ainda: na hora de apresentá-los, podem fazê-lo nos seus próprios termos. Quando e onde quiserem. Um dos exemplos mais bem-sucedidos disso é o battle royale Apex Legends, da Respawn Entertainment, que foi apresentado em uma transmissão coordenada pela EA com influenciadores e pro-players e que explodiu com milhões de jogadores em poucos dias. E nada disso passou sequer perto da E3 ou de seu calendário, tradicionalmente marcado para junho.

E3 corre atrás

Todos estes movimentos, é claro, não passaram despercebidos pela ESA, que tentou implementar mudanças na E3 para atualizá-la para as novas realidades do mercado de games.

A principal mudança veio em 2017, quando a E3 resolveu abrir suas portas para fãs. Até então, vale lembrar, o evento era voltado apenas para membros da indústria e para a imprensa internacional.

Com 15 mil ingressos vendidos naquele ano, o evento mudou consideravelmente: filas de fãs, ansiosos para experimentar jogos não lançados, encheram o expo; cosplay deram mais vida ao local; e iniciativas como o E3 Coliseum, curado por Geoff Keighley, trouxe debates e painéis com convidados especiais para a conferência – com livestream pela internet, é claro.

O novo formato deu um respiro à ESA e para a E3. Enquanto alguns ainda duvidavam da capacidade da convenção de se reinventar, outros acharam que o esforço de focar em jogadores poderia ser um novo caminho interessante. O sossego, no entanto, durou pouco.

Além do baque que foi a saída da vocal da Sony em 2019 – "A E3 se tornou uma feira de negócios sem muita atividade de negócios. O mundo mudou, mas a E3 não necessariamente acompanhou essa mudança", disse o então chefe dos estúdios de PlayStation, Shawn Layden, sobre a decisão –, a E3 quebraria também naquele ano a confiança de milhares de jornalistas e parceiros ao vazar dados pessoais, como telefone e endereço, através do seu cadastro de imprensa.

Neste ano, antes mesmo do cancelamento oficial da E3 deste ano por conta do coronavírus, a ESA tomou ainda mais um golpe: em fevereiro, Geoff Keighley, organizador e apresentador do The Game Awards e figura conhecida na indústria de games, revelou que não estaria na E3 2020, e que não organizaria os painéis do E3 Coliseum.

Em uma entrevista ao The Hollywood Reporter, Keighley explicou que "dado o que foi comunicado sobre a E3 até o momento”, não estaria “confortável em participar neste ano”.

Dias depois, mais um problema: a am8bit, empresa que atuava na diretoria criativa da E3 2020, anunciou que se afastaria do evento. A empresa foi contratada pela ESA como uma das maneiras de revitalizar o ambiente do evento como um todo, tentando torná-lo mais palatável ao público.

E agora?

Com o êxodo de importantes parceiros históricos e, desde março, o cancelamento oficial da edição deste ano, a E3 se encontra em uma situação complicada para continuar provando sua relevância a partir de 2021.

Isto porque, na ausência da E3 2020, várias organizações, publishers e desenvolvedoras, já se adiantaram para criar alternativas virtuais para preencher o vácuo que o evento da ESA deixou e apresentar novidades – afinal, em ano de nova geração de consoles, novidade é o que não vai faltar.

As iniciativas são variadas, mas duas, em especial, são preocupantes para a E3. A primeira delas é o reforço da ideia de que grandes fabricantes e publishers não precisam da conferência para fazer seus anúncios: além da já divorciada Sony, a Microsoft revelou planos de fazer anúncios mensais a partir de maio sobre o Xbox Series X e seus serviços através do programa Inside Xbox. Se a estratégia der certo para a companhia, nada impede a Microsoft de repetí-la no ano que vem e dar um migué na E3.

Outro fator preocupante para a ESA é o Summer Game Fest, novo evento virtual criado por Geoff Keighley com o objetivo de ser uma “temporada” de anúncios de games, que acontecerá de maio até agosto deste ano e funciona como um guarda-chuva para eventos de nomes grandes da indústria, como 2K, Activision, Bandai Namco, Bethesda, Blizzard Entertainment, Bungie, CD Projekt Red, Electronic Arts, Microsoft, Sony, Square Enix, Riot Games, Steam e Warner Bros. Interactive Entertainment.

Se bem sucedido, o novo formato de evento digital proposto por Keighley, que inclui também eventos dentro de jogos e itens especiais como loot para espectadores, pode ser um problema sério para a E3 – principalmente por parecer uma alternativa muito mais barata para publishers, que vão pode expor seu conteúdo de forma controlada e sem precisarem arcar com os altos custos de estandes de exposição em um evento como a E3.

Para todos os efeitos, a edição de 2021 da E3 já está confirmada desde abril: o evento acontecerá entre os dias 15 e 17 de junho do próximo ano em formato “reimaginado”.

Por enquanto, a ESA ainda não deu detalhes sobre o que exatamente podemos esperar da próxima edição da E3, mas é essencial que a organizadora da feira entenda o esgotamento do modelo tradicional do evento para poder torná-lo novamente relevante para o público e para empresas no ano que vem.

2020 promete ser um ano de aprendizado para a indústria, que terá que testar novos formatos de divulgação de conteúdo para atingir jogadores afetados por um mundo em pandemia – ainda que, ao mesmo tempo, mais conectado como nunca.

É importante para a E3 aprender com essas experiências e encontrar novos modos de engajar a comunidade de jogadores com as empresas que expõe em seu show floor. E, com essas mudanças, almejar que o evento icônico continue entre nós pelo próximo quarto de década.