Um consenso geral no mercado de games é o de que o jogo exclusivo existe para vender consoles. Se você quer jogar aquele jogo, precisa comprar o aparelho - e jogos imperdíveis atraem as pessoas para uma plataforma. Foi assim que Nintendo e Sony, cada uma a sua maneira, construíram seus impérios nos anos 1980 e 1990, respectivamente. A Microsoft, até recentemente, trabalhava da mesma maneira com o Xbox, mas agora anunciou uma jogada que pode representar o futuro deste tipo de título.

Nesta terça (23), a empresa anunciou que todos os seus jogos exclusivos estarão disponíveis desde o lançamento no Xbox Game Pass, serviço de assinatura de jogos similar à Netflix, que dá acesso a um catálogo com mais de cem títulos por uma mensalidade de R$ 29,90. O primeiro a seguir essa regra é Sea of Thieves, com lançamento marcado para 20 de março.

A visão da Microsoft sobre seus jogos exclusivos já havia mudado há dois anos, quando a empresa anunciou o Xbox Play Anywhere, que permite compartilhamento de multiplayer (e até mesmo de compra) entre o Xbox One e PC. Com essa estratégia, a empresa deixou uma mensagem clara: que ela não via mais os títulos exclusivos como baluartes da venda de consoles.

Com o Play Anywhere, a Microsoft foi na contramão do mercado. Afinal, a estratégia de “exclusivos vendem consoles” ainda funciona, como demonstrado pela Nintendo com Zelda: Breath of the Wild e Super Mario Odyssey no Switch. Para os pessimistas, era mais um sinal de que a empresa estaria jogando a toalha em face dos baixos números do Xbox One - que deixaram de ser divulgados em meados de 2015.

Por trás dessa reviravolta no método tradicional dos fabricantes de console - o fim da divulgação das vendas do Xbox One, o compartilhamento de seus exclusivos com outra plataforma -, está uma mudança na própria estrutura da Microsoft. Há alguns anos, a companhia tem se reposicionado como uma provedora de serviços, e não apenas de software. Seria algo na linha do Google, com seus aplicativos de edição e criação de textos e planilhas, ou a Netflix, que dá acesso legal a um catálogo de filmes e séries.

Para a dona do Xbox, o jogo exclusivo não serve mais para vender console, e sim o serviço

Uma característica fundamental destes serviços é a acessibilidade. O Google oferece edição de textos e planilhas em um programa, na web e no celular, com tudo conectado. A Netflix permite que você assista ao seu catálogo em praticamente qualquer aparelho, do PC aos smartphones, passando até, veja você, pelos consoles de videogame.

A Microsoft entendeu que a acessibilidade seria o caminho mais correto para vender o Xbox como serviço, e não apenas como plataforma, e a mudança anunciada com o Game Pass é a cartada de mestre. Para a dona do Xbox, o jogo exclusivo não serve mais para vender console. Ele serve para vender o serviço.

Agora, os títulos exclusivos estão para a Microsoft assim como as séries originais da Netflix estão para a plataforma de streaming. O Game Pass já se tornou automaticamente a melhor opção para conferir toda a produção first-party da Microsoft, com seu preço extremamente convidativo. E, ao garantir que nomes como Halo, Gears of War e Forza estarão à disposição para os assinantes ao mesmo tempo em que chegam às lojas, a empresa deu aos fãs o motivo derradeiro para assinar o serviço.

Em um futuro no qual as vendas de jogos digitais se encaminham para se tornar o padrão do mercado, a visão que se vende ao consumidor é a de que você pode economizar e, com isso, comprar mais - vide o Steam e suas promoções insanas, que garantem bibliotecas lotadas de títulos.

Nesse cenário, a dona do Xbox se posicionou como uma alternativa que une a mesma visão de economia de jogos existente no ecossistema do PC com o que os consoles sempre tiveram de mais chamativo.

O segredo para o sucesso dessa estratégia, agora, é a qualidade do conteúdo oferecido. A Netflix começou como uma plataforma de streaming de filmes e séries de outros estúdios, mas aos poucos foi se tornando ela própria uma produtora de conteúdo, de modo que sua programação original é o maior chamariz do serviço.

Com o crescimento de assinantes do Game Pass, não é difícil imaginar que o serviço pode acabar se tornando o chamariz para um catálogo de jogos exclusivos ainda mais robusto. Só vai depender do que a Microsoft tiver a oferecer daqui em diante. Mas o cenário montado é um dos melhores possíveis.