Em vários momentos, The Medium me drenou ao ponto de me tornar incapaz de seguir em frente sem ao menos uma pausa.
Digo isso como um elogio, já que não essa sensação não veio de frustração com quebra-cabeças, lutas com monstros ou coisas do tipo. O desgaste veio pela simples interação com os mundos do jogo - cada um melancólico, sombrio e perturbador a sua própria maneira -, cujo peso e sensação de opressão se carregaram tão bem no meu quarto escuro que era difícil não sentir algum nível de exaustão ... chegando até a paranóia.
Em especial durante a primeira metade do jogo, o mero ato de explorar as áreas vazias de um resort caindo aos pedaços, seja no mundo real ou em sua contraparte sobrenatural, e descobrir os fantasmas (figurativos ou literais) que os habitam, traziam em mim uma tensão constante, esperando que alguma coisa saltasse das sombras - mesmo tendo noção de que isso raramente aconteceria.
Por isso, apesar de certas ressalvas com o jogo e algumas decisões da equipe, a capacidade do estúdio Bloober Team de criar esta ambientação e atmosfera de maneira tão efetiva elevam a experiência total do game.
The Medium se passa na Polônia de 1999 e é centrado em Marianne, uma mulher capaz de ver tanto o mundo dos vivos quanto o dos espíritos, podendo regularmente interagir com um, outro, ou até os dois simultaneamente.
Além disso, ela tem um sonho recorrente em que uma menina foge de um homem misterioso, que aponta uma arma ao encurralá-la em um píer abandonado.
Em um dia já particularmente difícil, ela recebe a ligação de um misterioso homem chamado Thomas, dizendo que a conhece e sabe de sua habilidade especial, pedindo para encontrá-lo no resort abandonado de Niwa.
Criado no auge do regime comunista da Polônia, Niwa foi abandonado de forma misteriosa, e rumores de que um massacre ocorreu anos antes correm entre a população.
Procurando por Thomas, Marianne adentra o complexo destruído, e conforme segue as pistas e investiga os acontecimentos do local, ela descobre mais não só do que realmente aconteceu em Niwa, como sua própria relação com o passado do resort.
Com o tempo, ela também passa a ser perseguida por uma entidade monstruosa e aterrorizante conhecida como "The Maw" (com voz de Troy Baker, que faz um trabalho surpreendente no papel de uma entidade assassina), que também é capaz de atravessar os dois mundos para caçá-la.
Ao contrário dos jogos anteriores do Bloober Team, The Medium não é um jogo em primeira pessoa. A perspectiva deste novo game, aliás, é bem familiar para fãs de survival horror de longa data: tal qual os Silent Hill e Resident Evil clássicos, a câmera fica em pontos fixos, com o jogador guiando Marianne pelas diferentes salas, quartos e outros ambientes em busca de itens ou informações relevantes.
Na época do PlayStation e PS2, este estilo era usado mais por necessidade e limitações de hardware, mas quando bem implementado potencializava sensações de isolamento, perigo e tensão. E os desenvolvedores de The Medium souberam usar isso de forma excelente.
O posicionamento das câmeras em ângulos específicos são um fator significativo na aplicação da sensação de isolamento e opressão que senti durante boa parte da experiência, já que os próprios desenvolvedores decidem o que você é capaz de ver e de não ver.
Também ajuda o fato de o jogo não ter trechos de combate, e Marianne em geral tem pouco a fazer para enfrentar ameaças além de usar um escudo (que requer energia espiritual) ou simplesmente se esconder.
Complementando a câmera fixa está a direção de arte, que consegue estabelecer dois mundos diferentes, mas que trazem suas próprias tensões e medos: o mundo dos espíritos - inspirado pelas obras do artista polonês Zdzisław Beksiński - é carregado de imagens estranhas e perturbadoras, com diferentes áreas carregadas de tipos de subjetividades representando violência, abuso, destruição e mais; o mundo real de Niwa e seus arredores, por sua vez, traz uma sensação de abandono mais "pé no chão", com ambientes abandonados e definhando, com os eventos que aconteceram por lá se misturando às manchas nas paredes e escombros no chão.
A música também complementa e potencializa estas sensações, graças ao trabalho de composição de Arkadiusz Reikowski para o mundo real e de Akira Yamaoka (responsável pelas composições de Silent Hill) para o espiritual. A trilha raramente se expõe demais, mas ajuda a manter a sensação de desconforto ao navegar por estes territórios.
E, durante vários momentos, você pode ver (e ouvir) estes dois lados do ambiente simultaneamente, já que Marianne é capaz de enxergar essas duas realidades ao mesmo tempo, representadas na forma de uma tela dividida.
Esta mecânica, que aparece em momentos pontuais da experiência, também acaba envolvendo muitos dos quebra-cabeças do jogo, já que estes mundos conversam entre si, e um bloqueio em um impede o progresso em ambos. Para solucionar estes problemas, é preciso encontrar algo que complemente a realidade oposta para abrir o caminho ou fazer algo mudar em algum deles.
Os quebra-cabeças tendem a ser relativamente simples, embora um ou outro possa causar frustração (consigo pensar em um que, ironicamente, acaba sofrendo pelos ângulos de câmera que elogiei mais cedo), e admito que empaquei em alguns momentos simplesmente por não lembrar de uma das habilidades mais úteis de Marianne, que pode sair temporariamente de seu corpo para explorar mais do mundo espiritual.
Quanto à história do game em si... há muito que gostei, mas algumas das decisões feitas pela equipe de desenvolvimento me deixaram ambivalente em certos pontos
A narrativa central traz momentos efetivos e, por vezes, emocionalmente fortes ao lidar com temáticas como traição, abuso, violência psicológica e traumas emocionais, especialmente com figuras ligadas ao misterioso Thomas e a história do resort.
Porém, alguns diálogos entre personagens são um tanto esquisitos e não soam particularmente naturais (e não de forma intencional, ao meu ver); a narração de Marianne faz sentido em termos de estrutura narrativa, mas há vários momentos com observações que soam desnecessárias, ou com algumas piadas fora de lugar.
A primeira metade do jogo também me pareceu mais forte do que a segunda, embora talvez a este ponto já tivesse me acostumado melhor com a ambientação do game e seus mundos.
Já a conclusão termina em ponto de ambiguidade estranho, menos como se a história tenha chegado a seu fim e mais como ela tivesse simplesmente parado de ser contada. E embora este talvez seja o ponto, minha sensação ao fim foi mais de insatisfação, tendo até carregado o save para ver se havia algo a mais.
Há algumas conquistas secretas que não desbloqueei até o fim desta análise, então é possível que exista algo a mais no jogo que não tenha encontrado, o que pode me fazer reavaliar este ponto mas, por enquanto, o gosto do final ficou um pouco amargo.
Além disso, não sei exatamente o quão efetiva é a experiência de jogar o game novamente, e o quanto a sensação de opressão e desgaste psicológico se perde ao ter uma noção melhor do que está a sua espera em Niwa.
Também vale notar alguns glitches e bugs na experiência, incluindo demora para leitura de algumas texturas e o raro caso em que o personagem fica preso na geografia do mapa. Não diria que são problemas técnicos extensos, mas podem causar um pouco de - ou, dependendo do último ponto de carregamento do jogo, muita - irritação
De qualquer forma, mesmo com alguns percalços e problemas que me deixaram um pouco mais decepcionado do que gostaria, The Medium é uma ótima experiência atmosférica, utilizando música, gráficos e interatividade de várias formas para manter o jogador constantemente desconfortável e tenso.
Não espere muito do jogo se prefere algo com mais ação, mas a ambientação sombria e decadente são capazes de te deixar mergulhado nestes mundos inquietos e absorver mais de sua história.
- Lançamento
28.01.2021
- Publicadora
Bloober Team
- Desenvolvedora
Bloober Team