Review: Final Fantasy VII Rebirth vai te encantar, surpreender… e decepcionar
Da realidade ao desconhecido
O que você faria se soubesse o seu futuro? Você tentaria mudá-lo? Ou tentaria lutar para manter os acontecimentos da sua vida exatamente como foram (ou como você se lembra)? Esse tipo de dilema é combustível para todo tipo de narrativa, mas Final Fantasy VII Rebirth o coloca à prova de maneira instigante ao carregar consigo uma ideia ousada: alterar o cânone de um dos jogos mais famosos de todos os tempos.
Este é o segundo título de um projeto ambicioso que já dura quase dez anos e se propõe a refazer em três jogos o clássico de 1997 que redefiniu uma geração de videogames. Mas nem tudo vai ser como os milhões de fãs do game da Square esperavam, já que Final Fantasy VII Remake, o primeiro desta trilogia, se encerra com uma série de mudanças bombásticas para avisar que as coisas que nós conhecemos podem mudar.
Com essa decisão ousada, a equipe de desenvolvimento conseguiu o inimaginável: apertar o botão de reset nas expectativas de uma comunidade ávida por essa recriação. E, como os envolvidos na criação do universo de Final Fantasy VII vem sentindo na pele por quase 20 anos e você bem deve saber, lidar com tamanha expectativa não é tarefa fácil.
Esta jornada desconhecida continua em Final Fantasy VII Rebirth, que continua a história do jogo de 1997 em uma nova realidade e, portanto, tem carta branca para reescrever o destino de Cloud, Aerith, Sephiroth e cia.
O time de criadores do remake, que mistura os diretores do jogo original com pessoas que entraram na indústria porque cresceram com Final Fantasy VII, pede para tratarmos, daqui para frente, esta aventura como algo novo, inédito, mesmo que muitas de suas cenas e diálogos sejam familiares. O desejo de rever um clássico refeito com tecnologias modernas deve abrir espaço para a surpresa de mistérios inexplorados, mesmo que o próximo evento do roteiro que você já conhece esteja sempre à espreita.
O resultado é um jogo enorme, rico em conteúdo que mais se parece com seu material original em diversos aspectos, mas ao mesmo tempo se vê desafiado a brincar com as emoções da audiência. E é no complicado cabo de guerra entre expectativas e realidade trilhado por Rebirth que aparecem seus maiores acertos e, inevitavelmente, seus maiores erros.
A caçada
Depois de deixarmos, em Remake, a metrópole cyberpunk Midgar para trás para caçar Sephiroth, um antigo herói de guerra dado como morto que ressurge para erradicar toda a vida do planeta, Rebirth fica com a maior parte do projeto de recriação, adaptando aproximadamente o restante do conteúdo do primeiro CD do game de PS1, em uma aventura pelos quatro cantos do planeta.
O que chama a atenção, logo de cara, é justamente como Rebirth expande este mundo tentando respeitar a sensação de grandeza deixada pela Midgar de FFVII Remake. Mas, ao contrário da metrópole que jamais víamos em sua totalidade no jogo original ou no remake, aqui vemos uma cidade que foi aprofundada para preencher as lacunas que antes estavam na nossa imaginação, e esse exercício de adaptação resulta em uma necessidade maior de mudanças.
Sem a divisão entre mapa-múndi e cenários de cidade imposta por limitações técnicas de 1997, a um mundo com a proporção que se espera de um jogo de alto orçamento em 2024. É uma sensação de deslumbramento que permeia todos os locais de Rebirth, das ruas do vilarejo provinciano de Kalm à humilde e devastada Corel.
Ainda que essa tática de aumento não necessariamente funcione com todos os locais recriados em Rebirth (Cosmo Canyon salta como o principal exemplo), é especial ver este mundo ganhar vida com um nível de detalhe impressionante. Mas os cenários foram só o primeiro passo nesse trabalho de caracterização.
Para retratar essa jornada, a equipe da Square Enix pegou a estrutura basicamente linear do Remake e construiu um novo jogo ao redor, cheio de dinâmicas novas e liberdade para explorar. Não à toa, é quase a primeira coisa a qual somos apresentados, já nas primeiras horas, quando se libera o primeiro grande mapa do jogo.
Rebirth se divide em grandes áreas que compõem os arredores das principais cidades pelas quais Cloud e seus amigos passam, mas a quantidade de conteúdo é tão grande que faz este jogo ser praticamente de mundo aberto, ainda que seus cenários não estejam 100% conectados. Este é tranquilamente o maior Final Fantasy já feito, em uma escala de mundo e possibilidades.
Existe, claro, uma estrutura comum a RPGs atuais, com missões paralelas à história principal, mas os mapas de FFVII também se dividem em atividades corriqueiras com boas recompensas, como lutas especiais e pontos de interesse que vão desbloqueando viagens rápidas e dão acesso a novas armas, equipamentos e magias por meio do simulador de combate de Chadley, personagem do Remake que retorna ao novo jogo.
A quantidade enorme de conteúdo pode até causar ansiedade em complecionistas ou entediar quem não gosta de fazer atividades repetitivas, já que você precisa liberar estes pontos a cada novo mapa desbloqueado com o decorrer da história. No entanto, existe uma facilidade em transitar pelo mundo que diminui, em partes, a urgência de fazer todo o conteúdo opcional antes de seguir adiante na história.
Interrompido (por minigames)
Quando a trama precisa avançar, entretanto, Final Fantasy VII Rebirth se afunila novamente, retornando à estrutura linear de cenários que existia no Remake. E é exatamente daqui que surgem alguns dos maiores problemas. Foi aplicada a mesma lógica do jogo anterior, na qual os eventos da jornada de Cloud e seus amigos são reescritos, repensados e, principalmente, esticados com novos acontecimentos.
Em alguns momentos, as mudanças são necessárias e bem-vindas, especialmente para atualizar sequências que não fariam sentido hoje em dia. Mas o maior problema fica exatamente quando as ideias do primeiro jogo não batem com as do segundo. O que se fazia necessário no Remake, que adaptou a sequência inicial de poucas horas do clássico de 1997 em um jogo completo de alto orçamento, entra imediatamente em conflito com a estrutura mais aberta da continuação, por si só responsável por fazer a aventura durar muito mais.
Essa sensação de inchaço fica ainda mais evidente com a obsessão de Final Fantasy VII Rebirth em envolver o jogador em minigames.
Antes de eu começar uma das reclamações mais esquisitas que já fiz sobre um jogo, é preciso dar contexto. Na sua versão original, Final Fantasy VII inovou dentro da série ao trazer uma série de minijogos como parte da dinâmica de sua aventura. Alguns eram simples, como apertar botões no tempo certo para prosseguir. Outros, como capturar e criar chocobos e pilotar uma moto na fuga de Midgar, se tornaram tão complexos que podiam ser revisitados na Gold Saucer, um parque de diversões dentro do mundo do jogo que vira um centro onde você pode rejogá-los a qualquer momento.
Rebirth tentou honrar esse legado incluindo diversos minigames. Alguns são totalmente opcionais. Outros são atrelados aos pontos de interesse no mapa e às missões paralelas que citei acima. Mas vários também são obrigatórios para o andamento da história principal. E são muitos, muitos, muitos minigames.
Clássicos do jogo original retornaram, como a perseguição da moto em Midgar ou o 3D Battler do Gold Saucer. Outros vêm do RPG original ou até mesmo de Final Fantasy VII Remake, como o jogo de defesa de torre do Fort Condor lançado com a DLC Intergrade.
Mas também são vários os mini-games inéditos. Só os chocobos têm pelo menos quatro mini-games, incluindo ação furtiva, corrida e circuito de pontos em voo. A joia da coroa fica com o jogo de cartas Queen’s Blood, que mistura a dinâmica de jogo da velha de Triple Triad com o placar dividido em trilhas de Gwent e é a melhor investida da Square no gênero desde Final Fantasy VIII.
São tantos minigames obrigatórios apresentados em uma sequência curta de tempo que, quando eu cheguei no Gold Saucer, minha disposição para interagir com os jogos ali dentro era próxima de zero. E a obsessão de Rebirth por esse tipo de atividade não parou por aí.
Com quase 50 horas de jogo e me aproximando da reta final, ainda me via precisando aprender novas regras de minigames para os quais eu jamais retornaria. Ali, a necessidade de reescrever a história de Final Fantasy VII sentida pelos desenvolvedores encontrou seu ponto mais baixo, no qual essa necessidade de esticar ficou parecendo mais uma vontade de inchar artificialmente uma aventura já extensa e densa.
As vozes do planeta
Muito embora Final Fantasy VII Remake já tenha aprofundado o desenvolvimento de seus personagens em relação ao original, a continuação se dedica ainda mais a nos contar quem são os heróis desta aventura. Afinal, é neste momento que o clássico de PS1 nos apresenta de verdade à equipe, à medida que visitamos várias de suas cidades natais, além de estabelecer os laços entre este grupo de quase desconhecidos.
É claro que vários destes momentos compõem o que há de principal na história de Rebirth, mas isso também se traduz em uma de suas melhores novidades: o sistema de relacionamentos entre os personagens.
À medida que você progride na aventura, os diálogos entre Cloud e os demais integrantes do grupo fazem com que eles gostem mais de você ou não. Além disso, as missões opcionais também contam com a participação de algum de seus companheiros, estreitando esses laços.
Muitas vezes, as sidequests acabam envolvendo novos coadjuvantes ou figuras que já haviam dado as caras no Remake, como a malandra Kyrie, que tenta surfar no sucesso de Cloud como mercenário, ou o atrapalhado Johnny, ainda em busca de encontrar rumo na vida. No fundo, são oportunidades de mostrar o que o projeto do remake tem de melhor, criando novos momentos entre os heróis e dando oportunidades de ver mais deste mundo sem forçar momentos desnecessários.
(O sistema de relacionamentos mais bem definido, junto à profusão de minigames, também mostra como a Square Enix vem prestando muita atenção no que a concorrente SEGA vem fazendo no cenário do RPG japonês com Persona e Like a Dragon).
Os relacionamentos entre o time também ajudam a melhorar as habilidades de sinergia, a principal adição ao já excelente sistema de combates de Final Fantasy VII Remake. O grupo como um todo conta com um nível, que aumenta no decorrer da história, mas pode ser ainda mais aprimorado com missões paralelas. Esse nível vai desbloqueando nodos em um mapa similar ao Sphere Grid de Final Fantasy X, no qual estão ataques em conjunto ativados quando uma dupla específica está em combate.
Os ataques em sinergia são similares aos Limit Breaks, e dão ainda mais opção em um sistema já profundo e cheio de estratégia, que não deixa de lado o dinamismo de movimentos em arena. O que já era o melhor sistema de combate com ação feito para um Final Fantasy foi ainda mais aprimorado, com os personagens mais ágeis do que antes tendo em vista os cenários mais amplos de Rebirth.
A equipe de desenvolvimento também ouviu as reclamações a respeito do primeiro jogo e diminuiu um pouco a megalomania dos chefes. Claro, ainda há combates prolongados com diversas fases, mas o time entendeu que nem todo monstrão ou robô da Shinra precisa ter uma batalha épica cheia de cutscenes.
Tudo isso é embalado mais uma vez pela trilha sonora de Mitsuto Suzuki e Masashi Hamauzu, que se deu ainda mais liberdade para reinterpretar as composições de Nobuo Uematsu de forma prolífica.
A dupla pegou a missão que Uematsu recebeu em 1997 de produzir uma trilha sonora com contornos cinematográficos e elevou esse conceito a décima potência, criando faixas épicas que misturam a todo momento frases musicais de outras faixas dependendo do momento retratado em tela.
O resultado evoca sensações imediatas caso você esteja familiarizado com a trilha sonora do original, quando o tema da Shinra toca sutilmente dentro de outra música assim que um personagem fala sobre os efeitos nocivos da companhia de energia no planeta, ou quando os inevitáveis temas de Aerith e Sephiroth permeiam cada momento da aventura.
Quem sou eu?
Falando em Aerith e Sephiroth, é inevitável falar sobre a missão mais complicada de Final Fantasy VII Rebirth: lidar com as mudanças feitas no encerramento do Remake, que desafiou o nosso conceito sobre recriações de jogos e criou essa expectativa sobre o que haverá de novo.
É difícil responder a essas perguntas sem estragar as surpresas da história, mas eu posso compartilhar que, sim, Final Fantasy VII Rebirth continua a exercitar essa ideia do que é reescrever uma história de modo que ela pareça nova, mesmo seguindo um roteiro parcialmente conhecido por vários de seus jogadores.
Os momentos familiares e inéditos vão se intercalando à história original de modo a, lentamente, levar o jogador a uma conclusão, importando um dos piores vícios de Kingdom Hearts, outro RPG de sucesso capitaneado por duas das principais vozes do projeto remake, Tetsuya Nomura e Kazushige Nojima. O resultado é bem conhecido por quem joga a franquia que une Square e Disney: você provavelmente vai se perguntar o que está acontecendo de verdade durante um bom tempo.
Ainda que seja impossível reproduzir o impacto do poderoso final de Final Fantasy VII Remake, Rebirth continua a abordar estes temas com mais sutileza. A conclusão pode não ter me deixado tão surpreso, mas sigo satisfeito e interessado em como o trio vai adaptar os momentos finais do jogo original nessa nova estrutura.
Rebirth é um jogo que se equilibra a todo momento entre o familiar e o desconhecido. Às vezes, transita entre estes dois campos em uma divisão muito definida. Em outros momentos, mistura estes dois lados com o claro propósito de confundir e deslumbrar.
Por isso, Final Fantasy VII Rebirth é um jogo que vai te encantar, te surpreender, e te decepcionar. Às vezes, ele vai fazer todas essas coisas ao mesmo tempo. Talvez, o estilo confuso de narrativa de Nojima e Nomura seja o mais apropriado para esse projeto ambicioso, eternamente situado no embate sobre como um jogo deveria ser refeito e como ele é de verdade.
Mas, mesmo com todas as indas e vindas, ele continua o alto nível de uma das recriações de jogos mais fascinantes de todos os tempos.
- Lançamento
29.02.2024
- Publicadora
Square Enix
- Desenvolvedora
Square Enix