Crash Bandicoot é daquela série de jogos que, para mim, está na memória afetiva. Moleque na década de 1990, vindo de anos no Super Nintendo para o primeiro PlayStation, procurei um “substituto de Mario” para meu novo console - exatamente o que o marsupial da Sony se propunha a ser -, e encontrei um jogo de plataforma divertido, protagonizado por um mascote que, aos poucos, mostrava seu carisma.

Foi com um olhar meio saudosista, meio curioso, que olhei para o retorno do personagem em Crash Bandicoot N. Sane Trilogy, coletânea que reúne os três primeiros games da era de PS1 - justo os que eu e a maioria dos fãs guardam com mais carinho no coração -, agora no PlayStation 4. Será que os três jogos resistem ao teste do tempo ou sua qualidade é mais atrelada à nostalgia?

O que salta aos olhos, é claro, é a parte gráfica. A trilogia original do PS1 nunca foi conhecida pelo primor gráfico (o último deles é de 1998, numa era pós-Final Fantasy VII), mas aqui os títulos receberam uma repaginada que lhe fizeram muito bem, especialmente para dar um senso de unidade aos três.

Ainda que, em comparação com as versões originais, a mudança gráfica seja bem-vinda, com boas texturas e efeitos de iluminação, o que é mostrado está aquém do que o PS4 já mostrou ser capaz, por exemplo, em Ratchet & Clank, que tem um estilo visual parecido, mas rivaliza com animações da Pixar em sua qualidade. Talvez para manter uma espécie de fidelidade à versão original, os jogos também rodam a 30fps, e não a 60.

Infelizmente, a maior “fidelidade” à plataforma original está em inexplicáveis e frequentes pausas para carregamento, em praticamente todas as transições de tela - tem loading até para passar do logo da Activision para o da desenvolvedora Vicarious Visions, quando você inicia o game. Neste ponto, o remaster de Crash se comporta como um verdadeiro jogo de PS1. A falta de otimização é inexplicável, especialmente nos momentos como o citado acima.

Nos loadings, o remaster de Crash parece até um jogo de PS1

Crash, na prática

Crash Bandicoot N. Sane Trilogy

Sim, as poses e comemorações de Crash continuam malucas

(Convém explicar que Crash teve uma história conturbada. Os primeiros jogos nasceram de um acordo entre a Universal Interactive a Sony, que acabou na era do primeiro PlayStation. Depois, o personagem passou a ser multiplataforma e seus direitos passaram por uma série de empresas até caírem nas mãos da Activision, que é a atual dona do personagem. A Naughty Dog, desenvolvedora original destes títulos, não participou da remasterização).

Por trás de uma importante atualização visual, os controles dos três jogos permanecem inalterados. Dá para perceber o quanto a Vicarious Visions prezou pela atenção aos detalhes na hora de transpor, de forma integral, o trabalho da Naughty Dog - para o bem e para o mal. Lado a lado, também é fácil perceber o quanto o primeiro Crash é inferior às suas continuações.

Crash Bandicoot N. Sane Trilogy

No primeiro game, a movimentação travada de Crash e a imprecisão dos pulos são uma formidável fonte de frustração, especialmente em fases de ponte quebradiça, como “Road to Nowhere” ou “The High Road”. Essa decisão de design mantém a velocidade e capacidade de salto do personagem de forma correspondente ao layout das fases, sem quebrar o fluxo da jogabilidade nas mesmas.

O que há de novo

Você pode escolher entre Crash e sua irmã Coco nos três jogos

Vale ressaltar que este não é um problema da remasterização da Vicarious, e sim algo que o primeiro jogo já traz desde a sua versão original, de 1996. É um defeito da dos anos 90 que foi corrigido ainda nos anos 90: o Crash mais ágil dos episódios 2 e 3 da trilogia, capaz de deslizar e dar saltos mais altos e longos, é bem mais agradável.

A nova desenvolvedora, entretanto, teve a oportunidade de corrigir o que todos os três jogos têm de ruim e não o fez. Ângulos de câmera mal posicionados quase sempre geram saltos imprecisos que, se na época não incomodavam, hoje em dia são irritantes ao considerarmos os vinte anos de evolução técnica que o gênero e o meio tiveram. Não custava nada à Vicarious Visions ter consertado aqueles fiapinhos de polígono que fazem Crash relar em uma plataforma para cair no abismo logo em seguida.

Os controles travados são ressaltados de forma ainda mais contundente ao se movimentar pelo direcional analógico, algo que não estava disponível para os desenvolvedores em dois dos três games da trilogia - o primeiro DualShock, que traria esse tipo de direcional, seria lançado pouco tempo depois de Crash 2. Não à toa, jogar no direcional de setas acabou proporcionando uma movimentação mais precisa.

Enquanto o cerne das mecânicas permanece o mesmo, as novidades acrescentadas são pontuais, como a inclusão dos desafios de cronômetro de Crash 3 nos três games - tudo, claro, em um desafio condizente à velocidade do marsupial nos jogos anteriores. Um bônus legal, mas não é nada que acrescente significativamente à experiência.

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Mais importante é a inclusão de Coco Bandicoot como personagem jogável em toda a trilogia. Você pode alternar entre Crash e Coco no mapa quando bem entender, e os dois se movimentam de forma idêntica. É uma mudança 100% cosmética, que não altera em nada o gameplay.

Em Crash 3, ainda são respeitados os níveis únicos de cada personagem - apenas Coco poderá passar das fases de montaria ou jet ski, enquanto Crash é o único personagem selecionável em fases subaquáticas ou corridas de moto, por exemplo.

A nova desenvolvedora poderia ter corrigido o que os três jogos têm de ruim e não o fez

Crash Bandicoot N. Sane Trilogy traz o que um dos ícones do PlayStation tem de melhor e de pior, ao mesmo tempo. Na atualização de seus games mais famosos para o PS4, vêm os acertos (e também os erros) de um personagem que teve a dura missão de ser uma das principais faces do console da Sony, em seus críticos anos iniciais de vida. Mas, em pleno 2017, é um jogo que chama mais a atenção pela nostalgia do que qualquer outra coisa.

Crash Bandicoot N. Sane Trilogy está disponível para PlayStation 4. Clique no nome da plataforma para conferir o preço em sua versão digital.

Nota do crítico