Em 22 de maio de 1980, em um prédio do distrito de Shibuya, em Tóquio, o público japonês teve a chance de testar um novo jogo de arcade, que ainda não havia sido lançado propriamente.
O jogo não chegou a chamar a atenção entre quem costumava frequentar fliperamas, geralmente pessoas jovens e do gênero masculino. Mas, para a alegria de seu criador, ele pareceu agradar bastante a mulheres e um público mais velho.
Este era o objetivo do jovem Toru Iwatani: desenvolver um jogo capaz de atrair um público maior e mais abrangente, não apenas as mesmas pessoas que sempre frequentavam arcades e preferiam games de combate e guerra.
Ainda assim, nem em seus sonhos ele poderia imaginar que seu projeto transformaria tão radicalmente o mundo dos videogames.
O jogo era Puck-Man, e tornou-se um fenômeno mundial ao ser levado para fora do Japão e ganhar um novo nome: Pac-Man.
Pizza gulosa
Iwatani era um jovem engenheiro formado pela Universidade Tokai, e aprendeu as ciências da computação por conta própria.
Em 1976, aos 22 anos, ele foi contratado pela Namco, uma empresa de máquinas de entretenimento que lucrou muito ao adquirir a divisão japonesa da Atari, o que levou seu fundador e presidente, Masaya Nakamura, a incentivar seus funcionários a desenvolver seus próprios jogos.
Ao analisar os arcades no mercado, Iwatani ficou frustrado pela falta de variedade e com o fato de que essencialmente todos os jogos tinham uma temática de guerra e eram frequentados majoritariamente por homens.
"Os arcades do fim dos anos 1970 era um lugar para meninos jogar seus jogos agressivos de 'matar o alienígena'", escreveu, décadas depois, no posfácio do livro The Pac-Man Principle. "Por isso queria torná-lo em um lugar mais colorido e divertido onde mulheres e casais podiam frequentar confortavelmente."
Por isso, motivado pela iniciativa de Nakamura, o designer começou a trabalhar em um novo projeto, com objetivo de chamar a atenção de um público diferente, mais chamativo e amigável para um público feminino.
Com base nisso, ele decidiu se inspirar em uma atividade que considerava ser uma das favorita entre mulheres: comer.
"Quando você pensa no que as mulheres gostam, você pensa em moda, tarô ou encontros com namorados", disse em 2010 em entrevista à Wired. "Por isso decidi dar uma temática ao jogo de 'comer' - depois de jantar, mulheres gostam de comer sobremesa."
Uma visão um tanto reducionista (e até sexista), mas há um nível de universalidade no ato de comer que outros jogos da época não tinham, e Iwatani e sua equipe de 9 pessoas passaram cerca de um ano no projeto.
Como reza a lenda, a personificação deste conceito de comer em jogo surgiu quando o time de desenvolvimento foi a uma pizzaria. Ao tirar um pedaço de uma pizza, Iwatani notou que o restante dela parecia um círculo com uma boca.
Iwatani reforçou esta história, embora às vezes com um ou outro detalhe diferente - em The Pac-Man Principle, por exemplo, ele escreveu que pediu a pizza para almoço -, mas em 1986, durante uma entrevista para o livro Programmers at Work, de Susan Lammers revelou que também se baseou no kanji da palavra kuchi (口), que quer dizer "comer", mas aparando suas para deixar de ser um quadrado.
O jogo também tem inspirações significativas em ícones de outra mídia: desenhos animados. Especificamente, as powers pellets que tornam os inimigos vulneráveis tem base no espinafre de Popeye, enquanto a rivalidade de Pac-Man com os fantasmas foi pensada nos moldes de Tom e Jerry.
Além disso, graças às evoluções tecnológicas de outro grande sucesso da Namco, Galaxian, o jogo ganhou cores mais fortes e vivas, que o tornavam mais chamativo para o público geral.
Graças a todos estes fatores, mais o fato de que ele era simplesmente extremamente divertido e viciante de jogar, Pac-Man trouxe um rosto para o mundo dos games, uma personalidade que não existia anteriormente em um mundo de naves, canhões e bastões que populavam os fliperamas da época
Curiosamente, Pac-Man não foi um sucesso inicial no Japão, só atingindo um nível de popularidade maior ao ser licenciado nos EUA pela Midway Games. Mas quando achou seu público, ele rapidamente virou um fenômeno, vendendo 100 mil máquinas em um ano e faturando cerca de US$ 1 bilhão.
Febre de Pac-Man
Graças ao design e estilo dos personagens, Pac-Man e os fantasmas logo capturaram a imaginação do público, dando uma cara ao mundo dos videogames. Não só isso, ele foi o primeiro a essencialmente superar a mídia onde foi criado, recebendo desenhos animados e até uma música, Pac-Man Fever, que chegou em oitavo lugar na Hot 100 da Billboard.
Ele até ganhou uma versão feminina, Ms. Pac-Man - que muitos consideram superior ao original -, embora o próprio Iwatani não tenha se envolvido com o projeto, sendo uma nova versão de outro jogo, Crazy Otto, licenciada pela Midway.
Pac-Man mostrou videogames não precisavam se limitar a jogos de guerra ou esportes para entreter um público maior, e abriu o caminho para títulos ainda mais diferentes e cheios de personalidade, de Donkey Kong a Mario a Sonic e além.
Curiosamente, após o sucesso de Pac-Man, Iwatani só desenvolveu outro jogo, Libble Rabble, em 1983, antes de tornar-se um produtor e servir mais na supervisão de projetos de jogos na Namco.
"Alguém precisava coordenar os desenvolvedores mais jovens que contratamos", explicou. "Então embora eu ainda era capaz e queria continuar a desenvolver jogo, me falaram para servir como supervisor - o técnico do time de baseball ao invés de um jogador."
Ainda assim, a visão dele e de sua equipe de pensar fora dos parâmetros e buscando um público maior não só criou um jogo de qualidade por si só, como também ajudou a transformar o mundo dos games no que ele é hoje.