Ao remover suas camadas brilhosas, ensurdecedoras e psicodélicas, The Artful Escape conta com uma premissa e mensagem bem simples e (pelo menos em circunstâncias ideais, nas quais não nos encontramos) sem controvérsia.
O mesmo pode ser dito em termos de suas mecânicas de gameplay, que na maior parte do tempo podem ser resumidas em “manter a alavanca analógica na esquerda e segurar o botão X” com a ocasional sessão de Genius com os botões equivalente a acordes de guitarra.
Mas aí é está o problema em resumir algo a seus elementos técnicos mais básicos: o tempero, sabor e acabamento podem se perder no caminho.
E a apreciação de The Artful Escape é quase inteiramente dependente de como você responde à particular mistura de elementos de som, luz, música e imagens loucas que irão invadir seus olhos, ouvidos, e qualquer que seja o ambiente em que estiver jogando.
Desenvolvido pelo estúdio Beethoven & Dinosaur e distribuído pela Annapurna Interactive, The Artful Escape foi descrito certa vez por seu diretor criativo Johnny Galvatron (da banda australiana The Galvatrons) como “David Bowie viajando de Londres em uma viagem interestelar para criar Ziggy Stardust”.
E… bom, é a descrição perfeita para o jogo, ao ponto de difícil tentar encontrar outras formas de explicar qual é a pegada do projeto. Mas vamos tentar de qualquer forma.
A narrativa do game é focada em Francis Vendetti, um jovem adolescente com talento e aptidão musical que vive na cidade de Calypso, no Colorado. Infelizmente para o rapaz, ele vive sob a sombra de outra figura com talento e aptidão musical lendários: seu tio, Johnson Vendetti.
Inspirado principalmente em Bob Dylan (com o que parece ser uma pitada de Pete Seeger e talvez um pouquinho de John Denver), Johnson Vendetti é um lendário cantor e compositor de música folk, cujo sucesso e morte trágica o tornaram um ícone local. Sendo assim, por praticamente toda a sua vida Francis foi criado para seguir nos passos de seu tio e tornar-se um “músico folk sério”.
O problema é que o rapaz, no fundo, não tem o menor interesse em seguir esses passos, e às vésperas de seu show inaugural, finalmente decide criar “a persona artística mais elaborada já criada” — afinal, não há melhor época para não querer ser Bob Dylan, embora talvez David Bowie não seja necessariamente uma alternativa tão melhor assim.
E, como não há nada melhor do que vivência para criar uma identidade artística, na noite anterior à apresentação Francis é visitado por Lightman, um músico intergalático que convida o jovem para ser seu número de apresentação.
Daí para frente, Francis e o jogador seguem por uma jornada musical, conhecendo diversos planetas e figuras bizarras enquanto formam sua nova persona, acordando e iluminando todos os mundos em que passam ao esmirilhar sua guitarra.
Como eu disse no início, muito do gameplay do jogo se resume a guiar Francis em uma direção, fazer o ocasional salto desafiador, e em geral segurar o “botão de guitarra” para enriquecer a trilha sonora do ambiente com seu instrumento musical.
Mas o que torna esse ato recompensador é ver o que acontece quando o mundo ouve sua música ou sente sua presença: luzes se acendem, flores desabrocham, animais gigantescos e de biologia insana acordam de seu sono ou ganham novos contornos com os acordes de Francis.
Uma explosão de imagens vistosas e brilhantes surgem ao seu redor, e a câmera sabe quando fechar ou abrir o quadro para trazer o maior impacto possível com suas vistas expansivas.
Me lembra — de todas as coisas possíveis — do infame “Awesome Button” que a Bioware vendeu para Dragon Age 2, com o diferencial importante de que é algo apropriado para The Artful Escape, já que não estamos falando de um RPG de ação que pede complexidade no combate, e sim de um jogo de plataforma que está mais focado em estética do que no desafio.
The Artful Escape não é um jogo difícil, e nem se propõe a ser. Mesmo os duetos que servem como lutas contra chefe costumam ser relativamente tranquilos — embora talvez eu tenha mais facilidade para mecânicas de ritmo? —, e sim mais como uma forma de expressão do próprio Francis, sendo possível escolher o tempo de segurar cada botão para dar personalidade a cada sequência.
Todo o jogo é voltado para a criação desta persona artística, com até momentos de quebra dessa base de gameplay para dar ao jogador novas formas de se expressar, incluindo uma entrevista de talk-show e uma visita a um guarda-roupas para customizar o Artista Antigamente Conhecido como Francis Vendetti.
Estes são os momentos em que o jogador pode encarnar seu próprio Bowie e dar vida a essa persona: qual é seu passado? Ele é um ladrão ou um guerreiro? Lobo solitário ou líder de uma orquestra? Gente boa ou um babaca?
Tudo isso é amplificado graças a um elenco de personagens um tanto arquetípicos, mas bem interpretados. Lightman, em particular, dificilmente teria o mesmo nível de charme e estilo se não tivesse a voz do grande Carl Weathers.
A presença de Weathers é bem apropriada, já que o ator encontrou fama nos anos 1970 e 1980 como Apollo Creed em Rocky, e o jogo faz clara referência (e deferência) à estética destas em vários sentidos, de álbuns de rock progressivo e capas de livros de ficção científica até filmes como De Volta para o Futuro e Bill & Ted.
… E, embora sem contar tanto com o humor característico (com algumas exceções), não pude deixar de pensar em O Guia do Mochileiro das Galáxias, com seus alienígenas e planetas esquisitos.
No fim, porém, The Artful Escape é um jogo bem simples, curto e agradável. Não há muito de inovador nele em termos de mecânicas, e sua narrativa parecer seguir as etapas da Jornada do Herói à risca, mas elas servem para trazer à tona toda a piração de som, luzes e ambientação imaginada pelos desenvolvedores da Beethoven & Dinosaur.
É um jogo que, honestamente, se define pelas “vibes”: Às vezes melancólicas e tristes, como no início do jogo ao explorar a cidade de Calypso com a música de Johnson Vendetti ecoando por toda a parte como uma aparição fantasmagórica; às vezes triunfal e insana, com números musicais representando batalhas intergaláticas.
Se você tiver um PC ou Xbox e uma assinatura do Game Pass, vale a pena conferir — inclusive, talvez, até como um contraponto a outro jogo da Annapurna Interactive que chegou ao serviço recentemente, Twelve Minutes.
Ambos são relativamente curtos, mas enquanto um é uma experiência sombria e claustrofóbica que pede para que o jogador resolva quebra-cabeças da forma mais agressiva possível, outro é uma aventura bombástica e exuberante, que busca uma auto-expressão do jogador de uma forma suave e descontraída.