Em 2 de março, a sede do Snapchat em Los Angeles estava em festa: na costa oposta dos Estados Unidos, os co-fundadores Evan Spiegel e Bobby Murphy tocavam o sino da bolsa de valores de Nova York e abriam oficialmente o capital da empresa após meses de antecipação do mercado.

Em um dia de pregão, as ações da companhia saltaram da oferta inicial de US$ 17 (cerca de R$ 56,50, em conversão direta) para US$ 24,48 (R$ 81,36). Foi uma valorização de 44% que confirmava as expectativas da indústria com o IPO – a oferta pública de ações se tornava a maior do setor de tecnologia desde 2014, quando a gigante chinesa do e-commerce Alibaba abriu seu capital com ações oferecidas a US$ 92,70 (cerca de R$ 308,09 por ação).

Na semana passada, no entanto, um mau presságio que já rondava a rede social do fantasminha antes mesmo de seu IPO voltou para assombrar investidores: a dúvida sobre qual será a capacidade do Snapchat de continuar inovando e competindo no acirrado mercado digital. Pela primeira vez desde a abertura do capital, as ações da Snap Inc. – nome oficial da empresa  – caíram ao mesmo valor de US$ 17 de seu IPO original na última quinta-feira (15), e levantaram questões sobre o futuro da companhia.

Ações da Snap Inc. chegaram ao mesmo valor do IPO

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É claro, ações sozinhas não indicam o quanto uma empresa está saudável ou não, mas, no caso específico do Snapchat, são consequência de uma preocupação do mercado e de investidores quanto aos números apresentados pela rede social. Em maio, a companhia publicou seu primeiro relatório fiscal de resultados, que contabilizou uma base de usuários de 166 milhões de pessoas no primeiro trimestre de 2017. É uma base sólida, mas que tem sofrido com uma desaceleração e com o crescimento assustador de um rival que, tecnicamente, sequer existia há doze meses.

Essa rival, claro, é o Facebook. Quatro anos após tentar comprar o Snapchat por US$ 3 bilhões (R$ 9,97 bilhões) e ter sua oferta recusada pela empresa, a empresa de Mark Zuckerberg resolveu que já havia dado espaço o suficiente para o Snapchat continuar crescendo e atraindo o público millennial, e que já era hora de enfrentar a rede social de igual para igual na disputa por estes usuários.

A função Stories, lançada pelo Facebook dentro do Instagram em agosto do ano passado, hoje é o maior adversário da rede social do fantasminha e um ctrl+c/ctrl+v de muitas das funcionalidades mais importantes do Snapchat: vídeos e fotos que podem ser compartilhadas com amigos e desaparecem após 24 horas e, mais importante, filtros de realidade aumentada – cópia das Lentes do Snapchat lançadas em meados de maio pelo Facebook.

Em 2013, o Facebook fez uma oferta de US$ 3 bilhões pela compra do Snap

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Em abril, a função Stories do Instagram atingiu 200 milhões de usuários ativos mensais, ultrapassando oficialmente a base de usuários do Snapchat apenas oito meses após seu lançamento. Nesta terça-feira (20), outro golpe: a companhia divulgou que a função já atingiu 250 milhões de usuários.

E vale lembrar: enquanto o Snapchat precisa brigar para conquistar cada usuário novo para sua plataforma, o Facebook ainda têm uma ampla base de 450 milhões de usuários extras que já estão dentro do Instagram e só precisam começar a usar o Stories para ajudar a empresa a aumentar ainda mais esse valor.

E no Brasil?

Tradicionalmente, o Snapchat sempre concentrou suas forças entre usuários jovens dos Estados Unidos e de outros três “mercados âncora” – Canadá, Reino Unido e Austrália –, países desenvolvidos onde a penetração de smartphones e acesso à banda larga são mais sólidos e permitem que o app cresça com facilidade.

Em mercados em desenvolvimento, como Índia e mesmo o Brasil, a realidade é outra. A própria empresa reconhece que tem dificuldade em crescer nestas regiões e já discutiu o problema abertamente – inclusive no pedido de registro de abertura de capital, onde alertou possíveis investidores de suas limitações. “Não esperamos experimentar um rápido crescimento ou engajamento de usuários em países com baixa penetração de smartphones, mesmo que esses países tenham redes celulares de alta capacidade”, escreveu a companhia no documento.

Apesar disso, a empresa tem aos poucos explorado novas águas em países em desenvolvimento com um público ativo em rede sociais  – o Brasil sendo um deles. No último trimestre do ano passado, a Snap Inc., sem escritório local, começou a atuar no país através da IMS Corporate, uma representação comercial que tem feito o “evangelismo” da plataforma junto a agências e potenciais clientes.

A expectativa, no caso, é aproveitar a base instalada local que teve um crescimento orgânico para começar a fechar oportunidades comerciais por aqui. Para a tristeza do aplicativo, no entanto, a expansão para o país foi concomitante com o crescimento do Stories, o que já tem gerado um sentimento de “o Snapchat já morreu” que está sendo combatido pela representante da rede social aqui.

Essa é uma ideia que começou a circular no mercado entre companhias que não experimentaram o Snapchat”, defendeu Enor Paiano, vice-presidente de vendas da IMS Corporate e um dos responsáveis por promover os negócios da empresa no país. “O Brasil é um mercado extremamente importante para o Snap, está entre o terceiro e quinto maior mercado do mundo”. A empresa não revela números locais sobre sua base de usuários.

Evan Spiegel, co-fundador do Snapchat

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Segundo Paiano, apesar da concorrência do Facebook, o Snapchat ainda mantém sua força entre jovens de 18 e 24 anos – que representam 40% dos usuários do aplicativo no Brasil – e que tendem a enxergar o serviço como uma plataforma equivalente ao Whatsapp: um lugar para se passar mais tempo – uma média de 25 a 30 minutos por dia – para conversar e socializar com grupos de amigos próximos, sem o mesmo nível de exposição que o Facebook tem, por exemplo.

“(No Snapchat) você entra no grupo com quem você quer conversar, não faz sentido ficar expandindo esse grupo como no Facebook ou Instagram. O Snap não tem curtir, não têm compartilhar”, avalia Paiano. “O tipo de uso desse grupo não mudou, o público do Snap está lá por outra razão”.

Mas se a característica “intimista” do aplicativo pode ser importante para manutenção e fidelização da base de usuários, influenciadores digitais e marcas, por outro lado, tendem a ver isso como mais um empecilho para investir – tempo ou dinheiro – no aplicativo. Afinal, alcançar a maior exposição possível é o objetivo de qualquer campanha.

O Snap é um aplicativo de comunicação e o Instagram é de difusão, o que é perfeito para o influenciador”, explica Thaynara OG, advogada maranhense considerada uma das maiores influenciadoras do Snapchat no Brasil, com uma média de 450 mil visualizações por vídeo postado na rede. “No Instagram, as histórias mais relevantes conseguem atrair um público que não te conhece através da área explorar. Nesse quesito, o Snap deixa a desejar”.

Essa característica tem afetado a percepção de marcas sobre o Snapchat como uma alternativa viável de mídia. De acordo com uma pesquisa recente da Social Media Examiner, que questionou 5,7 mil agentes de marketing nos Estados Unidos, apenas 7% dos respondentes afirmaram ter usado o Snapchat no primeiro trimestre de 2017 como veículo de publicidade. O Facebook, como esperado, domina o mercado com 94% de uso. Já o rival Instagram, é quarto posicionado da lista de sete redes, usado por 54% dos respondentes.

Eu, particularmente, nunca fiz uma campanha publicitária no Snapchat, muito por conta de que quando o Snapchat começou a expandir para o Brasil, o Instagram lançou a função Stories e impactou sim a dinâmica do uso da ferramenta”, conta Thiago Aimi, diretor de mídia da Agência África, uma das visitadas pela equipe da IMS durante seu “roadshow” do Snapchat no Brasil. Segundo Aimi, no entanto, há a expectativa de que ao menos uma campanha seja fechada até o final do ano na plataforma.

Do outro lado há a visão otimista de Paiano: o Facebook pode ser um adversário grande, mas sua relevância pode ajudar na propagação do uso de conteúdo de mídia vertical por empresas, aumentando o investimento de marcas no formato. “Tem um aspecto bom que é o fato de incentivar clientes a produzir vídeos verticais. Uma empresa fazer uma campanha de vídeo vertical só para o Snapchat é difícil”, avalia o executivo da IMS. “Um concorrente do tamanho do Facebook falando sobre vídeo vertical é uma coisa boa”.

Entre as campanhas já realizadas pelo Snapchat no Brasil, estiveram uma iniciativa junto ao Itaú, focada em atingir o público jovem com informações sobre educação financeira, e uma campanha da OLX, veiculada no dia 1º dia do ano e que convidava o público a "desapegar" das coisas do ano anterior. A campanha da OLX foi considerada um dos picos de audiência da redes social em engajamentos publicitários, gerando 463 mil engajamentos com o filtro customizado.

O que pode vir no futuro?

Lançados no ano passado, Snaptacles chegaram recentemente à Europa

Snapchat/Divulgação

Alguns meses antes do seu IPO, em setembro de 2016, a então Snapchat anunciou a mudança do nome da companhia oficialmente para Snap Inc. Com o novo nome, vieram também duas outras novidades: o lançamento dos Snaptacles – óculos de Sol com uma câmera embutida que permite o compartilhamento de fotos diretamente com o aplicativo – e, alguns meses depois, uma nova denominação – a Snap Inc. seria agora uma “empresa de câmeras”.

Ambos mostram que a companhia tem uma visão diversificada para seu futuro que vai além de ser um aplicativo social que só quem é jovem entende e sabe como usar.

Sete meses depois de introduzi-los nos Estados Unidos, a Snap lançou os Snaptacles em Londres, Paris, Berlim, Barcelona e Veneza no começo deste mês, na expectativa de expandir sua divisão de hardware e criar o mesmo hype gerado no lançamento original entre os 55 milhões de usuários europeus do Snapchat.

Em abril, a companhia também introduziu as World Lenses, novos filtros virtuais em três dimensões que podem ser aplicados sobre imagens feitas na plataforma e que mostram como a empresa segue investindo no desenvolvimento de realidade aumentada em dispositivos móveis – algo que o Google e a Apple já mostram interesse, com o projeto Tango para Android e a mais recente atualização do iOS 11, respectivamente.

A plataforma tem avançado também em acordos comerciais. Na segunda-feira (19), a Snap anunciou um novo acordo com a Time Warner - detentora das marcas HBO, Turner e Warner Bros - no valor de US$ 100 milhões pelos próximos dois anos que incluirá a produção de 10 programas originais para o Snapchat, além de investimentos em publicidade.

Se as apostas do Snapchat ajudaram a companhia a retomar o otimismo que o mercado via em sua plataforma antes do IPO, só saberemos ao longo dos próximos trimestres e acompanhando os próximos resultados financeiros da companhia. A empresa do fantasminha, no entanto, parece ainda disposta a assombrar concorrentes e não desaparecer tão cedo.