A Microsoft entregou uma documentação à Autoridade de Concorrência e Mercado (CMA) do Reino Unido, detalhando o motivo pelo qual os sistemas operacionais da Apple são os únicos que não têm um app dedicado para a plataforma Xbox Cloud – e surpreendendo um total de zero pessoas, a empresa culpa a “Maçã” de Cupertino e suas práticas financeiras.
Lançado em setembro de 2020, o Xbox Cloud permite que assinantes do plano Ultimate do Game Pass joguem os games dentro do catálogo da plataforma sem precisar instalá-los: tudo fica armazenado e rodando dos servidores da Microsoft, e você joga tudo por streaming, com uma conexão de internet. É quase igual ao GeForce Now da NVIDIA – inclusive, as duas empresas têm uma parceria de vários benefícios mútuos.
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A vantagem do cloud gaming para o usuário é multifacetada: por um lado, você não tem que pagar preços exorbitantes por um jogo, podendo assinar – por um valor bem menor – o acesso a um vasto catálogo. Ademais, você economiza recursos como espaço de armazenamento digital, já que não vai instalar o jogo na sua máquina, mas sim o rodará pela internet.
A não ser que você seja usuário do macOS, iOS ou iPadOS. Nesses casos, você é obrigado a acessar a interface do Xbox Cloud pelo navegador embutido nos seus aparelhos. Ou isso, ou não joga.
Mas apesar da Microsoft atribuir a “culpa” disso à Apple, o contexto é um pouco mais complexo do que você pode pensar: o Xbox Cloud pode entrar nas lojas de aplicativos da “Maçã”? Sim, pode. A Microsoft quer? Não, não quer. Mas por que ela não quer? Por causa da Apple.
Calma que a gente explica: no começo deste ano, a Apple decidiu abrir a App Store para aplicações nativas relacionadas a produtos concorrentes. Essa é a parte do “pode” no parágrafo anterior, já que, a partir daqui, bastaria apenas a Microsoft criar uma interface dedicada para sistemas da concorrente – iPhone, iPad, macbooks, iMacs etc.
O problema: de acordo com a documentação emitida à CMA pela Microsoft (via Verge), a dona do Xbox afirma que a permissividade da Apple em aceitar apps de concorrentes diretas veio junto à costumeira – e amplamente criticada – política tributária atrelada à App Store. Para todo e qualquer app, a Apple exige um pagamento de 30% de tarifa em cima ou do faturamento mensal de um app (em caso de apps gratuitos que se alimentem por anúncios ou assinaturas) ou do seu preço por download (no caso de apps pagos). Aqui, cabe ressaltar que o Google – com a sua Play Store – faz exatamente a mesma coisa.
Mas então por que essa “treta” com a Apple e não com o Google? Porque o dono do Android, embora cobre as tarifas dentro da Play Store, permite que usuários instalem apps de outras fontes – fontes essas que não estariam sujeitas a essas cobranças. Já a Apple não: ou você baixa um app pela App Store, ou você não baixa nada (sim, tem o “jailbreak”, mas estamos falando de soluções oficiais).
A situação teve um vislumbre de mudança quando a União Europeia, por meio de uma nova legislação, forçou a Apple a funcionar de forma parecida com a do Google. A empresa obedeceu, mas não sem empurrar algumas exigências próprias – isso que não “desceu bem” para a Microsoft:
“[A] Microsoft identificou diversas outras provisões dentro do Contrato de Conduta da Apple que continuam a limitar a sua habilidade de distribuir e operar um app nativo de cloud gamind dentro do iOS (especificamente, as seções 2.1, 2.5.2, 2.5.6, 3.1.1, 3.1.2(a), 3.1.3(b), 3.2.2(i), 3.2.2(ii), 4.2.2., 4.2.7(e)).”
Resumindo as seções, elas basicamente forçam a empresa que hospedar um app dentro das lojas da Apple a tratar todas as suas funções monetárias – como assinaturas e aquisições e downloads pagos ou não – como uma “microtransação” (“IAP”, ou “in app purchase”, no original em inglês). Se a Microsoft obedecer a isso, todo e qualquer download feito dentro do Xbox Cloud – da oferta do app às suas atualizações – estariam sujeitos à cobrança da tarifa de 30%.
“Inclusive, a tarifa de comissão por IAP cobrada pela Apple está ajustada em um nível que não é nem economicamente sustentável, nem tampouco justificável. A comissão de 30% torna impossível para a Microsoft efetivamente monetizar a sua oferta de cloud gaming, considerando que a seção 3.1.3(b) impede que diferentes conteúdos, assinaturas ou funções (incluindo itens consumíveis em jogos multiplataforma) sejam oferecidos a usuários do iOS (se comparados a conteúdos, assinaturas e funções em outras plataformas).”
Em termos práticos: o Xbox Cloud não exige que você “pague” pelo jogo – ele já é contemplado na assinatura do serviço. Mas jogos que tenham DLCs, extras e outras benesses cosméticas adicionais de conteúdo (como skins, expansões e afins) seriam pagas já que esses serviços são oferecidos pelos criadores dos jogos, não pela Microsoft.
Mas seria a Microsoft a pagar a conta deles à Apple, já que o acesso do usuário a todos esses serviços viria pelo app oficial do Xbox Cloud.
Essa “celeuma” toda veio à tona porque a CMA está, neste momento, conduzindo uma investigação que contempla navegadores de internet, mecanismos de buscas e a distribuição de apps de jogos – incluindo cloud gaming – por todo o Reino Unido. A própria autoridade já reconheceu “diversas vias” de resolução do problema, mas todas exigiriam que a Apple abrisse algum tipo de exceção ou editasse de forma mais permissiva as suas políticas frente às suas lojas digitais.
Do lado da Apple, a “Maçã” de Cupertino alega que não precisa fazer nada disso, haja vista que nenhuma mudança é necessária caso os usuários prefiram acessar o Xbox Cloud (e outras plataformas congêneres) pelo navegador dos seus sistemas operacionais. Inclusive, a própria empresa cita um número de 20 milhões de usuários que utilizam o Xbox Cloud desta forma.
“É notável que a CMA tenha citado as preocupações da Microsoft dentro da documentação de investigação, já que a Microsoft escolheu não interagir com a Apple no que tange aos jogos via cloud gaming desde que a Apple alterou seu Contrato de Conduta”, disse a dona do iPhone. “Essa falta de engajamento vem apesar da Apple e sua abordagem afirmativa de novas oportunidades e ferramentas de cloud gaming no iOS.”
A CMA estabeleceu o final de setembro como prazo final para que todas as partes respondam aos questionamentos levantados pela investigação, já que o relatório preliminar de evidências terá que ser entregue ao governo britânico em novembro. Já o documento final – com qualquer decisão em potencial – virá apenas entre janeiro e fevereiro de 2025.
Em outras palavras: essa briga ainda vai longe.