Review: Persona 3 Reload aperfeiçoa um clássico que precisava ser renovado
Remake reúne o melhor que a franquia apresentou nos últimos 20 anos
Persona 3 Reload é um remake ideal.
A produção de remakes tende a ser um assunto espinhoso, já que se usa recursos e talento que poderiam estar fazendo algo inédito para a recriação de uma obra que já existe, e pode (na teoria) ser desfrutada pelo público.
Um bom remake – ou um remake ideal, ao meu ver – se justifica ao trazer um equilíbrio entre o original e conceitos mais modernos.
Em 2019, a Capcom conseguiu fazer isso de forma sensacional com Resident Evil 2, usado dos vários sistemas e lições aprendidas desde a versão original do jogo, de 1998, e reapropriando elas para criar algo familiar, mas diferente.
E Persona 3 Reload segue neste mesmo modelo, com os desenvolvedores da Atlus pegando tudo o que foi aprendido, refinado e evoluído nos quase 20 anos desde o lançamento do original para trazer uma versão maior e melhor dele.
Minha maior crítica seja até de que talvez eles não terem ido longe o suficiente, incluindo mais elementos de outras versões de Persona 3 para que fosse, incontestavelmente, a versão definitiva.
Mesmo assim, atualmente essa é a melhor versão para não só explorar e conhecer a história do jogo, como também para saber mais da franquia Persona como um todo.
O Persona 3 original tem um legado importante, já que foi ele que trouxe as fundações para o que levaria ao sucesso da série com suas sequências, especialmente os aspectos sociais da narrativa.
Mas, ao mesmo tempo, ele é um jogo que envelheceu particularmente mal, especialmente para quem tem familiaridade com Persona 4 e 5.
Mesmo quase dez anos atrás, quando joguei Persona 3: FES pela primeira vez depois de terminar Persona 4 Golden, o salto na qualidade dos sistemas de jogo era palpável – especialmente pelo fato de você não ter o controle completo sobre as ações dos seus companheiros de equipe no original de PS2.
Persona 3 Portable remediou isso até certo ponto, trazendo novidades ainda mais legais como a possibilidade de controlar todos os membros da equipe, e a escolha do gênero do protagonista – com os Vínculos Sociais da protagonista feminina sendo muito melhores, em geral.
Mas era também claramente um jogo de PSP, então os valores de produção eram menores. E, em menor escala, ele também tem certas partes contraintuitivas, especialmente relacionado às Personas em si.
Persona 3 Reload, por outro lado, não sofre com essas amarras: ele junta a narrativa original do 3, com alguns extras incluídos, em uma roupagem de Persona 5.
E é chocante, mas misturar dois dos melhores RPGs dos últimos 20 anos – da mesma franquia, aliás – tende a dar certo.
Adolescentes com atitude
Em Persona 3 você controla um estudante segundanista que é transferido para a cidade de Tatsumi Port Island para estudar no Colégio Gekkoukan, se mudando para um dormitório da região.
Mas, logo quando você chega na cidade, as coisas ficam esquisitas: o tempo parece parar, o mundo ganha um tom esverdeado, a lua fica mais sinistra...
Sem falar nos caixões flutuantes que estão espalhados na rua.
Logo, se descobre que o protagonista tem uma conexão com um mundo paralelo ao nosso, que se manifesta na forma da Hora Sombria – uma hora secreta que se passa logo antes da meia-noite, e em que criaturas monstruosas conhecidas como Sombras costumam vagar pela cidade, predando em pessoas desavisadas.
Para combater essa ameaça, um grupo de estudantes (com auxílio de uma megacorporação) forma o Setor Especializado em Execução Supracurricular, ou S.E.E.S., que caça e destrói Sombras com Personas, entidades misteriosas que surgem do seu eu interior.
E, como você é o personagem principal dessa história, sua habilidade especial é a de usar múltiplas Personas, diferente dos seus companheiros, que só tem controle de uma.
Persona 3 foi o jogo deu a base para os jogos seguintes da série, mas caso não conheça o formato, ele pode ser dividido entre dois momentos que se entrelaçam:
Primeiro, temos um simulador de vida em que o jogador deve tentar levar uma vida de estudante (relativamente) normal: ir à escola, estudar, participar de clubes e outras atividades extracurriculares, e manter uma vida social minimamente saudável.
Segundo, temos um dungeon crawler, em que o jogador lidera um quarteto de membros do S.E.E.S. para explorar o Tártaro, uma misteriosa torre com dezenas e dezenas de andares que aparecem bem onde fica o Colégio Gekkoukan durante a Hora Sombria.
Você precisa escalar essa torre, derrotando inimigos cada vez mais difíceis e com habilidades mais poderosas, enquanto desbloqueia novas Personas pelo caminho.
Para formar Personas mais poderosas ainda, você pode fundir as cartas delas que tiver em mãos para criar novas, herdando habilidades daquelas que você sacrificou. E, seguindo o modelo dos jogos mais recentes, você pode escolher os poderes que quer receber ao invés de depender da sorte do rolar dos dados.
Não só isso – e é aí que os dois formatos se entrelaçam – durante a fase de simulação de vida você pode formar Vínculos Sociais, que são amizades e ligações com pessoas específicas que representam Arcanos do baralho de tarot.
Ao fortalecer esses laços, você pode deixar ainda mais poderosa a fusão de uma Persona de determinado Arcano.
Por isso, é necessário equilibrar a sua vida "normal" e "sobrenatural", já que sair e passar o tempo com pessoas ligadas a Arcanos paga dividendos na hora de meter a porrada nas Sombras do Tártaro.
E, conforme você vai avançando na história, vão sendo liberados mais sistemas que conversam entre si.
Para quem não está acostumado com a série, isso talvez pareça difícil de balancear, mas cria um loop de jogo surpreendentemente satisfatório, em que você os eventos da simulação de vida são engajantes por si só, e que tornam os momentos de ação mais direta ainda mais impactantes.
Torre Sombria
A ação no Tártaro mistura dungeon crawling, em que você avança pelos andares, enfrenta inimigos e descobre itens especiais em baús, com um sistema de combate de RPG por turnos, em que é preciso descobrir e explorar as fraquezas e vulnerabilidades de cada inimigo, enquanto eles tentam fazer o mesmo com seu time.
A grande novidade em termos de mecânicas aqui são a Troca e a Teurgia, que são trazidas e adaptadas de Persona 5 Royal. Em Troca, você pode passar a vez para um dos outros companheiros do time depois de atacar a fraqueza de um inimigo. Já Teurgia, que é liberado mais para frente na história, é o que daria pra chamar de Limit Break de Persona, com um ataque especial de cada personagem sendo liberado após carregar uma barra de energia.
O combate é extremamente satisfatório, já que envolve tanto planejamento da sua parte para atacar os inimigos usando as Personas dos seus companheiros e as suas próprias, mas também muitas vezes te coloca na defensiva de repente, com inimigos podendo dar a volta por cima a qualquer momento, se atingirem a pessoa certa.
E, uma mecânica bem-vinda de Persona 3 Portable que aparece por aqui são os resgates de pessoas que, ocasionalmente, acabam ficando presas no Tártaro e devem ser encontradas até uma data limite.
Neste sentido, a Atlus refinou esse modelo praticamente até a perfeição entre Persona 3 e Persona 3 Reload – ao ponto de que eu não sei exatamente o que eles pretendem fazer no próximo jogo novo da série, já que é genuinamente difícil para mim pensar em novas formas de iterar e refinar isso.
Minha crítica maior é que eles poderiam ter ido um pouco mais longe nas misturas de versões: a perda da protagonista feminina é ruim por si só, mas gostaria de que tivessem ao menos trazido alguns dos Vínculos Sociais dela para esta nova versão, especialmente em relação a Junpei e Akihiko.
Há uma espécie de meio-termo em que você faz atividades especiais com eles, que desbloqueiam certos atributos e habilidades especiais, mas acaba sendo mais um aceno fraco ao conteúdo de P3P do que qualquer outra coisa.
Mas pelo menos há outras atividades paralelas especiais para fazer com todos os membros do dormitório, que se não tem uma relação específica de Vínculo Social ou mudam os atributos de alguma forma, mas são divertidos pelo simples fato de expandir as personalidades do elenco principal.
Só no estilo
Parte do que tornou Persona 5 tão marcante na época do lançamento foi sua direção de arte, que trazia um senso de estilo e personalidade como poucos jogos conseguiram estabelecer.
Persona 3 Reload pega parte dessa estética e a recontextualiza para a identidade visual do jogo original, e os resultados são brilhantes.
Os personagens, as ambientações, as transições de menus... Tudo é maravilhosamente bem trabalhado, e ajudam com o engajamento e imersão neste mundo.
A trilha sonora, sempre um ponto alto da série, segue seu padrão alto tanto com rearranjos das músicas de Shoji Meguro para o jogo de 2006, quanto composições originais que são genuinamente difíceis de tirar da cabeça.
Se fosse criticar alguma coisa nesse sentido, é que o enquadramento das cutscenes mantém o mesmo padrão básico da série, que são muito pouco inventivas comparadas com o resto da identidade visual e estilo do jogo.
Combo da SEGA
Em questão de uma semana, a Sega trouxe dois dos melhores RPGs de 2024, começando por Like a Dragon: Infinite Wealth, e seguindo com o novo (velho) Persona.
Persona 3 Reload é não só uma versão quase perfeita de um dos RPGs mais importantes dos últimos 20 anos, mas também diria que é a melhor porta de entrada para a franquia.
O jogo pega a fórmula que o Persona 3 original estabeleceu, e aplica todo o refinamento que a Atlus apresentou a ela até Persona 5 Royal.
Não só isso, a localização em português do Brasil não só está excelente, como dá a oportunidade e um público maior por aqui conhecer o mundo desta franquia.
Persona 3 Reload está disponível para PC, PS4, PS5, Xbox One e Xbox Series. E, pelo menos nessa janela de lançamento, o jogo está disponível no Game Pass.
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