Poucas coisas estão tão conectadas na vida como Streets of Rage e Yuzo Koshiro. Quando o assunto é o beat ‘em up da Sega, o compositor automaticamente surge à mente. E a associação entre os dois é completamente natural, afinal, logo na tela título o game exibe o nome do criador de sua memorável trilha sonora.

Hoje em dia, pode parecer bastante normal que o nome de um compositor seja creditado em um jogo, mas nas décadas de 1980 e 1990, a prática mais comum era que as pessoas envolvidas na produção de um game ocultassem suas identidades. 

Os motivos para isso eram muitos e, ainda hoje, hoje esse assunto é fruto de pesquisas. Popularmente, acredita-se que os estúdios tinham medo que produtoras concorrentes roubassem os talentos para si. Por isso, ao terminar um game clássico, os nomes que aparecem nos créditos são pseudônimos esquisitos. Um bom exemplo disso é a compositora de Castlevania, Kinuyo Yamashita, que foi creditada como “James Banana”.

(A creditação - ou a falta dela - na indústria de desenvolvimentos de games vale um artigo próprio, diga-se de passagem.)

Porém, isso não afetou Yuzo. Ele foi um dos primeiros a ter seu nome aparecendo logo na tela título de um game. Isso aconteceu na trilogia Streets of Rage e em The Revenge of Shinobi, todos títulos da Sega. Curiosamente, a principal razão por trás disso teria sido um pedido da mãe do compositor, a Sra. Tomo Koshiro, uma experiente mulher de negócios; à Sega.

“Não foi uma solicitação minha. Minha mãe que fez isso”, conta Yuzo em um tweet. Na ocasião, ele ainda revela que seu professor de música, Joe Hisaishi, uma vez disse à Sra. Tomo que é “importante ter seu nome creditado nas obras e ela levou isso muito a sério. Daí a Sega aceitou o pedido facilmente”.

Imagem de uma conversa entre Yuzo Koshiro e um fã  no Twitter
Nintendo Life/Twitter/Reprodução

Um pedido simples e honesto vindo de uma mãe, marcou toda a uma geração e um gênero de música. Além disso, nessa época, ainda que aos poucos, a indústria começou a mudar em se tratando de creditar os produtores envolvidos no desenvolvimentos de jogos.

“YK-2”

Ainda antes de ascender no mundo dos jogos e ter seu nome sendo exibido na tela título de um game, em uma época em que esse hábito era praticamente inexistente; vale citar que Yuzo tem DNA artístico em seu sangue. Natural de Hyno, em Tóquio, ele nasceu em 12 de dezembro de 1967 e é filho de um pai artista e de uma mãe pianista.

A Sra. Tomo, inclusive, o ensinou desde cedo: Yuzo aprendeu a tocar piano com 3 anos de idade e, em uma entrevista para o Nintendo Life, o compositor comenta que sua mãe e, por tabela primeira instrutora, era bastante rígida, ao ponto de bater nas mãos dele caso errasse as notas.

“Tocar música clássica era muito chato quando eu era criança. Porém, passei a gostar de tocar piano e sintetizadores desde que me tornei fã da banda Yellow Magic Orchestra aos 13 anos”, conta Yuzo na entrevista. Nessa mesma época, a Sra. Tomo ainda comprou para ele um Korg Delta com sintetizador analógico e notas polifônicas, o que permitiu que ele tocasse suas músicas favoritas do grupo, tais como Rydeen e Technopolis.

Yuzo também aprendeu a tocar violino aos 5 e violoncelo aos 12. E, além de ter tido como professor Joe Hisaishi, conhecido por seus trabalhos nas animações do diretor Hayao Miyazaki no estúdio Ghibli; o compositor de Streets of Rage também afirma que adorava música clássica e recebeu influência extra de seu pai.

“Meu pai era um nerd de vinis, ela tinha mais de 1000 discos!”, conta Yuzo. “Ele tocava todos os gêneros possíveis por dias a fio enquanto eu dormia. No começo, me incomodei com a música contemporânea que, para mim, era difícil de compreender, mas eu me acostumei e passei a adorá-la. Por isso eu amo todo o tipo de música!”.

Outra inspiração para Yuzo ter se tornado compositor de músicas de videogame foram os jogos de fliperama que ele jogava na adolescência quando ia às casas de Arcade. The Tower of Druaga, Space Harrier e Gradius, por exemplo, são alguns dos jogos cujas músicas mais o impressionavam. Ele também cita na entrevista à Nintendo Life que Koichi Sugiyama, compositor de Dragon Quest, também está entre as pessoas que ele mais admira desse meio.

Por fim, a decisão final veio quando Yuzo conseguiu reproduzir músicas de videogames em seu computador, NEC PC-8801 mk2SR, máquina bastante popular no Japão naquela época. Então, ele passou a enviar artigos e músicas para a revista PC Microcomputer Basic Magazine sob o pseudônimo “YK-2”.

Conforme seus trabalhos foram se tornando mais e mais populares, Yuzo, ou melhor, YK-2 se tornou bastante aclamado entre os criadores de músicas no formato PSG - que era o som que o NEC PC-8801 mk2SR conseguia reproduzir.

Sempre um freelancer

Apesar de ter se candidatado a diretor de jogos na Nihom Falcom, Yuzo foi contratado como compositor. Junto de outros produtores, ele produziu músicas para Xanadu Scenario II, Romancia, Ys I, Dragon Slayer IV, Sorcerian e Ys II, todos para o computador PC-88.

E como a Falcom não creditava seu trabalho nos jogos, ele também fez trabalhos como freelancer para a Enix, onde produziu as músicas de The Scheme e Misty Blue, usando uma nova placa de som, a Soundboard 2. Yuzo diz que seus trabalhos mais difíceis, porém, foram nas trilhas produzidas para os jogos do computador Sharp X68000.

Eventualmente, passou a trabalhar com a Sega. Para The Revenge of Shinobi, Yuzo diz que queria fazer algo semelhante às músicas dos jogos anteriores da franquia, mas ao mesmo tempo, quis experimentar mesclar os gêneros que começou a escutar na mesma época, tais como club e house.

“Achei que seria interessante combinar esse estilo com a ambientação japonesa que havia em Shinobi”, diz Yuzo em entrevista para o Red Bull Academy. Uma de suas influências para a composição, por sinal, foi Prince - um artista que ele estava escutando na época. “Não era como agora que você pode ouvir músicas antigas sempre que quiser, pois estávamos limitados às músicas que ouvíamos na época”

Ruas furiosas, punhos agitados

No início da década de 1990, a Sega queria competir contra o Final Fight da Capcom e, como resposta, lançou SoR (conhecido como Bare Knucle no Japão). O game da casa do Sonic era semelhante em alguns aspectos de gameplay, mas a trilha sonora era de seus maiores atrativos. Além disso, Streets of Rage foi lançado primeiro no mercado ocidental e, pouco tempo depois, chegou às terras japonesas. Por conta disso, a composição das músicas tinha de ser pensada para o público do exterior, desde sua concepção.

Nessa época, os gêneros club e house estavam em alta nos Estados Unidos, e no Japão, só faria sucesso tempos depois. “Na América do Norte, especialmente, onde o Mega Drive estava vendendo [bastante], a música club tocava constantemente na MTV. Então, eu sabia que eles adoravam [esse gênero]”, conta Yuzo, ainda para a Red Bull Academy.

“Achei que se eu pudesse colocar isso nas músicas do jogo, eles ficariam muito felizes. Acho que foi a primeira vez que compus música priorizando o mercado ocidental ao invés do japonês”.

Yuzo também revela que a Sega não especificou que tipo de música eles queriam para o game, então ele basicamente experimentou e mesclou tudo que ele gostava nas composições. “Eu disse a eles que a música club definitivamente decolaria, e eu queria que [ela estivesse no game], daí fiz uma demonstração”, conta o compositor.

“O gerente de vendas da Sega daquela época realmente gostou. Foi pura sorte [pois] acho que havia pessoas que recusariam músicas que não eram muito populares no Japão”. Yuzo também diz que pouco depois de completar 20 anos, ele havia ido para Los Angeles e, além de consumir muita MTV no hotel, também comprou muitas fitas-cassetes como lembrança.

Daí veio sua aproximação com os gêneros musicais que não eram populares no Japão, tais como house, club e techno. Além disso, foi assim que ele conheceu a aplicou efeitos de som como o “ground beat”, um recurso que Yuzo usou na música de abertura de Streets of Rage, por exemplo.

“O ground beat em si era realmente novo e legal. Esse tipo de batida sutil e oscilante não era encontrada em nenhuma música japonesa naquela época e, é claro, não estava em nenhuma música do jogo. Eu queria usar esse tipo de batida, não importava como”, conta. “Batidas, ao invés de melodias, liderariam a música”.

Para o compositor, foi emocionante usar novas ideias na composição de Streets of Rage. Nas continuações, Streets of Rage 2 e Streets of Rage 3, Yuzo quis continuar de onde havia parado ou seja, experimentar e mesclar novas batidas; apesar de o segundo game se inclinar mais para a cena techno, breakbeat e funk, e o terceiro título abraçar o trance, jungle, gabba e ter um apelo mais experimental (isso graças a intensidade do trabalho do principal colaborador de Yuzo em SoR2 e SoR3, Motohiro Kawashima).

E, ainda que a trilha sonora de SoR3 não tenha sido muito bem aceita, a de SoR2 se tornou um marco. Artistas contemporâneos e produtores como Ikonika, Labrinth, Joke e Just Blaze citam o trabalho de Yuzo Koshiro como principal influência em seus trabalhos - e em um experimento da Vice com Angus Harrison, o redator tido como “enciclopédia da música eletrônica” ficou bastante impressionado quando ouviu o vinil do game.

Quando Yuzo fala sobre os artistas e produtores americanos e britânicos que influenciou com seu trabalho, fora dos games, diz: “É um pouco estranho ouvir essas pessoas dizerem que gostam da minha música. Eu penso: ‘Mas era sua música originalmente!’”

Compositor e, principalmente, programador

As músicas de Yuzo encapsulam basicamente as melodias e batidas que ele escuta. Estas são as fontes de suas inspirações. Ainda assim, como é possível que as músicas de um Yamaha YM2612 (isto é, o chip de som do Mega Drive) tenha conseguido reproduzir trilhas tão contagiantes na década de 1990, tais como as de SoR e Shinobi, a ponto de elas se consagrarem como algumas das composições mais importantes e influentes de todos os tempos?

“As pessoas que jogam estão emocionalmente envolvidas com os jogos. Quando jogamos, os efeitos sonoros nos empolgam, certo? Eu uso os sons para reproduzir a experiência”, diz Yuzo, desta vez, em uma entrevista para o Eurogamer. “Como a música de videogame é algo que você ouvirá continuamente enquanto estiver jogando, a música permanecerá com você. Quanto melhor a música, maior a possibilidade de o jogo se tornar um grande sucesso”.

Para tanto, Yuzo utilizou de seus conhecimentos de programação. Ele criou um software próprio na época, de modo a extrair e elevar o poder de processamento do chip de som do Mega Drive. “Eu conseguia fazer músicas usando os programas que criei. Embora naquele momento o hardware fosse limitado, eu era capaz de usá-lo livremente”, revela.

Motohiro Kawashima à esquerda, e Yuzo Koshiro à direita
Motohiro Kawashima à esquerda, e Yuzo Koshiro à direita/Reprodução

“Se compositores não conseguem programar, os sons das músicas techno e house não podem ser usadas em jogos - mas com minhas habilidades de programação, eu poderia recriar esses sons incríveis. Foi isso que tornou as trilhas sonoras [de SoR] diferentes das outras composições da época”.

Essas habilidades, obviamente, são uma herança de suas aventuras com seu primeiro computador. Vale ainda apontar que Yuzo continuou usando um um NEC PC-8801 para produzir músicas para o Mega Drive, mesmo sendo um modelo antigo.

Em sua entrevista para o Nintendo Live, por exemplo, ele explica que no passado “era necessário comprar ou alugar primeiro um kit de desenvolvimento da Sega” e um PC mais potente era muito caro. Uma das razões pelas quais Yuzo se manteve usando um PC-88 foi porque o chip de som reproduzia músicas semelhantes às do Mega Drive. 

“Além disso, como a série PC-88 era muito popular, vendendo mais de 900.000 unidades na época, havia uma grande comunidade e pudemos obter muitas informações técnicas. Assim pude criar o MUCOM88, que era uma ferramenta de programação musical”, explica Yuzo. O software era fácil de usar e, como ele mesmo o havia criado, poderia atualizá-lo a qualquer momento.

Streets of Rage 4

Em 1991, Yuzo fundou o companhia e estúdio Ancient junto de sua mãe e sua irmã, Ayano Koshiro, uma designer de personagens que trabalhou em boa parte dos jogos em que o irmão fez as trilhas sonoras.

Ele também criou as músicas de Sonic the Hedgehog de Master System e de ActRaiser e, mais adiante, se envolveu nas trilhas de Shenmue e Wangan Midnight, e Etrian Odyssey e 7th Dragon; além de colaborar em outras composições, como a de Castlevania: Portrait of Ruin, por exemplo.

Ele também se apresenta regularmente tocando em discotecas (que geralmente enchem de jogadores e entusiastas); e, mais recentemente, Yuzo foi convidado para participar do processo de criação de trilha sonora de Streets of Rage 4

“Eu não estava envolvido desde o início”, conta, “Descobri que [a DotEmu] já tinha iniciado o projeto quando recebi um e-mail deles”. Yuzo também revela que muitos fãs queriam que ele estivesse envolvido na trilha sonora de SoR4 e ele se encontrou com os desenvolvedores após um de seus shows para a turnê Diggin’ in the Carts Live, em 2018, Paris. Ele jogou o game, ainda em desenvolvimento prévio, na ocasião e gostou do que provou, mas ainda não tinha decidido se participaria ou não.

“Eu os encontrei novamente no BitSummit em Quioto, em junho de 2019. Lá aconteceu o primeiro encontro de todos os compositores japoneses que iriam se juntar ao projeto. [A DotEmu] levou o game de novo e aquela versão parecia muito melhor do que a anterior que eu tinha jogado em Paris, e eu achei que estava ótimo. Gostei muito e, só aí, decidi me juntar ao projeto”.

Junto de Yuzo, também está seu parceiro de composição de trilhas de longa data, Motohiro. No processo de criação de músicas para SoR4 estão ainda outros nomes de peso, tais como Olivier Deriviere Yoko Shimomura, além de Keiji Yamagishi, Harumi Fujita, Das Mörtal e Groundislava.

(A título de curiosidade: A trilha de SOR4 também contaria Hideki Naganuma, conhecido por suas composições para Jet Set Radio, Sonic Rush e Super Monkey Ball, mas ele deixou o projeto por conflitos de agenda.)

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